Os portugueses e os espanhóis que construíram e protagonizaram a mudança democrática eram muito diferentes daqueles a quem, 40 anos antes, a ditadura salazarista fora imposta ou que sobreviveram aos anos terríveis da guerra e da pós-guerra espanhola. A economia mudara de forma estrutural mas num contexto de pobreza, de falta de expectativas dos jovens trabalhadores e estudantes sujeitos às regras apertadas do autoritarismo, ou à guerra que, no caso português, os arrastava para África. Tudo isto fez com que, desde o final dos anos 50, milhões de mulheres e homens deixassem o campo e as aldeias do interior e tentassem mudar de vida quer nas grandes cidades portuguesas e espanholas, quer em França e na Alemanha.
A conquista da democracia, além de se fazer no campo político e social (pelo direito de associação sindical e de greve, pelo direito a uma habitação digna), fez-se também de forma muito marcada em torno de batalhas (nos anos 70 mais intensas em Espanha que em Portugal) que duravam havia muito tempo: contra a censura e a repressão cultural e sexual, pelos direitos cívicos, políticos e reprodutivos das mulheres (divórcio, contraceção, o aborto) e das minorias LGBTI+.
Nota do autor da foto: “As malas são um dos elementos da nossa vida através dos quais vemos como o tempo passa, mas as caixas de cartão atadas com corda são outra coisa. Foi fascinante ver como as pessoas conseguiam sair dos comboios naquela época com galinhas, sacos de comida… e caixas de cartão.”
Fonte: CDMH, FOTOGRAFÍAS_ENRIQUE_CANO,1,24 (fotografia de Enrique Cano)
Manifestação no Porto, em outubro de 1975, em defesa do Serviço de Apoio Ambulatório Local (SAAL), um programa público de construção habitacional surgido após a Revolução, que propunha colmatar as necessidades habitacionais de populações desfavorecidas no espaço urbano. O SAAL foi extinto em outubro de 1976.
A 31 de outubro de 1975, o Conselho da Revolução aprova um documento sobre “O reconhecimento do direito ao controlo organizado da produção pelos trabalhadores em todos os ramos da actividade da economia nacional”. O princípio do controlo operário foi inscrito na Constituição aprovada em 1976.
A movida representou uma rutura com a cultura autoritária do franquismo. Para o autor da fotografia, “a mistura cultural [da «movida»] era divertida e curiosa, mas como tudo o que é diferente, não se misturava. Havia os credenciados, como os donos de La Movida, e depois havia o resto”.
Comício da Associação da Mulher em defesa do direito ao divórcio (Madrid, 19 de maio de 1977). Reivindicado pelos movimentos feministas e pelos partidos de esquerda, foi rejeitada a sua inclusão na Constituição, mas acabou por ser aprovado pelo Parlamento em 1981.
Manifestação de movimentos feministas e centrais sindicais em defesa da consagração dos direitos reprodutivos e da mulher em geral na Constituição (Madrid, 4 de maio de 1978). A direita conseguiu opor-se com sucesso a que direitos reprodutivos e divórcio fossem constitucionalizados.