Em África, algures numa ex-colónia portuguesa, na noite de 24 para 25 de Abril de 1974, encontram-se, inesperadamente, um africano e um caucasiano, ambos em fato militar. Estão no meio do capim. Divididos entre o medo do que o outro (supostamente o inimigo) lhe possa fazer e a imperiosa necessidade de cooperarem, até em defesa de algum ataque externo de feras, vão criando, sem perda de desconfiança e vigilância mútua, alguma empatia. O diálogo, às vezes quase em monólogo, entre ambos é escuro e um tanto indecifrável como a noite e o próprio capim cerrado em que se encontram. Mas repartem uma cerveja, um cigarro, falam de saudade das famílias, do medo das queimadas e do ataque das feras, das famílias, do medo da morte ou de ficar estropiado, da forma desordenada e, por vezes, gratuita como fauna e flora também vão sendo devastadas, de preconceitos morais e até de algum desconforto por estarem numa guerra entre “irmãos” ou, pelo menos, “primos”.
À medida que a noite avança e a perplexidade de cada um não saber o que o outro lhe vai fazer ao nascer do sol ou ele mesmo terá de fazer ao outro, acabam por se dar conta de uma situação um tanto paradoxal. O africano é um soldado que integra o exército colonial português, o caucasiano é um oficial de baixa patente (ou miliciano), cuja razão de ter penetrado no mato foi a de ir dar aviso aos guerrilheiros de uma operação que os Comandos (ou outra tropa de elite) preparavam. No meio desta estupefação, que passa a alimentar, na inversa, o medo um do outro, mas também a noção do absurdo da guerra, encontram um rádio que o caucasiano havia perdido.
Quando o ligam, dão-se conta do que está a passar-se em Lisboa. No entusiasmo mútuo, e por diferentes razões, abraçam-se, com tal intensidade que se torna difícil distinguir até onde vai. Beijam-se mesmo?
Ficha Técnica
Texto, Encenação e Espaço Cénico: Castro Guedes
Assistência de Encenação e co-cenografia: Sandra Salomé
Produção Executiva e co- cenografia: Teresa Fonseca e Costa
Com
ÓSCAR BRANCO no papel de KIZUA
FERNANDO ANDRÉ no papel de PEDRO
(Voz off, Comandante: Castro Guedes)
Música e banda sonora: Nuno Teixeira, Fuse (ex-Dealema)
Desenho de luz: Júlio Filipe.
Operação de Luz, Som e Vídeo: Francisco Alves.
Montagem de vídeo de Cena: André Delhaye e Serge Bochnakian
«Noite de Solidão no Capim» é um dos 45 projetos apoiados pelo programa «Arte pela Democracia», uma iniciativa da Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril em parceria com a Direção-Geral das Artes.
O Programa «Arte pela Democracia» promove projetos artísticos que se enquadrem nas Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril e que contribuam para a reflexão sobre a relevância deste acontecimento na construção da democracia.
É dirigido a projetos artísticos nas áreas das artes visuais (arquitetura, artes plásticas, design, fotografia e novos media); artes performativas (circo, dança, música, ópera e teatro); artes de rua; e cruzamento disciplinar.
A primeira edição, lançada em 2023, teve uma dotação orçamental de um milhão de euros. Selecionou um total de 45 projetos, que abrangem todo o país.