Já no Estado Novo, a partir de 1934, o Forte tornou-se uma prisão privativa da PIDE, com o nome de Depósito de Presos de Peniche, onde os detidos políticos eram vigiados por um corpo da Guarda Nacional Republicana (GNR).
No pós-guerra, em 1945, a prisão passou para a tutela da Direção-Geral dos Serviços Prisionais do Ministério da Justiça, mas a PIDE manteve-se sempre informada, e ainda mais após a criação de um posto desta polícia na vila de Peniche no ano de 1965.
Era no Forte de Peniche que os presos políticos cumpriam as penas de prisão maior sentenciadas pelos tribunais plenários e as medidas de segurança impostas pela polícia política.
Nos anos 1930 e 1940, as condições prisionais eram terríveis, abundando os ratos, as baratas, os percevejos, as pulgas e até galinhas, num ambiente de imundice generalizada. A assistência médica e a alimentação eram ambas deficientíssimas.
O preso Jaime Serra testemunhou que, até ao final da década de quarenta, na cadeia de Peniche havia uma certa indisciplina. A situação «mudou quando se alterou a composição da população prisional, com a chegada à Fortaleza de dezenas de trabalhadores rurais membros do Partido Comunista, vítimas de uma grande vaga repressiva no Alentejo nos anos de 1948-1949».
No Forte de Peniche, os presos eram constantemente castigados. As celas disciplinares – o redondo ou o segredo – situavam-se num canto do Forte, à beira da falésia, eram cubículos húmidos, frios e sem luz. Nelas havia apenas uma tarimba de cimento e muitas vezes os guardas não davam ao preso nem uma enxerga para a noite. Os castigos podiam ir até trinta dias de segredo e, enquanto duravam, os presos eram mantidos a pão e água.
Em cada pavilhão, os presos comiam num refeitório em conjunto, mas não podiam falar, nem distribuir pelos companheiros a comida que recebiam de casa.
No decorrer da década de cinquenta, após lutas e reclamações persistentes, que incluíram levantamentos de rancho e greves de fome coletivas, os presos conseguiram obter melhor comida e melhores condições prisionais. O tempo de recreio foi prolongado, o estudo coletivo foi autorizado e foi criada uma biblioteca administrada pelos próprios presos. Esta acabaria por ser encerrada quando foi batizada pelos presos de «Biblioteca Soeiro Pereira Gomes», nome de um dirigente do PCP falecido.
Apesar destas melhorias, uma das consequências das lutas dos anos 1950 foi o redobrar da vigilância dos carcereiros, particularmente após a fuga dos comunistas Jaime Serra e Francisco Miguel, em 1954. Este último foi recapturado e enviado, algemado, para o chamado «redondo».
Em meados dos anos 50, o regime ditatorial transformou a velha Fortaleza de Peniche numa prisão de alta segurança, com um regime prisional muito duro.
A visitas em comum terminaram e foi construído um parlatório, próximo da cozinha e da caserna 3, que separava visitantes de visitados através uma placa de vidro espesso encimado por uma rede. Os guardas estavam sempre presentes nos compartimentos do novo parlatório.
Iniciou-se ainda a construção de pavilhões de alta segurança com celas individuais e coletivas. O chão de madeira do «segredo» foi substituído por um de cimento.
Após a demolição de parte significativa dos antigos edifícios de casernas militares, foram construídos três blocos prisionais de alta segurança – A, B e C –, passando o conjunto a denominar-se Cadeia do Forte de Peniche.
Em 1956, foi inaugurado o primeiro dos três pavilhões, o Bloco C, com celas coletivas no 1.º piso, enfermaria no 2º piso e ala de alta Segurança no 3.º piso. Neste estavam encarcerados em celas individuais os presos considerados mais perigosos. Só após o chamado «período de observação», estes passavam a ter recreio e refeições em coletivo, embora fosse proibido conversar no decorrer das refeições.
Já o pavilhão A tinha dois pisos de salas coletivas.
O pavilhão B, o último a entrar em funcionamento em final de 1961, tinha também três pisos, com quatro celas individuais em cada um.
Cada pavilhão e cada piso estava completamente isolado dos restantes, de forma a impedir o contacto entre os presos.
Foram construídos dois pátios de recreio interiores.
As divisórias da frente das salas comuns eram feitas de barras de ferro, para que os presos ficassem permanentemente sob a vigilância dos carcereiros. Conforme constava de uma ordem de serviço de Peniche, os presos tinham de sentir o olhar vigilante dos guardas.
As portas de madeira envidraçadas dos corredores e no refeitório deram lugar a «grossos gradões de ferro com pesadas fechaduras».
Os detidos estavam fechados, durante 20 horas, em grupos de sete ou oito em celas individuais, cubos de cimento armado com uma janela gradeada numa extremidade e uma porta chapeada na outra. Dois guardas prisionais vigiavam-nos em permanência.
As celas individuais tinham cerca de sete passos de comprimento por três de largo, estando encostado à parede, de um lado, um bailique de ferro e a mesa, com a respetiva cadeira. Do outro lado, perto da janela, havia um lavatório, com uma pequena bilha de barro por baixo, pois embora houvesse torneira, não havia água corrente. Ao pé da porta, estava um balde para as pequenas necessidades.
Era proibido estar deitado entre «os quatro silvos de apito» da alvorada, às sete da manhã, e os três silvos de recolher, às nove da noite. Por isso, o preso lia a caminhar ou permanecia sentado na sua mesa.
Nesse novo sistema, as refeições decorriam em silêncio absoluto e havia pouco contacto entre os presos. Conforme contou Carlos Brito, embora se pudesse jogar xadrez desde que superiormente autorizado, não era permitido falar, salvo o estritamente necessário, por exemplo, «xeque-mate».
Após uma fuga coletiva de Peniche do 3.º piso do pavilhão C, em janeiro de 1960, protagonizada por, entre outros, o líder comunista Álvaro Cunhal, passou a haver em cada posto da guarda dois elementos, num total de 25 guardas. O chefe destes, Vítor Ramos, instruía os subordinados para que nunca cedessem aos pedidos dos presos, que careciam de autorização para qualquer movimento. Este regime severo foi apelidado de «regime dos possos», dado que os presos tinham de pedir autorização para tudo, até para ir à casa do banho.
Após a fuga de Álvaro Cunhal, os gira-discos foram retirados, a pretexto que tinham sido utilizados para ajudar na fuga, e as visitas passaram a realizar-se por turnos de duas horas cada, que podiam ser encurtados até uma hora.
Carlos Brito, que chegou a Peniche após a evasão coletiva, contou que à repressão da socialização coletiva se somava a repressão cultural. Os «romances praticamente não entravam» e reinava a lei de «que tudo o que não estava expressamente autorizado era proibido». A partir de 1960, foi interdita a entrada dos jornais República, Século Ilustrado e O Debate e da revista Seara Nova. Os restantes periódicos eram sujeitos à censura prévia na própria cadeia. Títulos com a encíclica De Rerum Novarum, A República de Platão e até o catálogo da editora Ulisseia, que foi tido por um romance de ficção, não estavam autorizados.
Na «ofensiva contra a vida coletiva», foi também proibido aos reclusos o estudo em comum. Carlos Costa, companheiro de fuga de Cunhal, pôde receber as obras de Shakespeare, mas na condição de não as emprestar a companheiros.
A cadeia de alta segurança de Peniche, com capacidade para 159 presos, entrou em pleno funcionamento em 1962.
Em dezembro de 1963, o diretor do Forte de Peniche, Encarnação Falcão, suprimiu as visitas, aumentou as restrições da correspondência, reduziu os recreios e piorou o regime alimentar. Os presos iniciaram então novas formas de luta e, numa ocasião, ao fim de sessenta dias sem visitas, recusaram o almoço. Como punição foi abolido o recreio e estabelecida uma rigorosa incomunicabilidade. Reiniciaram-se protestos, com gritos ruidosos dos reclusos ouvidos na vila de Peniche, acompanhados por manifestações de dezenas de familiares junto às muralhas. A brutalidade da reação repressiva incluiu espancamentos e a prisão de seis mulheres de detidos.
Com o aumento da população prisional e as lutas dos presos de 1963 e 1964, a situação melhorou. Reabriu a biblioteca prisional e foi permitida a entrada de uma pequena biblioteca itinerante da Gulbenkian, bem como dos jornais O Século e o Diário de Notícias. No entanto, submetidos à censura interna, os jornais eram facultados aos presos com grandes buracos ou «falsas janelas». As refeições passaram a ser compostas de peixe e carne fresca e a dádiva de fruta aos companheiros passou a ser permitida. Os prisioneiros começaram a poder conversar em grupo e praticar jogos variados, incluindo o voleibol com bola de borracha. Foi autorizada a entrada de um aparelho de rádio e, no refeitório ou na sala de convívio do Pavilhão B, com horário determinado para todos os presos do mesmo piso, podia-se conversar, jogar xadrez e damas.
No entanto, a já referida abertura da delegação da PIDE em Peniche, em abril de 1965, acentuou a vigilância no Forte, sobre os familiares dos presos e a população da vila. Em 1966, correu um abaixo-assinado entre os meios da oposição para ser entregue ao ministro da Justiça, a pedir um inquérito às condições de vida em Peniche, a «única prisão do país onde os advogados» não se podiam encontrar com os seus representados sem a presença do guarda. O documento referia ainda a existência de um «sistema duro de penas aplicadas arbitrariamente», restrições inexplicáveis no recreio e um ambiente de tensão e agressividade, criado pelo chefe dos guardas Vítor Ramos e o diretor capitão Falcão.
Em 1968, foi construído um novo Parlatório, mas as visitas continuaram a poder ser interrompidas pelos guardas sob qualquer pretexto. No final da década, a situação melhorou substancialmente, nomeadamente, devido à luta dos presos de extrema-esquerda e anticoloniais, centrada no 2.º piso do Pavilhão B, com greves da fome violentamente reprimidas, com entubamentos e espancamentos dos grevistas.
A partir do início dos anos 1970, as reivindicações dos presos passaram a ser cada vez mais bem-sucedida. Os presos começaram a emitir circulares que chegavam clandestinamente a todas as celas. Foi colocado, na sala de convívio, um televisor. A partir de 1973, havia aparelhos de rádio ligados à Rádio Renascença. À melhoria do regime prisional não foi alheia uma maior autonomização da Cadeia de Peniche relativamente à DGS.
O regime passou a ser de cela aberta, das 7 horas da manhã às 9 da noite, a alimentação melhorou e, em dia de anos, os detidos do piso chegaram a poder confraternizar no refeitório até noite dentro. As visitas passaram a ser em comum, fora do parlatório, com as mulheres e filhos menores.
Finalmente, já no início do ano de 1974, foi conquistado o direito de reunir com o diretor na presença do secretário da cadeia. Para resolver problemas prisionais, todos os presos de cada piso de um pavilhão podiam participar nestes encontros.