Guerra colonial
Existe um amplo consenso quanto ao facto de o detonador do 25 de Abril ter sido a guerra colonial, iniciada em Angola, em 1961, e que rapidamente se estendeu a novas frentes (Guiné, 1963; Moçambique, 1964), sem solução militar à vista.
Contribuindo determinantemente para a radicalização das oposições e da contestação social ao Estado Novo, a guerra teve um efeito mortal sobre as Forças Armadas, um dos pilares centrais do regime. Foi em resposta a nova legislação que visava suprir a falta de oficiais na frente de combate em África que, em setembro de 1973, se constitui o Movimento dos Capitães/Movimento das Forças Armadas.
A fase conspirativa foi relativamente breve, dando lugar um rápido processo de politização do Movimento. Os sinais de que o fim do regime estava iminente, perante a sua intransigência em manter o esforço de guerra, adensaram-se a partir de inícios de 1974, contando-se entre eles a publicação de Portugal e o Futuro (22 de fevereiro), a cerimónia da «brigada do reumático» (14 de março), a demissão dos generais Costa Gomes e António de Spínola da chefia do Estado-Maior General das Forças Armadas (15 de março) e a saída em falso do Regimento de Infantaria n.º 5, das Caldas da Rainha (16 de março).
Impacto internacional
O impacto da intervenção dos capitães rapidamente transcendeu as fronteiras nacionais, num mundo dividido pela Guerra Fria e abalado pela recente crise petrolífera. Os que se apressaram a estabelecer um paralelo entre estes acontecimentos e os que, um ano antes, tinham ocorrido no Chile (“golpe Pinochet”), rapidamente se desenganam.
Negando todos os modelos mais comuns de intervenção dos militares nos processos de mudança política, o golpe foi levado a cabo pela oficialidade intermédia (capitães e oficiais subalternos), à margem da hierarquia das Forças Armadas, e sem a interferência de partidos ou movimentos políticos.
Além do mais, os Capitães de Abril apresentaram um programa de democratização em que, para além da restauração das liberdades fundamentais, se determinava a constituição de um governo civil e a realização de eleições livres.
Do mesmo modo, imprevisivelmente, depois de mais de uma década a lutar nas frentes de África, iniciaram um processo de descolonização que se traduziu, a breve trecho, na concessão da independência aos antigos povos coloniais. Esta situação singular apanhou desprevenida a comunidade académica, mas também as elites dirigentes mundiais, a braços com a difícil tarefa de integrar o caso português na grelha de análise estabelecida.
Duas
interpretações
Os estudos sobre o 25 de Abril de 1974 têm oscilado entre duas linhas interpretativas opostas. Por um lado, os que destacam o seu pioneirismo, apresentando-o como um acontecimento precursor da terceira vaga de transições para a democracia. Por outro lado, os que salientam o seu “atraso”, filiando-o em movimentos revolucionários do passado. Adotando a expressão cunhada por S. Huntington, a primeira linha apresenta o 25 de Abril como inaugurador da vaga de democratizações do último terço do século XX. Antecipando o fim da ditadura militar grega em três meses, a transição pactuada de Adolfo Suárez em Espanha em dois anos e as transições na América do Sul e na Europa de Leste em uma e duas décadas, respetivamente, a experiência portuguesa abriu novos ângulos de análise sobre a mudança política e, muito particularmente, sobre os processos de democratização.
Estas e outras realidades levam alguns autores a questionar a ideia de que Portugal foi precursor da terceira vaga de transições para a democracia, salientando, ao invés, o seu atraso. Filiando o 25 de Abril nas transformações inauguradas com a derrota militar dos regimes autoritários conservadores no decurso da II Guerra Mundial, apresentam o 25 de Abril como um 1945 renovado com ingredientes do Maio de 1968, datas perdidas em Portugal nas suas edições originais. Assim, mais do que um movimento pioneiro, o 25 de Abril deveria ser apresentado como o último exemplo de uma série de descolonizações dos impérios coloniais e de transição falhada para o socialismo.
Visto de fora
A originalidade da transição portuguesa foi, de imediato, assinalada pela imprensa internacional. A 6 de maio de 1974, a Newsweek chama a atenção para o facto de os portugueses sempre terem revelado uma “maneira muito sua” de fazer “as coisas”, utilizando como exemplo o facto de “mesmo aquele sangrento espetáculo ibérico, a tourada”, adquirir em Portugal “uma característica especial, cavalheiresca, pois o touro nunca é morto”.
Todos os que, desde fora, observaram a evolução política portuguesa em 1974-1975 são unânimes em assinalar a sua excecionalidade. O jornalista do Le Monde Dominique Pouchin refere-se-lhe como o “último teatro leninista”, uma “Cuba na Europa do Sul”. As viagens de turismo cultural organizadas pela agência Nouvelles Frontières deixam patentes que, para os jovens europeus acabados de sair da experiência do Maio de 68, esta era a possibilidade de observar in loco o que apenas conheciam dos manuais. Portugal era um laboratório de análise política e social, onde decorria a última revolução de esquerda da Europa.
Os acontecimentos da Revolução
Os 19 meses de revolução são pródigos em acontecimentos: três tentativas frustradas de ‘golpe’ de Estado; seis governos provisórios; dois Presidentes da República; a intervenção dos militares na política; as alianças que os seus diversos setores estabelecem com diferentes grupos políticos e movimentos sociais; a ação dos partidos e movimentos políticos; as nacionalizações e o desencadeamento da reforma agrária; as experiências de controlo operário e autogestão; a multiplicação das iniciativas populares; os casos República e Renascença e toda a turbulência que percorre o campo dos media; a desconfiança das potências ocidentais de que Portugal se transformasse num cavalo de Tróia da NATO; o debate sobre a essência do socialismo português, permitindo a coexistência de experiências e conceções radicais com projetos políticos mais tradicionais que apontavam para a instauração de uma democracia parlamentar de tipo ocidental ou, então, para um modelo estatizante, inspirado na experiência soviética; o peso esmagador da política que inunda as ruas, os quartéis, as fábricas, os campos.
Todas as possibilidades estavam em aberto, sendo que, no final, esta foi “a Revolução possível e lúcida” (Eduardo Lourenço).