A Guiné, primeira etapa do processo de negociações, apresentava várias especificidades:
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Exigência do reconhecimento de um Estado soberano, o que ultrapassava as formulações elaboradas pelo MFA e por outros responsáveis políticos;
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Situação militar desfavorável para Portugal, admitindo-se a possibilidade de uma derrota;
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MFA, desde a sua origem, forte e bem estruturado;
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Spínola empenhara-se ali num projeto pessoal enquanto governador, que tentou continuar depois do 25 de Abril;
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Ligação natural ao problema de Cabo Verde pelo facto de o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), único interlocutor com legitimidade revolucionária inquestionável, ser um partido comum aos dois territórios.
Carlos Fabião é designado delegado da Junta de Salvação Nacional (JSN) para a Guiné e chega a Bissau em 7 de maio. Homem do MFA desde a primeira hora, era porventura o militar português com maior experiência da Guiné e tinha a confiança de Spínola. Era a escolha exata.
Desde os seus primeiros contactos, Fabião compreendeu a nova realidade guineense e como eram utópicas as diretivas de Spínola de dar continuidade ao seu projeto político. A situação social começou a acusar alguma instabilidade e enquanto as forças armadas portuguesas se remeteram a uma estratégia defensiva de vigilância das fronteiras e segurança das populações sob o seu controlo, o PAIGC intensificou a luta armada por considerar insuficientes as posições da JSN.
Surgiram vários agrupamentos políticos que pretendiam ter voz ativa nas negociações que se desenhavam.
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Alguns já em 1961-1962 haviam participado episodicamente em ações armadas, como o Movimento de Libertação da Guiné (MLG), ou apenas numa pouco empenhada atividade política, como a Frente para a Libertação e Independência Nacional da Guiné (FLING).
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Outros, também anteriores ao 25 de Abril e que tinham sido tolerados pelo sistema colonial, defendiam formas de ligação a Portugal, como o Movimento Democrático da Guiné (MDG) e a Liga Popular dos Guinéus (LPG).
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Outros ainda, como a Comissão de Juventude para a Unidade e Progresso dos Povos (CJUPP), a União Democrática da Guiné (UDG), a Frente Unida para a Liberdade (FUL), tiveram reduzida expressão.
O PAIGC fez saber que não aceitava partilhar as negociações com estes grupos, dado que era o único interlocutor legitimado pela luta armada de libertação e internacionalmente reconhecido.
Fora o PAIGC que, em 24 de setembro de 1973, em Madina do Boé, declarara unilateralmente a independência da Guiné-Bissau, reconhecida por mais de 80 Estados e saudada na Assembleia Geral da ONU, em resolução aprovada por larga maioria (2-11-1974).
Desde novembro de 1972 que o PAIGC obtivera o estatuto de observador na ONU e de único e autêntico representante do povo da Guiné e Cabo Verde, após uma missão especial ter visitado a Guiné e constatado a existência de zonas libertadas. Em junho de 1974, todos os membros da OUA reconheciam o PAIGC como único representante do povo da Guiné-Bissau.
Em maio de 1974, dá-se, em Dacar, no Senegal, o primeiro encontro do ministro dos Negócios Estrangeiros português, Mário Soares, com o secretário-geral do PAIGC, Aristides Pereira.
«Mário Soares em Dakar conferência com o PAIGC», Diário de Lisboa, 17 de maio de 1974.
A 25 desse mês iniciam-se em Londres negociações entre duas delegações, num clima de geral otimismo, dado o gesto conciliador do PAIGC, que interrompe todas as operações militares. Desse encontro resulta a presença de um delegado do PAIGC em Bissau, junto do responsável português, e uma ligação rádio entre o governo de Bissau e a direção do PAIGC em Conacri. Dificuldades centradas em torno do reconhecimento da independência da Guiné e da extensão desse direito a Cabo Verde fazem fracassar esta primeira ronda negocial.
As negociações recomeçariam em Argel, em 13 de junho, mas saldam-se em novo fracasso.
Durante este impasse intensificaram-se dois tipos de pressões sobre a parte portuguesa, quer por parte de alguns dos militares da Guiné quer por parte de organizações internacionais como a ONU.
Vão-se registando também contactos entre militares portugueses e guerrilheiros nas zonas operacionais. Nessa sequência, por iniciativa do PAIGC – e obtida a concordância de Spínola –, uma delegação portuguesa chefiada pelo próprio Carlos Fabião e uma delegação do PAIGC chefiada por José Araújo, seu dirigente destacado, tiveram encontros nas matas do Cantanhez, de que resultou a cessação das hostilidades em todo o território.
As negociações recomeçaram em Argel, no final de agosto, continuando a delegação portuguesa a ser liderada pelos ministros dos Negócios Estrangeiros e da Coordenação Interterritorial, Mário Soares e Almeida Santos.
O acordo foi assinado em 26 de agosto de 1974 e ratificado pelo Presidente português em 29.
Relato da 3.ª sessão de conversações das Delegações do Governo Português e do PAIGC, na mata de Cantanhez, 18 de agosto de 1974. Fonte: FMSMB, DAC
Manuel dos Santos entre militares portugueses e combatentes do PAIGC, durante o cessar-fogo na Guiné-Bissau. Fonte: FMSMB, DAC
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Reconhecimento, de jure, da República da Guiné-Bissau;
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Estabelecimento do cessar-fogo, já observado de facto desde finais de maio;
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Reafirmação do direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência.
Um anexo para as forças armadas portuguesas regulava a retração do dispositivo, os modos de exercício da soberania e a atividade militar nas zonas de reagrupamento, a constituição de uma comissão mista e as formas de desarmamento e o pagamento aos ex-militares guineenses. Estipulava ainda que a saída das forças armadas portuguesas estaria completada em 31 de outubro de 1974.
Tomada de posse do I Governo da República da Guiné-Bissau. João Bernardo (Nino) Vieira , Umaru Djaló, Constantino Teixeira, Carlos Correia, Paulo Correia, Vitor Saúde Maria, Filinto Vaz Martins, João da Costa e Fidelis Cabral d'Almada, Bissau, 1974. Fonte: FMSMB, DAC
Almeida Santos, Mários Soares, Vítor Saúde Maria, Arafam Mané e Pedro Pires durante a cerimónia de reconhecimento da independência da Guiné-Bissau por Portugal, Lisboa, 20 de setembro de 1974.