Antes do 25 de Abril, numa pequena aldeia de Trás-os-Montes
Nascida em 1974, natural de Paris, França.
Farmacêutica.
Antes do 25 de Abril, numa pequena aldeia de Trás-os-Montes
Antes do 25 de Abril, numa pequena aldeia do concelho de Montalegre, em Trás-os-Montes, os meus pais viviam com o mínimo e ainda assim para eles poderia ser considerado o melhor para aquele tempo.
Falo mais da família da minha mãe, que conheci melhor, sendo o meu avô de uma família de agricultores um pouco mais abastada pois possuía alguns terrenos e algumas cabeças de gado. A minha avó, 22 anos mais nova que o meu avô, começou a sua vida adulta como servente na casa do “senhor” e mais tarde viria a ser mãe dos seus sete filhos e posteriormente sua esposa. Muitas bocas para alimentar, onde todos tinham de trabalhar, ajudar no campo, ajudar com os animais, na lida da casa e cuidar dos irmãos mais novos. Ainda assim, conseguiram estudar até à chamada 4ª classe que era o que os pais conseguiam proporcionar naquela altura. Os colchões eram de palha, onde dormiam dois ou três, não havia eletricidade nem água canalizada, ninguém sabia o que era uma televisão e muito menos um telefone. No entanto, ouço a minha mãe falar de crianças felizes que partilhavam um pedaço de pão e uma sardinha dividida em dois e que pulavam de alegria quando havia um bailarico e vestiam qualquer coisinha melhor e calçavam os sapatos de domingo. Passavam algumas horas na escola e depois ajudavam os meus avós nas sementeiras, nas colheitas, a cortar lenha para o inverno…. Enfim, tudo o que uma vida de agricultor acarretava à moda antiga.
Chegando à idade de 18, 19 anos era a altura de casar e lutar pela própria vida. Os meus pais, graças aos meus avós maternos que venderam peças de gado e alqueires de centeio para pagar ao “passador” foram “a salto”, em 1969, tentar a sorte noutro país. Atravessaram a pé a fronteira espanhola e depois foram apanhar um comboio até França, onde os aguardava a irmã mais velha do meu pai que já tinha emigrado mais cedo. Assim iniciaram uma nova etapa das suas vidas que se revelou mais difícil ao princípio porque tiveram que aprender a língua, foi o afastamento da família, a adaptação a uma nova cultura, a novas pessoas e o contacto com um trabalho que nunca tinham feito. Vou citar um exemplo de uma senhora para quem a minha mãe trabalhou e é um sinal de como os tempos e as pessoas mudaram: a “patroa” pediu à minha mãe para ir comprar uma revista, mas a minha mãe não soube onde se dirigir para fazer essa compra e regressou a casa sem a revista. A senhora, muito gentilmente, foi acompanhar a minha mãe ao quiosque para lhe dizer onde comprar a revista e já ficava a saber para a próxima vez. Hoje em dia, talvez não existisse essa simpatia… Esta primeira onda de emigração teve trabalhos mais difíceis, como nas obras, nas limpezas, mas foi o que lhes permitiu fazerem algumas poupanças para proporcionarem melhores vidas aos filhos e investirem no seu país onde construíram as suas casas para um dia mais tarde regressarem.
Assim aconteceu com os meus pais, que após 40 anos de vida de emigrantes, regressaram à sua aldeia onde vivem confortavelmente e cultivam a sua horta, graças ao esforço de uma vida de trabalho cá e lá fora. Tudo é um aprendizado.
Maio de 2023