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A chamada às 07h30 

Luís Filipe Sabino

Como a mais adiante se verá, e ora repito, nasci em Elvas, em 30 de Setembro de 1945. Segundo o jornal local, a minha mãe deu à luz “uma robusta criança do sexo masculino”: eu estava presente no momento, mas não me lembro se tal elemento da “robusta criança” corresponde à verdade. Mas, aceite-se. Ali vivemos uns tempos até que o meu pai decidiu levar a família para Tânger, em busca de melhor vida; talvez se tenha equivocado, porque creio que 2 anos depois estávamos de regresso a Portugal, com os meus 6 anos. De Lisboa, onde estivemos uns tempos, regressámos a Elvas, e ali fiquei e estudei, até ir para a Faculdade de Direito em Lisboa, onde me licenciei em Outubro de 1971. Entretanto, por negligência minha, estive um mês e meio detido na PIDE: libertaram-me a tempo de concluir o dito curso de Direito. Era gente muito simpática, como se sabe. Nunca mais os esqueço! Entre 1971 e 1973 exerci advocacia, exercício interrompido pela integração nas fileiras, com o percurso que se pode apreciar a seguir. A partir de 1983, vivi e trabalhei em Bruxelas/Luxemburgo na então CEE e depois UE.Nunca pratiquei um acto heróico, na vida civil ou no trajecto militar: deixei isso para os outros, dada a multidão de interessados. O que se pode ler infra completa o meu itinerário por esta vida. Já que me perguntam os meus hobbies, aqui vai apenas uma amostra: leituras, viagens, futebol (entusiasta), cinema, séries crime, caminhadas com o Bob, rafeiro de baixa estatura, e meu melhor amigo. E acrescento o hobby do crepúsculo angolano.


A chamada às 07h30 

Na “Carta de Identificação Militar” supraconsta, erradamente, um apelido “Ferreira” quando devia ser “Pereira”.

Em Elvas nascido, em 1945. Findos os estudos secundários naquela cidade, fui -como muitos provincianos e após ter ido às sortes – para a Universidade de Lisboa, onde me licenciei em Direito, em 1971. Em Lisboa conheci a M., bonita e luminosa. Os tempos no país eram obscuros. De seguida, exerci os primórdios da advocacia em Lisboa e, em Julho de 1973, entrei na Escola Prática de Infantaria (EPI), em Mafra, para o início da vida castrense, onde me atribuíram, entre outras, uma companheira permanente de nome G3 e filhos 7.62. Em Outubro de 1973, deveria seguir para a especialidade de Administração Militar (a minha formação académica apontava para isso)… mas, por informação desfavorável da PIDE, uma central terrorista, fui recambiado para a especialidade de Cavalaria (viaturas AML/VBL, i.e., autometralhadoras ligeiras Panhard AML e veículos Chaimite), em Santarém, na Escola Prática de Cavalaria (EPC). Após as praxes de “admissão” que implicaram, (i.a.), saltar obstáculos no picadeiro, à noite, com um colega/camarada às costas, apresentarem-me um prato à refeição com ração para equinos… ali permaneci até fim de Dezembro de 1973. O quotidiano ali, na EPC, era rigoroso, levado ao pormenor, mas não excessivo. Extenso uso de viaturas blindadas e de armas. Dizia-se que a Cavalaria não era melhor nem pior: era diferente! Foi uma útil experiência.Em Janeiro de 1974, fui colocado no Regimento de Cavalaria 7, com quartel na Ajuda, Lisboa, e aí estava no 25 de Abril de 1974. E vi ali féretros provenientes das colónias, aguardando destino final. Comandavam então esse Regimento o coronel Romeiras Júnior e o tenente-coronel Ferrand de Almeida, militares que sempre me trataram correctamente, com lisura, sem embargo da minha situação de PS (“politicamente suspeito”) que me estava agregada. Eu tinha por eles semelhante respeito, para além do dever hierárquico. 

Pelas 07h30 da manhã de 25 telefonou para a minha residência um praça do RC 7:”Meu aspirante, o nosso comandante ordenou que viesse já para aqui”. 

E lá fui, de motociclo, ignorante então do que se passava. 

Cheguei tarde à revolução. Já tinham saído os blindados M47 para o Terreiro do Paço, com alguns oficiais superiores. Quedei-me na Unidade com outros camaradas oficiais aguardando ordens. O tempo passou e a revolução ganhava terreno como se conseguia ir ouvindo nos transistors. Mas a coisa não estava muito segura. 

Mais lá para o fim da manhã de 25, um oficial (creio que foi o tenente-coronel Ferrand de Almeida, mas não estou certo) mandou-me, a mim e a outros oficiais, reunir na messe de oficiais e, perante uma solenidade própria do momento e a seriedade adequada, perguntou a cada um, individualmente, se estávamos do lado do Regime ou do Movimento. Começou por mim. Que estava do lado do Movimento, redargui. E assim por diante.  

Não podendo contar connosco – isto é com os oficiais presentes no RC7 e com a remanescente capacidade de fogo da Unidade em material e pessoal- o tenente-coronel Ferrand de Almeida foi-se entregar aos revoltosos (se a minha memória me não engana). Fiquei do lado do Bem. O Mal, entretanto, sucumbia. 

Foram estes os meus primeiros momentos ao vivo no 25 de Abril. 

Subsequentemente, tive umas missões sem relevo para o efeito e que, por isso, não merecem menção especial, mas onde encontrei militares de mérito e uns civis de tal privados. 

Com o posto de alferes miliciano de Cavalaria passei à disponibilidade em 31 de Outubro de 1975, então no Regimento de Lanceiros 2 (Polícia Militar). 

A G3 e os 7.62 e as Chaimites passaram para o pretérito, cada vez mais remoto.  

Acto contínuo, já na vida paisana,e durante um certo tempo, exerci a advocacia, de que guardo boas e más memórias, como as ondas da Nazaré, que ora são boas, ora más. 

Anos depois, na sequência do 25 de Abril que tal proporcionou e que, afortunadamente, mudou a minha vida, dos meus e do país, fui trabalhar para a União Europeia, em Bruxelas e no Luxemburgo, onde estive 25 anos. 

Os factos relatados são História? Não creio. Mas são certamente história. A pequena história. A minha história. 

É este o brevíssimo trajecto da minha vida….agora ainda com a bonita e luminosa retromencionada M. e descendência, de que têm feito parte diversos canídeos, sem os quais o quotidiano carece de sentido. 

Porta de Armas da Escola Prática de Infantaria (Mafra) (extinta) 

Porta de Armas da Escola Prática de Cavalaria (Santarém) (extinta)

Escudo heráldico do Regimento de Cavalaria 7

Porta de Armas do Regimento de Cavalaria 7 (extinto em 1975) 

#50anos25abril