Com curadoria de David Santos, a exposição reúne as imagens mais marcantes de 50 anos de trabalho do fotógrafo Alfredo Cunha.
Similares à matrioska, a fotografia e a sua prática continuada apresentam uma origem que desdobra em retrospetiva a vida de Alfredo Cunha até ao início do século XX, quando o seu avô assumiu o risco de exercer a fotografia como profissão. O gesto de similaridade familiar confirmou-se depois na opção renovada do seu pai pelos labores disciplinados do atelier de fotografia e, finalmente, na sua própria demanda pela aventura irresistível da reportagem, insistindo todos, desse modo existencial, na transmissão de uma sensibilidade e de uma cultura sobre a produção de imagens que sublinha, antes de mais, o valor consanguíneo de um património comum. Da fotografia comercial ao fotojornalismo, isto é, de avô a neto, um século inteiro completa o circulo imagético, entre o real e a sua reconfiguração, ou melhor, entre referentes controlados pela encenação dos seus efeitos e a surpresa desse instante que se impõe, sem pedir licença.
Qual matrioska, a vida de um fotógrafo faz-se de heranças, referências e aprendizagens, também de memórias difusas, sonhos, projetos, visões e realidades inesperadas, mas, sobretudo, de impulsos e decisões sobre o que dar a ver a quem observa uma fotografia. Da maior à mais pequena, ou o seu inverso, entre imagens reais e imaginadas, produzidas, selecionadas ou reenquadradas, a imagem final, porém, é aquela que sabemos maior do que a vida, na certeza de que permanecerá por muito mais tempo a dialogar ou a ativar sentidos junto de outros observadores, até se perder na longitude desse futuro que inspirou o momento, o instante do juízo transferido entre o olhar, o cérebro, e o clique que produz o clarão.
Ao recordarem o efeito das bonecas russas, as vidas (como as suas imagens) sucedem-se, de geração em geração, repetindo semelhanças asseguradas na diferença de cada uma, tal como uma fotografia abre para uma outra, projetando uma mise-en-abyme de aproximações e distanciamentos sem princípio nem fim, pois o jogo de espelhos sobre o real é circular e a sua suspensão não se fixa nunca aos nossos olhos. Face a uma fotografia, viajamos da nossa memória à verbalização do seu espectro ou efeito nas nossas vidas. Entre fotografias e outras imagens, vivemos o tempo e o espaço que nos coube, definindo as coordenadas de uma vida, entre o perfil que desejámos e a realidade finalmente revelada. No caso de Alfredo Cunha, a vida é feita de imagens realizadas, a realizar, e outras que ficaram para trás. Algumas transcendem a singularidade da decisão autoral e ganham um peso que é coletivo, identitário.