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De acordo com a antropóloga Sónia Vespeira de Almeida, as Campanhas de Dinamização Cultural conheceram duas fases distintas: de 25 de outubro de 1974 a 14 de julho de 1975 e de 15 de julho a 26 de novembro de 1975.

No primeiro período, as Campanhas basearam-se no «Programa de Dinamização Cultural», tendo por base o Programa do MFA.

No segundo período, o documento orientador passou a ser o texto «Ação Cívica: Passar das Palavras aos Atos», enquanto o «Plano de Ação Política» e a «Proposta de Aliança MFA-Partido» adquiriram uma relevância particular.

Na primeira fase, a atuação foi de caráter itinerante e ter-se-á verificado uma maior ênfase no processo de descentralização cultural. No segundo momento, a atuação revestiu-se de um carácter mais permanente e a politização das populações tornou-se prioritária (ao que não será alheio os acontecimentos do 11 de Março).

Nesta segunda fase, é possível identificar ainda um período em que a estrutura organizativa das Campanhas se complexifica, numa tentativa de dar respostas efetivas às carências das populações e de se constituir enquanto elemento de ligação entre o povo e burocracia estatal. Mesmo se a intenção fosse a de tornear a pesada – e paralisada – máquina do Estado, a institucionalização das Campanhas acabou por resultar, para alguns, numa tentativa de criar um poder paralelo ao do Estado.

 

A primeira Campanha de Dinamização Cultural de carácter itinerante ocorreu na Guarda, considerado o distrito menos esclarecido politicamente. A operação foi realizada por cerca de 200 alunos da Escola Prática de Administração Militar (EPAM), que substituiu os tradicionais acampamento e exercícios militares pela participação na Campanha. Os alunos, acompanhados por cinco equipas médicas sanitárias e enfermeiros da Marinha, foram organizados em quatro brigadas (Guarda, Sabugal, Trancoso, Pinhel, Gouveia), cada uma delas chefiada por um capitão. 

Segundo dados de Sónia Vespeira de Almeida, durante a Campanha foram promovidas cerca de 70 sessões de esclarecimento (uma delas com a assistência de aproximadamente 7 mil pessoas), nas quais se apelou ao recenseamento e prestou esclarecimentos quanto ao processo eleitoral que antecedeu as eleições para a Assembleia Constituinte.  

Os militares também realizaram ou promoveram obras de melhoria de estradas e pontes, saneamento básico, eletrificação e construção de casas para «os desalojados do Ultramar». Em Trancoso, por exemplo, a companhia de teatro Comuna encenou ainda a peça Ceia II, criação coletiva com textos de Brecht, Gil Vicente, Antero de Quental, Bíblia, Corão, Vinícius de Morais e Mário Dionísio. 

Esta campanha, desenvolvida no interior nordeste do país, inclui as regiões de Bragança, Vila Real, Lamego e Viseu, mobilizando inúmeros recursos, desde chaimites a aviões e helicóptero. Foi protagonizada por 400 alunos do Curso do Batalhão de Comandos n.º 11, chefiado pelo então major Jaime Neves. Os estudantes realizavam ações de dinamização cultural como complemento aos exercícios de instrução e aperfeiçoamento.

Esta Campanha contou com a participação de técnicos da Secretaria de Estado da Agricultura e do Instituto do Vinho do Porto, que prestaram esclarecimentos sobre associativismo e cooperativismo agrícola. Participaram também as companhias de teatro Comuna e La Cuadra (grupo oriundo de Sevilha que aderiu ao projeto a convite da primeira), sendo que as apresentações em cena foram seguidas de debates.

Ao todo, foram realizadas 240 sessões de esclarecimento, sendo que os militares chegaram a conclusões importantes com esta operação, como a desadequação da linguagem utilizada ou a falta de preparação intelectual dos militares, que dificultaram o contacto com a população despolitizada que encontraram.

 

 

 

A equipa da «Operação Castelo Branco» integrou não apenas militares, mas também engenheiros agrónomos, economistas e veterinários, sendo que teve elementos de continuidade com as anteriores. 

Na área cultural, participaram as companhias de teatro La Cuadra, Os Bonecreiros e o Teatro Português de Paris, bem como o grupo musical militar Alerta Está, dirigido pelo maestro Sílvio Pleno.  

Desta Operação, é de assinalar não só crescente preocupação dos militares com as carências das populações, como os confrontos com a Igreja Católica local. 

 

Esta operação enviou para o terreno, no Alto Minho, elementos do Regimento de Caçadores Paraquedistas, da Base Aérea N.º 3, da Direção de Saúde da Força Aérea e ainda dois capelães. Para dar resposta às interpelações das populações sobre questões agrícolas, foram também integrados na equipa engenheiros e regentes agrícolas.  

Durante a operação foram realizadas 70 sessões de esclarecimento, às quais se juntaram as atuações de um grupo de palhaços, da Banda da Força Aérea, do conjunto «Boinas Verdes» e do rancho regional de Merufe. Foram realizadas sessões de cinema e a companhia de teatro Comuna apresentou a peça Era Uma Vez, com texto de Alfredo Nery Paiva.  

 

 

A «Operação Atlântida» teve lugar nos Açores, tendo sido precedida por uma viagem preparatória em novembro de 1974. A operação foi protagonizada por três oficiais, elementos da tripulação da Fragata Almirante Magalhães Corrêa, um membro da Direção-Geral da Cultura Popular e Espetáculos, veterinários e um médico militar, sendo ainda acompanhada por quatro elementos da Comissão Ministerial para a Animação Sociocultural. Ao todo, eram 81 pessoas, as quais realizaram 80 sessões de esclarecimento. 

Estava prevista a atuação d’Os Bonecreiros, do Teatro Português de Paris, do grupo «As Marionetes de S. Lourenço e o Diabo», de uma dupla de palhaços, do Grupo Cultural da Fragata Almirante Magalhães Corrêa e da orquestra militar «Alerta Está». A Campanha foi interrompida pelos acontecimentos do 11 de Março de 1975. 

 

 

A operação «Beira Alta» decorreu após um balanço das campanhas anteriores, nas quais se terão identificado alguns problemas, nomeadamente as dificuldades no contacto com as comunidades, quer pela falta de preparação dos militares, quer pela natureza episódica das campanhas anteriores, mas também pela incapacidade de garantir intervenções mais profundas, indo de encontro às necessidades das populações. 

Esta operação marca, então, uma nova fase das Campanhas de Dinamização Cultural, contando com a participação de 12 equipas incluindo elementos do Regimento de Infantaria n.º 14, da Guarda Nacional Republicana (GNR) e da Polícia de Segurança Pública (PSP). Para além destes, as equipas incluíram agrónomos, engenheiros, técnicos de saúde e de veterinárias, envolvidos no apoio às populações. 

A campanha organizou-se em duas fases. Num primeiro momento (entre 18 de março e 3 de abril de 1975), o foco foi essencialmente na saúde das populações (integrando brigadas médicas compostas por um médico e um enfermeiro), no levantamento das necessidades locais e na sensibilização política das populações, coincidindo com o período de preparação das eleições para a Assembleia Constituinte. 

Numa segunda fase (entre 5 de abril e outubro/novembro de 1975), o enfoque dos trabalhos incluiu também iniciativas de âmbito cultural, sendo a mais destacada a pintura de um mural coletivo no edifício da Caixa Geral de Depósitos de Viseu, envolvendo os artistas plásticos Marcelino Vespeira, Maria Gabriel, Eurico Gonçalves, Fernando Cruz e Espiga Pinto e  os professores da Escola Superior de Belas Artes do Porto (ESBAP) Armando Alves, Alberto Carneiro, Ângelo de Sousa, José Rodrigues, Jorge Pinheiro. Nos espaços mais rurais, a operação deu prioridade aos concelhos mais carenciados, onde o programa político do MFA colhia menos aceitação: Castro Daire, Vila Nova de Paiva, Sernancelhe, Penedono e São Pedro do Sul.

As atividades desta campanha foram profundamente marcadas pela conflitualidade com os líderes de caciques locais e da Igreja Católica. 

 

Esta operação marcou o regresso a Trás-os-Montes. O modelo de organização foi distinto do das anteriores, pois houve um período de preparação e deu destaque à criação de estruturas de poder popular. 

A Campanha envolveu 230 oficiais, sargentos e praças dos três ramos das Forças Armadas, da GNR, da PSP e da Guarda Fiscal. Formaram-se 27 equipas, distribuídas por sete zonas. A Campanha desenrolou-se por três fases. 

 

Cartaz evocativa da Campanha «Maio-Nordeste». 1975. ADN, EMGFA.

 

Num primeiro momento (de 17 a 31 de maio de 1975), procedeu-se ao levantamento das necessidades, desde infraestruturas e saneamento básico a assistência médica e agrícola.

Na segunda fase (de 1 de junho a 22 de junho 1975), incentivou-se a criação local de estruturas de poder popular, como comissões de moradores e de aldeia.

Mapa de operações da Campanha Maio-Nordeste no município de Torre de Moncorvo. 1975. ADN, EMGFA. Mapa de operações da Campanha Maio-Nordeste no município de Torre de Moncorvo. 1975. ADN, EMGFA.

Por fim (de 23 de junho a 8 de outubro de 1975), ensaiou-se a transformação das estruturas do Estado, através de, por exemplo, a implementação de medidas de reforma agrária. A Campanha contou com a colaboração do Serviço de Apoio ao Desenvolvimento Agrário.

No âmbito cultural, participaram músicos militares, bandas filarmónicas da região, José Afonso, Francisco Fanhais e o cineasta Luís Filipe Rocha.

Esta campanha é suspensa por ordem do CEMGFA General Costa Gomes, a 8 de outubro de 1975.

 

Sob o lema «Trabalhar com o Povo, construir a Revolução», a Academia Militar dinamizou esta operação no distrito da Guarda (e também em algumas localidades do distrito de Castelo Branco). 

Os militares foram acompanhados por empresários e outros civis da zona de Lisboa, sendo que o principal objetivo era resolver as contradições entre o mundo urbano e o rural, suprindo as carências das populações. As atividades foram diversas e incluíram melhoramentos dos serviços de abastecimento de água e de estradas, animação desportiva, sessões de cinema e apoio à constituição de algumas comissões de aldeia. A Campanha beneficiou de apoio financeiro da Fundação Calouste Gulbenkian para a assistência a mutilados da Guerra Colonial.  

 

Foram ainda dinamizadas outras de campanhas de menor dimensão. Em fevereiro de 1975, por exemplo, na «Operação Alvorada», os fuzileiros navais do destacamento n.º 12 percorreram os concelhos de Ponte de Lima, Caminha, Vila Nova de Cerveira e Paredes de Coura, enquanto na «Operação Povo Culto», os alunos do Centro de Instrução de Sargentos Milicianos percorreram os concelhos algarvios de Tavira, Castro Marim e Alcoutim. As Campanhas de Dinamização e Sessões de Esclarecimento chegaram ainda às comunidades portuguesas emigradas na Europa.           

 

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