O Peri 25 de Abril de 1974. Narrativa de quem o viveu apaixonadamente aos 17 anos.
Maria Antónia Frasquilho
Tem atualmente 68 anos e é casada. É mãe de 3 filhos e avó de 4 netos, todos fantásticos, cada um a seu modo. Cresceram sempre em liberdade.
É médica desde 1980, especialista de Psiquiatria com subespecializações em prática forense, avaliação do dano coprporal e medicina de trabalho. Diplomou-se em hipnoterapia transpessoal. Tem-se dedicado há longos anos ao estudo e intervenção clinica e preventiva nas questões da psiquiatria e saúde mental no trabalho.
É mestre em ciências da educação com especialização em pedagogia da saúde.
Foi docente do quadro da Escola Nacional de Saúde Pública, da Universidade Nova de Lisboa. Foi Directora Clínica do Centro Hospitalar Psiquiatrico de Lisboa, do qual pediu exoneração em Julho de 2008. Prestou serviço em cargos associados à gestão em diversas unidades, nomeadamente na ARSLVT, colaborações com DGS e OMS.
Exerceu clínica médica no Serviço Nacional de Saúde de 1980 a 2013 , ano em que optou exclusivamente pelo exercicio médico privado. É co-fundadora da empresa Alterstatus, sendo atualmente diretora da clinica.
Na sua área é autora de diversas publicações e também livros de fição, coletivas de estórias e poemas.
Dedica-se a múltiplas atividades criativas, teatro, sendo uma viajante de alma.
O Peri 25 de Abril de 1974.
Narrativa de quem o viveu apaixonadamente aos 17 anos.
A marca desse 25 Abril foi tal, que durante longo tempo usei passwords com os carateres dessa data mítica. Desconfio que não terei sido a única.
Imagino que muitos o vêm como 24h de transição num calendário. Não foi assim: havia um contexto e um muito antes. Esse antes refere-se a um conjunto de situações que cada um viveu com o seu ser, os seus valores, sentido e propósito. Daí que seja essencial ter em conta que da experiência de alguns foi-se tecendo ao longo de anos uma laboriosa reflexão que deu lugar a uma estratégia que culminou no tal dia glorioso e belo. Mas desse particular eu nem fazia à época a mínima ideia. Só depois entendemos que toda a percepção e narrativa estão carregadas da história pessoal.
Tinha 17 anos e todos os sonhos do mundo. Estava apaixonada e, portanto, cheia de energia positiva. A esperança num mundo melhor é algo que se compartilha na adolescência.
Nasci numa família de classe média, com vida trabalhosa mas desafogada. O meu bairro de pequenas moradias era tranquilo, limpo, bonito, organizado. Medo ou violência eram não assuntos. Muitas crianças brincavam na rua, os vizinhos deitavam um olho embora o perigo maior fosse “perder a noção das horas” e não chegar à hora definida para jantar. A vida era então muito previsível e regulada. O “respeitinho” era bem guardado e ai de quem ousasse desafiar o estabelecido.
Sim, havia os outros, os maltrapilhos de pé descalço que a certas horas desciam das colinas de bairros caóticos e fedorentos, mas que não se cruzavam no nosso mundo. Os das barracas eram humildes, silenciosos. E como a mendicidade era proibida, os que se atreviam a pisar os nossos passeios eram essencialmente operários da construção civil, que desde cedo nos ensinavam a evitar e as criadas, essas sim, bem-vindas. Serviam nas nossas casas, eram genuinamente prestáveis, submissas, amáveis. As patroas, por tradição, ajudavam-nas com roupas e outros géneros, muitas vezes acolhiam os seus filhos durante o trabalho, podendo apadrinhá-los. Também pugnavam por lhes dar noções de higiene, educação, a algumas também as ensinavam a ler. “São como da família”, dizia-se na nossa casa. Laços rijos, esses, que no meu caso perduraram até à morte dos envolvidos.
A educação era um valor de força pois nesse mundo afinado e de tempo lento não se duvidava que a instrução fosse um acelerador para uma vida boa. O ensino era coisa séria. Contudo era só para alguns. A maioria da população era analfabeta, uns tantos rapazes completavam a 4ª classe e recebiam o seu diploma e logo uma qualquer serventia. As meninas estavam destinadas a desistir cedo por força de terem de ajudar nas suas próprias famílias. Algumas mal saídas da infância engravidavam.
Trabalhar em criança não era de todo criticado. Bem me lembro dos moços de recados, dos aprendizes, dos marçanos e das criaditas das crianças, que tinham a mesma idade de quem cuidavam. “De pequenino se torce o pepino”, dizia-se para enaltecer o trabalhar precoce, mesmo antes dos 10 anos de idade.
Dos privilegiados com acesso a estudos liceais, após a 4º classe não imaginem que eram só facilidades. A aprendizagem era exigente, as regras comportamentais também. A escola pública oferecia boa qualidade e boas instalações. As meninas normalmente tinham aulas de manhã e os rapazes à tarde. Não havia misturadas. Circulava-se silenciosamente nos corredores, cumpria-se a ordem estabelecida. Os professores eram respeitados e tinham toda a autoridade. Lembro-me que esperávamos na sala de aula a sua chegada de pé ao lado das cadeiras e só nos sentávamos quando este dava autorização. A hierarquia estava bem definida. O reitor era temido e receávamos qualquer informação negativa para os pais que de imediato reforçavam com um qualquer castigo, com frequência corporal, o relato vindo do liceu. A chegada do documento com as notas no fim de cada período escolar significava uns tantos dias de aflição. Não se falava em “bullying”, embora toda a gente soubesse que havia uns miúdos rufias que massacravam outros. No meu Liceu lidava-se com isso da seguinte forma: “Assuntos de alunos ficam entre alunos” e cada um desenrascava-se. À luz de hoje creio que todos sofreram algum tipo de chingada menor que resolviam à bofetada e pontapé, ou pela mobilização dos colegas mais amigos. Se o corpo docente e principalmente os contínuos, notassem algo reportavam ao reitor e a coisa terminava por aí, com duplicação de corretivos musculados tanto no Liceu como na família. A criança ou jovem nunca tinha razão.
Acima do reitor estavam aquelas figuras da nação, sombrias e temíveis, presentes nas salas de aula tal como em qualquer repartição pública: os poderosos primeiros-ministros Salazar e depois Marcelo Caetano, o eterno presidente da república Américo Thomaz e, frequentemente, um enigmático Cardeal-Patriarca Cerejeira.
Os três pilares da civilização eram Deus, Pátria e Família. Se os dois primeiros falhassem lá estaria sem dúvida a família inabalável para suprir as necessidades. Em boa verdade a Segurança Social era uma existência nebulosa, poucos tinham reforma paga, a maioria não fazia descontos para isso, a proteção aos trabalhadores era uma miragem, as férias, ou faltas por doença ou maternidade, se as havia, não eram pagas.
A medicina era praticamente toda privada. O estilo “João Semana”, um médico sempre dedicado que acompanhava para a maior parte das maleitas toda a família era o mais comum. As famílias pagavam uma avença, ou seja, uma pequena quantia mensal e poderiam dispor de quem lhes acudisse em casa a qualquer hora do dia ou da noite. A dedicação incondicional, a confiança e a longa experiência dos médicos constituíam o mais sólido alicerce. Outros médicos mais especializados também estavam longas horas disponíveis e muitas vezes cobravam conforme os salários dos doentes (os mais pobres pagavam menos, até quase nada). Em troca estavam sempre gratos e ofereciam ovos, couves, galinhas. Havia também as “Caixas”, uma espécie de centros de atendimento de cariz médico-social onde se amontoavam desde a madrugada todos aqueles que não tinham alternativa. Os hospitais, que poucos havia (em Lisboa lembro-me do Santa Maria, do S. José, do IPO, do Ultramar – hoje, Egas Moniz) serviam toda a zona Sul, eram sobretudo destinados aos funcionários públicos. Acrescentavam-se os das Misericórdias, das Ordens religiosas e um ou outro completamente particular.
Não havia proteção à maternidade, poucos dias depois do parto a mulher voltava ao trabalho. A questão é que poucas mulheres tinham uma profissão. A maioria era doméstica, o que significava “dona de casa”, ao serviço do marido e dos filhos. Portanto, mulheres sem meios de subsistência própria. Por muito ricos que fossem os maridos estavam sempre sujeitas aos humores destes quando lhes pediam “um dinheirito para o “pé-de-meia”. Pior era quando a relação era má, quando havia traição se a mulher refilasse ainda podia ser insultada, espancada. O receio maior é que fosse banida, ficasse sem modo de se sustentar. Por isso os casamentos duravam eternamente, mesmo nas piores circunstâncias.
A maioria das mulheres que tinham profissão e que eram funcionárias públicas (professoras, enfermeiras, médicas) também estavam sujeitas às sombrias regras do Estado a quem tinham de pedir permissão para casar, e, mais uma vez, aos maridos para tanta coisa. Sabem que para a mulher ter passaporte próprio era necessária uma autorização do marido? Se queria viajar ou ia com o marido ou este tinha que dar uma autorização especial. Até para dar um passeio nas redondezas, ir ao cinema, visitar familiares noutra localidade deveria ir sempre acompanhada, por outra amiga ou familiar. Normal era o assobio na rua, uns piropos, uns beliscões, umas aproximações forçadas caso se encontrasse a sós.
De sexualidade nem se falava. À mulher cabia “estar às ordens”, a violação era coisa a calar, e nem se sabia o que era planeamento familiar. O aborto era um pecado, de facto muito abusado. Muitas mulheres morriam por questões ginecológicas e obstétricas. Os partos eram feitos em casa por “curiosas” senhoras que faziam nascer as crianças sem mais habilitações do que a prática que tinham. A mortalidade infantil era altíssima, mas os casais tinham muitos filhos para cobrir as perdas.
Eu tive sorte, nasci num hospital e mais ainda aquele que oferecia um programa experimental de “parto sem dor”. Era o único no país com essa condição. Andei em boas escolas, tive explicadoras em casa, acesso a cuidados médicos sem o desconforto de ir aos hospitais, direito a 3 meses de férias na praia e 15 dias na Páscoa no campo. Até viajava para fora de Portugal pelo menos uma vez por ano. A grande maioria da população não ia mais longe do que os seus pés podiam alcançar. Ir ver o mar era um desejo comum inviável. Essa escassez, ao que lembro parecia não ser sentida com raiva, nem inveja… simplesmente não se imaginava que podia ser diferente.
Os mais abastados iam a Badajoz, aos Preciados e ao Corte Inglês, antes do início do ano escolar, comprar material giro, que por cá não havia. Tal como não havia a roupa que queríamos: Jeans, roupas jovens e étnicas. A mini saia até era proibida. Os biquinis também. Há que saber que o pronto a vestir era raro em Portugal e as lojas serviam pessoas mais velhas. Quando os Porfírios abriram no fim dos anos 60 foi uma loucura adolescente. De Badajoz vinha ainda a temida Coca-cola, interdita em Portugal por ser tida como estupefaciente. Enchia-se o porta-bagagem do carro com perfumes espanhóis, maquilhagem, caramelos Solano e um sem número de bugigangas que coloriam o nosso dia a dia português suave.
Os livros, os LPs de música proibida eram algo que também se buscava lá fora. Estão a compreender como quem podia, e eram muito poucos, acabava por ter acesso àquilo que não estava acessível ou era mesmo banido em Portugal?
Será com certeza por isso que há relatos tão diversos do que significou o 25 de Abril, de acordo com o estilo de vida que cada um tinha.
Com esse banho de estrangeirismo, Londres, Paris, Roma, Genebra, a minha própria familia começou a sentir incómodo com a fechada vida portuguesa. E ano a ano desejávamos ir mais longe. Estranhávamos não encontrar lá fora os perigos que o Estado difundia: dissolução de costumes, desordem. Ao contrário deslumbrava-nos o que encontrámos, ao mesmo que nos chocava o dar-nos conta da ideia que os europeus faziam dos portugueses: um povo simpático, mas inculto e brutalmente atrasado. Não raras vezes, aquando dessas viagens familiares, nos inquiriam nos alojamentos se íamos fugidos em busca de trabalho.
Eram os tempos da emigração “a salto”. Desde jovens em oposição à recruta para a guerra de Africa, até aos que em desespero largavam tudo para garantir o sustento dos seus que permaneciam em Portugal. Esses que não podiam regressar, emigrantes ilegais, sobreviviam em boa parte em condições lastimosas nos bairros da lata na periferia de Paris ou em apartamentos superlotados em zonas pobres. Um país cujo cartão de visita era então miséria, fado, futebol, ditadura e colonização. Utilizo o termo chocada como reação aquilo que sentia ser injustiça, pois inicialmente nem eu nem o meu entorno tinha franca consciência de como Portugal estava tão atrás e mal visto naqueles anos 60/70.
E porquê? A minha família não era inculta, tinha sede de saber, progredir e nem sequer gostava de futebol nem fado, quanto mais de ditadura. Quanto à colonização, sem grande sustentáculo teórico, éramos contra. É certo que todos tínhamos algum familiar, ou conhecíamos alguém em África e de modo nenhum os víamos como pessoas de mau carater, escravizadores de povos. Só sabíamos que viviam bem melhor do que nós os do continente e aparentemente com menos esforço quotidiano. Admito mesmo que poderia haver um pouco de inveja: aos funcionários públicos que faziam comissões em Africa eram oferecidas regalias especiais. A vida social, as festas, o acesso a bens de consumo também pareciam lá bem apetitosas. E as praias, ai as praias africanas… Adorávamos o ritmo do Duo Ouro Negro e toda a dádiva do tropicalismo. O que queríamos era que acabasse a guerra no Ultramar, isso sim.
Quanto á ditadura, no dia a dia os da minha condição social não a sentiam como muito dura. Não éramos ativistas políticos, apesar de haver um tio muito querido que fora preso político em Peniche e privado com o Cunhal, o mítico líder comunista depois exilado na URSS. Ainda não estou certa de que esse tio havia sido preso porque era marxista consciente ou se nisso se tornou durante os tempos na cadeia. Depois de libertado não abriu mais a boca quanto a esse período. Ao mesmo tempo havia um outro tio que era deputado da nação na assembleia nacional, portanto favorável ao regime estabelecido. Curiosamente dávamo-nos com todos, havendo cuidado para não ferir susceptibilidades individuais. Não tínhamos qualquer simpatia por Salazar que representava um estilo de vida provinciano, conservador, fechado ao mundo e à população e que além disso tinha um discurso sibilino quase inaudível com pronúncia repulsiva. Como vêm a consciência política era sofrível apesar de meus pais terem votado no Humberto Delgado quando das eleições e contarem o sobressalto cívico posterior contra o seu assassinato.
Falava-se em surdina em casa e em família daquele governo barrar o desenvolvimento do país, embora se reconhecesse que em dada altura o Salazar pusera as finanças em ordem. Não sentíamos a proibição de falar. Era mais um ter de aprender a ser comedido e certeiro nas palavras conforme as ocasiões. A polícia política, a PIDE, era bem conhecida e sabia-se que os seus métodos de ação não se enquadravam em princípios humanísticos, mas… era assim, fazia o seu serviço. O pior é que qualquer ouvido estranho, até dum vizinho, poderia ser um informador que alterasse a realidade das coisas por mero desejo de prejudicar. Esses “bufos” eram desprezados e bem mais temidos. Esclarecendo, existia a consciência do perigo, mas não nos sentíamos demasiado sujeitos a ele. Era fundamental saber viver. Quanto a nós, vivia-se bem. Sem excessos, com discrição, alguma acomodação como então era de bom tom. Cumpria-se o regulamentado e fazia-se cumprir o que era suposto. Tudo bem definido e sem hesitações.
Socializava-se predominantemente no seio familiar e num círculo restrito habitual. A entreajuda era uma constante. A competição, a ganância, a exibição de riqueza sem cultura, bem como todos os valores individualistas eram vergonhosos.
Entretanto, ateou-se uma chama de esperança quando Marcelo Caetano chegou a primeiro-ministro. O seu governo apresentava caras bem mais jovens e ideias refrescadas. Muitos animaram-se: “é agora que o país se moderniza e se liberta”. Recordo as “conversas em família” um programa de TV em que o primeiro-ministro abraçava de modo paternalista os portugueses com mensagens de aparente prestar de contas e explicativas das medidas tomadas pelo governo. Uma espécie de convite à submissão compreensiva. No geral alimentou-se a certeza de que haveria uma solução para a guerra, que era a crítica de topo ao governo e que unia todo o país.
As famílias mais diferenciadas preparavam cedo a saída dos seus jovens, quer fazendo-os estudar em colégios “lá fora”, quer arranjando forma de os inabilitar para a recruta. Outras famílias menos poderosas confiavam que desde que os rapazes estudassem bem, quando completassem a universidade já o conflito armado teria sido resolvido. Isto com base numa prerrogativa de adiamento do serviço militar obrigatório até finalizarem a licenciatura. E claro que a esses jovens em idade militar não eram autorizadas deslocações ao estrangeiro.
Aí pelos 15 anos lembro essa questão como uma nuvem que pairava sobre os meus amigos. É verdade que alguns, poucos, eram convictos da defesa das províncias ultramarinas, como passaram a ser chamadas, e expressavam o dever de “salvar Portugal dos terroristas”. Manifestavam a sua intenção de se inscrever voluntariamente nas tropas especiais, comandos e fuzileiros. O país inteiro assistia com emoção na TV ao programa “mensagens do Natal” dos heroicos combatentes. Era o nosso mais próximo vislumbre adocicado do que por lá se passava.
Enquanto jovens divertíamo-nos com coisas simples: ir ao cinema semanalmente, ver teatro na TV e uns quantos programas educativos num dos dois canais possíveis. O TV rural era um deles, o Zip-Zip e os concursos televisivos tipo “quem sabe, sabe”. Praticava-se algum desporto, ginástica e natação porque era higiénico e, usualmente no Estádio Nacional, havia uma demostração da juventude sadia e atlética. Também eram costume grandes festas familiares com a presença de várias gerações com especial deferência pelos mais velhos. Ah, e as festas de garagem, essas eram o máximo para nós adolescentes. E quantas músicas “proibidas” pela censura lá passavam trazidas por alguém que havia chegado de Londres e mesmo da América: “Revolution”, dos Beatles; “Blowing in the wind”, Joan Baez; “Power to the people”, “The times they are changing”, Bob Dylan; “We shall overcome”, Pete Seeger; “Cálice”, de Gilberto Gil ; “Gracias á la vida”, de Violeta Parra; “La Commune” de Jean Ferrat; muitas do Leo Ferré, Jacques Brel, etc.
As tertúlias eram regulares, se não diárias. Nos cafés, discutíamos horas a fio tudo e nada, desde os discos voadores, aos romances de autores russos. Por vezes, mais no verão em que nos reuníamos até mais tarde a jogar ao King, saíamos a cantar os “somos filhos da madrugada”, “os Vampiros e o Venham mais Cinco”, do Zeca Afonso, a “Pedra Filosofal”, do Manuel Freire”, “A Trova do Vento que passa”, do Adriano Correia de Oliveira, entre muitas outras canções de resistência e protesto. Era proibido, assim como era proibido participar em ajuntamentos, mas fazíamo-lo. Obviamente fazíamo-lo não tanto por determinação política, mas porque crescia o apelo jovem para mudar, acrescentar diferença ao nacional-cançonetismo e ao faduncho.
Foi a época dos primeiros festivais com alma de liberdade: o CascaisJazz e o Vilar de Mouros, mas era difícil obter autorização dos pais para ir. As meninas deviam estar em casa até á meia-noite, nem pensar em dormir fora. Os namoros decorriam sob a supervisão dum familiar, o “pau de cabeleira”, normalmente um irmão mais novo que pactuava no silêncio em troco de uma qualquer guloseima. Não se podia andar abraçado na rua, dar beijos apaixonados. O dever de virgindade era indiscutível, se bem que nem sempre praticado. Para quem se tinha casado pela Igreja, o divórcio não era autorizado.
Aí pelos anos 1971/72 no liceu havia movimentos mais organizados de que nem nos dávamos conta. Lembro os panfletos que encontrávamos atrás das sanitas, os apelos súbitos á insurgência, contra a guerra. Em casa seguia-se o aviso “não te metas nisso”. Como bons adolescentes acabávamos metidos nisso, mesmo sem saber bem o que isso era. Pontualmente um colega desaparecia por uns dias, mas regressava cabisbaixo após certa intervenção dos pais com alguma influência em seu favor. Mesmo assim ocorreram alguns protestos pueris contra a proibição das minissaias e qualquer outra indignação juvenil.
Significa isso que algumas transgressões eram toleradas nalguns meios, neste caso aludo “aos meninos da linha”. Sem que tenha sofrido na pele qualquer dificuldade séria em virtude do regime pré 25 de Abril, relembro que a tal chama de esperança marcelista foi-se sumindo.
O Jornal Expresso era lido semanalmente com avidez, também pelos jovens da minha condição. Tentava-se intuir nas entrelinhas as posições da ala liberal na Assembleia nacional.
Era costume os adolescentes terem algum trabalhinho, mesmo os de famílias abonadas. Aos 15 anos eu dava explicações ao domicílio a crianças da primária, uma espécie de apoio ao estudo. Ao fim de cada mês recebia em mão um distinto envelope com o pagamento e sempre um cartão de agradecimento. Um sinal de polidez que sabia bem, tal como um orgulho de realização pessoal.
Entrei em 1973 na Universidade, acautelada para evitar confusões. Aí sim, já se notava uma orquestração da consciencialização. Deparei-me com mais panfletos, avisos a identificarem que aquele era um “Gorila” – um agente para sinalizar agitadores -, elucidações para identificar PIDES, convites para reuniões semissecretas. Vivi uma outra barafunda na cantina principal da Universidade. Medicina, o meu curso, era conhecido por ser permeável à influência da organização dos estudantes comunistas. Os “controleiros do partido” captavam, ensinavam e mantinham em ordem os recrutados. Os convites eram subtis: para reflexão, estudo e discussão, para intervenção social. Entretanto passavam-se de mão em mão alguns livros especiais, não médicos.
O ativismo passou a fazer parte da minha experiência, não num sentido partidário, mas antes um ativismo cívico pela mudança de regime. Queria um país livre. A cultura, naqueles tempos era uma “arma”. A liberdade de aceder à informação democrática, de expressão e de se poder votar livremente aglutinava-nos. E mais do que nunca, o fim da guerra, que os que sabiam certificavam já estar perdida. Do mesmo lado crítico estavam nessa época os da ala liberal, os católicos progressistas, os sociais-democratas, e até os socialistas e anarquistas.
Anunciava-se uma revolta militar e creio que essa intuição estava bem assente. Por isso o 25 de Abril sendo surpresa não foi inesperado. Anunciara-se.
Aquele dia de 1974 sacudiu-nos como um “terramoto”. Naquela manhã, que deveria ser de faculdade, transformou-se numa manhã de rádio e TV. Os pais bloquearam-me a saída. Todos em casa estavam de início preocupados, pois falava-se num golpe possível dum general ainda mais extremista a favor do passado, e ao mesmo tempo na possibilidade dum outro golpe contra o regime acabar num banho de sangue. Foi com avassaladora comoção que vivemos aquelas horas alimentados pelas notícias dos meios de comunicação, que não eram muitas, mas acima de tudo pelos telefonemas de amigos que arriscadamente estavam a presenciar tudo na rua. Poucas eram as palavras (usavam-se as cabines telefónicas a moedas). Ainda que com receio apresentava-se o movimento como uma revolução de cravos em que o povo estava cada vez mais participativo. O desenrolar dos acontecimentos foi clarificando o evoluir favorável. E no dia seguinte o nosso mundo tinha sido catapultado para uma outra realidade tão distinta. O improviso era o mote.
Da contenção brotou a agitação. Festejos. Falatório à vontade. “Em cada rua um amigo, em cada rosto igualdade”, o que antes não se ousava pensar acontecia enfim, e a que velocidade.
A 27 de Abril já saí de casa. Percorri com o meu namorado uma Lisboa nova. Canções, flores, muita alegria. Sabíamos que tinha havido alguns mortos, mas isso não nos tolhia a enorme alegria, o foco era a explosão de liberdade.
Rapidamente tudo ficou á mão, sem censuras, o beijo na rua, os ajuntamentos à conversa, o inesquecível primeiro 1º de Maio. Nunca tinha participado numa tal conjunção de gente unida na mesma felicidade e na mesma crença: virar a vida para uma mais bela, justa, apetecível. Sim, havia um genuíno sentimento de que tudo era possível desde que o fizéssemos acontecer em colectivo. Saboreámos uma desconhecida coesão de boas vontades. As pessoas desconhecidas entreajudavam-se. Nesse dia 1º de Maio o calor era tanto, mas não faltavam copos de água oferecidos pelos moradores que ladeavam os enormes rios de gente que desaguavam na Alameda.
Rapidamente o país foi inundado de estrangeiros, uns para ver e festejar, outros para participar na revolução. Mais tarde entendemos que também para orientar a mudança segundo diferentes estratégias. Na nossa genuína boa vontade era tudo bom e todos bem-vindos. Por algum tempo maravilhoso este foi o nosso maio de 68 ou o nosso “flower power”. Tudo foi posto em causa e toda a intenção continha uma possibilidade.
A faculdade foi fechada para uma reorganização participada pelos alunos, alinhada com os novos tempos. O Diretor saneado, as contas auditadas por uma comissão mista de alunos com os professores “credíveis”. Foi o momento dos movimentos associativos, das reuniões plenárias. Participei desde logo na pré associação de estudantes. É preciso sublinhar que esta nada tinha de comum com as atuais para convívio, passatempos e festas. Constituíram-se grupos de trabalho, com uma vertente muito adulta de gestão conjunta, de reorganização curricular, de discussão e implementação de novos métodos pedagógicos. Foram concomitantemente organizadas atividades culturais, informativas. Desprezava-se a mediocridade. A falta de conhecimento era vista como o alimento da ditadura e da subordinação dos povos. Como tudo era posto em causa lembro como curiosidade que logo em 1974 se acabou com as diferenças de género nas casas de banho da faculdade, qualquer pessoa usaria a que queria. Realço a dedicação tanto de professores como de alunos, que trabalhavam até altas horas da madrugada para a construção dos sonhos. Ali não cabia uma atitude lamentativa nem de cansaço. A responsabilização por fazer, mesmo que com sacrifício, imperava. A meritocracia constitui-se em valor. Não tivemos, porque recusámos, passagens administrativas. Tal passou-se, infelizmente, noutras faculdades. Por esta razão fomos o curso de medicina mais longo de sempre – de 1973 até 1980 -, no que veio a constituir a Universidade Nova.
Sem aulas, incentivámo-nos mutuamente a não só arquitectar a mudança no plano formativo médico, mas também por realizar atividades produtivas de cariz social. No meu caso optei por durante um ano fazer trabalho voluntário de sensibilização e educação básica para a saúde, higiene, educação e autodesenvolvimento, o que hoje se chama “consciencialização e empoderamento” nos tais enormes bairros de barracas que circundavam Lisboa. Tornou-se tão mais dura e diferente a visão da realidade e a necessidade de colmatar essas desigualdades assente nas virtudes da benevolência, integridade e bem comum.
Para mim integrar os novos movimentos sociais constituiu-se como um dever cívico. Não vivi o apelo de me inscrever num partido, como era habitual entre os universitários. Estávamos frequentemente a receber convites. Desde logo entendi que de alguma forma me retiraria autodeterminação. Mas dei corpo a várias iniciativas de cunho ambientalista como integrar a formação do movimento ecológico português, as primeiras lutas antinucleares e de direitos humanos: movimento pelos direitos das mulheres e a criação da sociedade de planeamento família e outras mais de cariz autárquico, pelo fomento de qualidade de vida e habitacional.
A cultura e a informação também me chamavam. Em conjunto com namorado, colegas e amigos, fundámos uma pseudo editora e lançámos um jornal feito, distribuído e vendido por nós, umas brochuras e participávamos na divulgação de obras independentes que de alguma forma fizeram história. Tinha uma banca de chão no Rossio, frente à ex-farmácia Estácio, onde apregoávamos os nossos artigos em conjunto com a venda de artesanato caseiro que em casa ia produzindo.
Com a independência das colónias aterram subitamente milhões de retornados no pequeno território nacional. À custa de medidas de emergência pública e principalmente do seu próprio desenrasca, lá se vão instalando. Transportavam outros hábitos e o desmedido azedume dos que perderam tudo, expulsos que foram dos seus projetos de vida. Para nós eram tidos como reacionários, não bem acolhidos pelos grupos progressistas do pós 25 de Abril. O seu ponto de reunião em Lisboa era precisamente o Rossio. Dada a nossa instalação na praça fui acompanhando as conversas, os ânimos exaltados e pouco a pouco percebendo que dificuldades e ressentimentos todos transportavam, e que seria mais o que nos unia do que aquilo que nos separava.
Porque construímos uma visão ampla e com os pés no terreno acho que amadurecemos muito rápido. Muitos jovens universitários perceberam a necessidade de se autonomizarem, para serem congruentes com a liberdade que apregoavam. Uma boa parte aos 18 anos saía de casa. Podiam ter apoio parcial dos pais mas era indispensável que tivessem um meio de subsistência próprio. Ser trabalhador-estudante vulgarizou-se. Foi também o meu caso.
As exigências de conforto também eram poucas: “um amor e uma cabana” era o ideal desses tempos. Tive alguns colegas que passaram a habitar uma tenda no parque de campismo, entre livros, guitarra e gato. O casamento deixou de ter o peso institucional e em breve o divórcio tornou-se uma possibilidade.
Casei com 19 anos, pelo civil, sem a clássica cerimónia e vestido de noiva, para desgosto dos meus pais. Melhor que outros fui habitar para casa do meu namorado, uma casa que hoje em dia seria cotada como descabida porque vazia de móveis e decoração. Sob o meu olhar era sem dúvida um lar que ia sendo construído a pouco e pouco por nós mesmo, a base de amor com a ajuda fácil de amigos. Uns traziam tijolos, outros madeira e… ali estava uma estante. Outro umas caixas de ovos de plástico que coloríamos e …eis um abat-jour. Além da contínua criatividade, algo extraordinário foi que todos estavam prontos à cooperação. A porta estava sempre aberta, ninguém tinha de marcar na agenda uma visita. Essas visitas podiam não ter fim e alguém ficar a dormir até ao dia seguinte. Tal era a flexibilidade que o comum era a prontidão para nos ajustarmos mutuamente conforme as necessidades individuais. O lema era descomplicar e cooperar. Foi tão bom sentir esse chão comum.
Os festejos passaram a ser participados, coletivos: um canto livre, uma manifestação, um piquenique cultural. O denominador comum era haver um propósito maior para além do simples prazer de estar, dançar, cantar. Os estranhos tornaram-se amigos. Os “baladeiros” conviviam connosco. Num ápice vi-me fazendo parte de grupos alargados e fraternos de músicos, escritores, artistas, filósofos, professores de mérito, e até políticos depois famosos.
Rebuliço havia muito. O chamado “verão quente” foi disso exemplo. Erguiam-se governos, provisórios, caiam governos não provisórios. A tensão escala. Instalam-se brechas no tecido social. As ideologias dividem. Entre os amigos começam a surtir fissuras. Cerram-se trincheiras entre os que partilham visões similares. O medo volta: das ocupações, das expropriações, alguns sinais de que poderia haver uma guerra civil… uma manifestação convocada por uma tal maioria silenciosa a anunciar um regresso ao passado. Mais golpes político-militares. Mas sempre, sempre o povo na rua.
Na faculdade uma nova normalidade já fora instalada. Impunha-se estudar a par de continuar a trabalhar e manter os projetos de cidadania. As exigências multiplicaram-se. O dia a dia estudantil era intenso e longo: alguns exames escritos e orais tinham lugar no período noturno. Éramos rijos, não seria isso que nos faria definhar.
O mais difícil de tolerar foi a decepção. Pouco a pouco, o que foi tão bom perde substância. Toma-se contato com uma realidade frustrante, nem tudo é possível, nem tudo é por amor, nem todos são confiáveis.
Aos poucos chegam supermercados gigantes, uma orgia de novos produtos de consumo. Inaugura-se com a mesma ênfase o inútil e o necessário. Consome-se à farta, quem pode e quem não pode. Uma nova ditadura emerge: a do dinheiro. Foi a primavera dos empreendedores vindos do nada, da civilização do betão, da espúria ostentação: ter passou a ser mais valorizado que ser. O novo-riquismo individualista vai substituindo o espírito coletivo despojado. O cuidado com o outro esmorece. A confiança básica decresce. O entusiasmo também.
Há quem passe a recorrer-se à heroína e a outros tóxicos para atenuar as “dores” e para apagar vivências incómodas.
O valor conferido ao trabalho árduo também diminui. Os voluntários já se perguntam se estarão a ser parvos. Abandonam-se valores e modos de vida celebrados. Depender de outrem passa a aceitável, enganar é sinal de espertice, há uma enorme tolerância ao não cumprir deveres. Ser educado e respeitoso no trato também se foi dissolvendo.
Por outro lado, todo o mundo enche as cervejarias, as praias recebem hordas de novos utilizadores que já conseguem gozar férias. A par do monoquini e do nudismo convive-se com montes de lixo que os utilizadores não recolhem. O chamado pais pobrezinho mas honrado e bonitinho construíra um novo perfil muito menos pobre, menos honrado e com uma beleza trespassada pela corrupção visível no urbanismo caótico. Bairros da lata desapareceram, a habitação como um direito foi elementarmente satisfeita. O trabalho infantil deixou de ser permitido, a taxa de analfabetismo diminuiu e muito. Em termos de saúde deram-se saltos de gigante. A rede viária melhorou incrivelmente, Portugal desfruta de acessibilidades como nunca. Passaram a seguir-se normativas internacionais de topo, mesmo que absurdas ao não respeitarem a cultura local.
Já médica participei num residual serviço médico à periferia, agora integrado na vertente de saúde pública que obrigava os recém-médicos a cumprirem 1 ano em regiões necessitadas. Mesmo colocada numa área mais turística, o Algarve, pude constatar como se mantinham negligenciadas as comunidades do interior, sem saneamento básico e outros pré-requisitos para a saúde. Muitas famílias viam em nós os primeiros médicos que puderam consultar. Iam abrindo novos hospitais e serviços de saúde alicerçados nesta primeira vaga de médicos à periferia. O serviço nacional de saúde, quanto a mim a maior conquista de Abril, passa a fazer milagres e gratuitamente. Uma nova oferta de especialidades deslumbrou os utilizadores que antes nada tinham e que passaram a exigir de tudo e com pouca paciência para esperar.
O acesso à educação tornou-se universal, mas os alunos deixaram de acreditar que lhe abrirá as portas para um futuro melhor. A desmotivação, desinvestimento e indisciplina passaram a ser as queixas gerais dos professores.
O país provinciano passou a receber gentes diversas, tornou-se multicultural, mas acredito que menos acolhedor. As questões de género passaram a ser valorizadas positivamente, o aborto deixou de ser crime, o planeamento familiar generalizado, combateram-se os estereótipos negativos da moral tradicional, mas nesse caminho também se desvalorizaram reguladores sociais com muito interesse. Profissões tradicionais perderam o estatuto. Todos passaram a manifestar saber tudo sobre tudo, sem qualquer autoconsciência. Democratizou-se a guerra contra a diferenciação como um forçoso igualitarismo, a retórica dos direitos infinitos, o facilitismo, o egocentrismo. Finalmente o populismo assentou arraiais. A par e passo duma irresponsabilidade individual e coletiva, a insegurança reinstala-se.
A família vai-se tornando nuclear, e as gerações mais velhas sentidas como um peso são colocadas em lares. Também as crianças, antes protegidas em casa até aos 3 anos passam às creches desde cedo na vida. A par da descida da mortalidade surgiu um tremendo défice de natalidade.
Novas opções de desenvolvimento encontram-se num indulgente liberalismo pouco ético, porque sem rosto humano, um vale tudo. (Notem bem: o comentário nada tem a ver com a ideologia liberal). A globalização incentiva à desregulação e acentua disparidades de oportunidades sociais.
O presente, assim o vejo, deixou para trás os ideais humanistas, vanguardistas e libertários de Abril. O futuro é de todo imprevisível. O peso do medo substituiu a jovem esperança confiante. E com pena minha vejo a alienação a apoderar-se das mentes. A infantilização empobrece um país e abrirá portas a outras formas de ditadura. A vida não é um jogo em que apostamos com estranhos a ela.
Ponho uma questão: será que as diferenças entre o antes e o depois do 25 de Abril não acabariam por emergir naturalmente? O facto é que os países, as sociedades sempre mudam. Mas algo único nunca será extinto: as vivências, emoções, desafios de grande riqueza cognitiva e relacional de quem viveu aquele dia, os que o antecederam na proximidade e aqueles primeiros anos pós 25 de Abril tão sublimes.
A geração que alicerçou, construiu, viveu, serviu o ideal de Abril está a desaparecer. E com ela um tremendo espólio civilizacional.
Aqui estou a deixar a minha marca. Que perdure a grande beleza de urdir sonhos e cooperar na sua materialização. O que são as utopias senão propósito para viver? Um dia lá no horizonte acontecem, isso é o progresso civilizacional.
Maria Antónia Frasquilho