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Os livros que não podiam ser lidos

Coleção Biblioteca da Censura recorda obras proibidas e apreendidas durante a ditadura, “para que não se repita”.

«É a medo que

eu escrevo. A medo penso /

A medo sofro e empreendo e calo.

/ A medo peso os termos quando

falo. / A medo me renego, me

convenço.»

José Cutileiro, poema “Os Medos”


As edições A Bela e o Monstro e o jornal Público estão a disponibilizar mensalmente alguns dos livros que não podiam ser lidos durante a ditadura do Estado Novo.

Acusados de serem imorais, pornográficos, comunistas, irreligiosos, subversivos, anarquistas ou revolucionários, os livros agora editados são reproduções, em fac-símile, dos originais censurados guardados na Biblioteca Nacional de Portugal.

A coleção Biblioteca da Censura inclui 25 títulos, que vão saindo mensalmente, a cada dia 25, até ao 25 de Abril de 2024, numa tiragem aproximada de três mil exemplares por obra. Já saíram os livros Os dez dias que abalaram o mundo, de John Reed; Alma russa, de Joseph Conrad; Cerromaior, de Manuel da Fonseca; e Comunicação, de Natália Correia.

Vão seguir-se A condição humana, de André Malraux; Romances do mar, de Bernardo Santareno; Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes; São Jorge dos ilhéus, de Jorge Amado; Sete odes do canto comum, de Orlando da Costa; O sol nascerá um dia, de Alexandre Cabral; Famintos, de Carmen de Figueiredo; Orlando Gonçalves, Tormenta; Duas conferências em defesa da paz, de Maria Lamas e Teixeira de Pascoais; Sábado sem sol, de Romeu Correia; Estrada nova, de Papiniano Carlos; Amanhã quando romper o dia, de Barata Dias; Bloco: teatro, poesia, conto (Jaime Salazar Sampaio, José Cardoso Pires, Mário Ruivo, Ferro Rodrigues, Maria Natália Duarte Silva, Matilde Rosa Araújo, Luiz Pacheco); As moscas, de Jean-Paul Sartre; Encontro: antologia de autores modernos (Eugénio de Andrade, Federico García Lorca, José Fernandes Fafe, Luís Francisco Rebello, Miguel Torga); Maria Adelaide, de M. Teixeira Gomes; Anti-Christo, de Nietzche; À boca pequena, de Maia Alcoforado; O manuscrito na garrafa, de Daniel Filipe; Viagem(Checoslováquia – U.R.S.S.): Obra Póstuma, Graciliano Ramos; A próxima revolução, de Tolstoi.

“Restituímos agora ao público, num ato de ‘descensura’, os livros que a ditadura suprimiu da vida intelectual e cultural durante quase meio século”, assumem os organizadores.

Segundo o curador da coleção, Álvaro Seiça (um dos comissários da exposição sobre obras proibidas que está patente na Biblioteca Nacional até 3 de setembro), entre 1934 e 1974, a censura do Estado Novo produziu mais de dez mil relatórios de leitura aos livros de autores portugueses, lusófonos e estrangeiros (em edição original ou tradução), que circulavam em território nacional.

A seleção de “raros artefactos culturais” feita para a Biblioteca da Censura integra obras proibidas ou autorizadas com cortes, ou primeiro proibidas e depois autorizadas, “que contam várias histórias sobre o controlo e a regulação da vida literária e cultural em Portugal, durante grande parte do século XX”, destaca Álvaro Seiça.

“A par da propaganda, da repressão exercida pelo Estado através da polícia política, do clima de medo e autocensura, a atuação da Censura teve um impacto incomensurável, não só no desenvolvimento das mentalidades e na vida intelectual do país, na produção e receção literárias, no quotidiano e obra dos escritores, mas também no legado que deixou às gerações vindouras”, assinala o curador.

Em parceria com a Biblioteca Nacional, a coleção tem o apoio institucional da Comissão Comemorativa dos 50 Anos do 25 de Abril e material cedido pelo Arquivo Nacional da Torre do Tombo e pelo arquivo Ephemera.

A pretexto da coleção, a Antena 1 está também a produzir rubricas sobre cada uma das 25 obras selecionadas, comentadas por diferentes convidados .

#50anos25abril