https://agenda.50anos25abril.pt/wp-content/uploads/2023/12/social_share_documentario_capela_rato_jacinto_godinho_evento_10_janeiro_RTP.jpg No âmbito das comemorações dos 50 anos da Vigília da Capela do Rato, a Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril promove, no dia 10 de janeiro, uma sessão única com a projeção do documentário Um gesto de liberdade. “Guerra e Paz” na Capela do Rato, apresentado pelo seu realizador, Jacinto Godinho, seguida de uma conversa moderada pelo jornalista António Marujo, com a participação de José Galamba de Oliveira, Joana Rigato e João Ferro Rodrigues.
Este evento tem lugar no próximo dia 10 de janeiro, às 18H00, no auditório da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva. A entrada é livre, mas sujeita à lotação da sala.
LOTAÇÃO ESGOTADA.
Sinopse
No dia 30 de dezembro de 1972, no fim da missa das 19:30 horas, Maria da Conceição Moita acercou-se do microfone, o mesmo da homilia do padre João Seabra Diniz, e comunicou aos presentes que um grupo de cristãos iria permanecer em jejum dentro da Capela do Rato, fazendo uma vigília pela paz, correspondendo assim ao apelo do papa Paulo VI no âmbito das comemorações do Dia Mundial da Paz assinalado, como habitualmente no primeiro dia do ano, neste caso o dia 1 de janeiro de 1973.
A notícia correu célere nas comunidades cristãs de Lisboa e também nos meios oposicionistas, especialmente os estudantis, mas o acontecimento passou desapercebido à maior parte dos lisboetas e à generalidade dos portugueses porque os principais órgãos de comunicação social do país não noticiaram o acontecimento.
No dia 31 de dezembro a meio da tarde, pelas 17:00 horas, explodem petardos em vários locais de Lisboa e também na margem sul do Tejo, ferindo três crianças, duas delas com gravidade. Os petardos tinham como objetivo espalhar panfletos convocando a população a associar-se á vigília na Capela do Rato. Foram lançados pelas Brigadas Revolucionárias (BR) e foi nesta altura que Governo e as autoridades policiais parecem ter despertado para o que estava a acontecer nas imediações do Largo do Rato em Lisboa. Os panfletos difundidos pelas BR tornavam claro que o jejum era afinal uma greve da fome simbólica, protagonizada por um grupo de católicos progressistas e que a vigília pela paz era, na verdade, uma manifestação contra a Guerra Colonial a decorrer dentro de uma Igreja.
Em menos de três horas o Governo, através do Ministro do Interior, mas certamente com conhecimento do Presidente do Conselho de Ministros, Marcelo Caetano, decide tomar uma medida inédita nos, até aí decorridos, 46 anos e meio de ditadura. A PSP de Lisboa, sob o comando do capitão Maltez, recebe ordens para cercar a Calçada Bento da Rocha Cabral, invadir a Capela e prender os manifestantes se estes decidissem resistir. A polícia prendeu e identificou, na Esquadra do Rato, 74 dos ocupantes que se encontravam naquele momento na Capela. Depois escolheu 14 dos “supostos organizadores” e levou-os para a prisão da PIDE/DGS em Caxias. A polícia política não conseguiu na altura identificar o grupo dos seis ocupantes que primeiro iniciou a vigília.
Esta foi a ação mais significativa da chamada oposição católica progressista ao Estado Novo que, apesar de muito minoritária, se foi mobilizando em crescendo contra o regime salazarista, desde 1958, quando o Bispo do Porto António Ferreira Gomes decidiu confrontar diretamente Salazar com algumas opções políticas, nomeadamente a falta de liberdade no regime. As ações dos católicos progressistas ganharam depois força nos anos sessenta, primeiro com a realização Concilio Vaticano II e depois com as posições do Papa Paulo VI que enfureceram o regime de Salazar. Primeiro a visita à Índia em 1964 e depois a audiência em julho de 1970, com os líderes dos movimentos de libertação das colónias portuguesas.
Mas a Vigília da Capela do Rato despoletou outra tensão bem mais problemática para o regime. Apesar da oposição católica se acentuado fortemente com a guerra colonial, o Estado Novo conseguiu até aí assegurar a fidelidade da hierarquia da igreja personalizada no Cardeal Cerejeira, um dos pilares do regime. No entanto, a ocupação da Capela do Rato originou um confronto de bastidores entre o novo Patriarca de Lisboa, António Ribeiro e o ministro do Interior, Gonçalves Rapazote. O Patriarca de Lisboa mandou os padres Armindo Garcia e António Janela celebrar as missas de Ano Novo, contrariando as ordens do ministro que mandou selar a Capela. No final da missa os dois padres foram presos e interrogados na sede da DGS em Lisboa. O padre Janela só foi solto na madrugada do dia 2 de janeiro depois do patriarca António Ribeiro se ter plantado em protesto à porta da sede da DGS na rua António Maria Cardoso.
A exoneração dos 12 funcionários públicos que participaram na Vigília, decidida em Conselho de Ministros por Marcelo Caetano, levou também à demissão, na Assembleia Nacional, de alguns dos mais representativos deputados da chamada ala liberal do marcelismo como Miller Guerra e Francisco Sá Carneiro.
O episódio da Capela do Rato não foi espetacular do ponto de vista da mobilização de massas, tal como foram, por exemplo, as crises académicas, mas demonstrou claramente, especialmente aos militares, que o regime não era reformável por dentro e que o seu grande pilar, a Igreja Católica deixara de ser um apoiante cego e fiel. Foi sobretudo a constatação deste isolamento que abriu verdadeiramente as portas ao Movimento dos Capitães que se iniciou poucos meses depois.
O episódio da Capela do Rato foi um gesto de liberdade e, portanto, um dos momentos essenciais a assinalar neste percurso de memória que são as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril.