Exposição «O humor unido jamais será vencido: os cartoons da Revolução (1974 – 1976)» no Museu Bordalo Pinheiro até 9 de março de 2025
O Museu Bordalo Pinheiro, em Lisboa, inaugura no dia 17 de dezembro, pelas 18h30, a exposição «O humor unido jamais será vencido: os cartoons da Revolução (1974 – 1976)», integrada nas Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974. A Exposição tem Comissariado e Textos de Paulo Jorge Fernandes (FCSH-UNL).
Partindo, na sua maioria, de desenhos publicados na imprensa da época por autores tão representativos como António, Cid, João Abel Manta, José Vilhena, Sam e Vasco, esta mostra procura lançar um olhar bem-disposto sobre um período agitado da História de Portugal através da exibição de cartoons selecionados da vasta obra gráfica de artistas que aproveitaram o fim da censura para mostrar outros ângulos de observação, simultaneamente críticos e divertidos, sobre os acontecimentos de que eram testemunhas privilegiadas.
Cartoons de imprensa enquanto instrumento de reflexão
Num mundo que não conhecia a internet, os jornais viram reforçado o seu papel como um dos canais, não apenas de informação, mas também de divulgação de uma realidade política e social nova e em acelerada mutação. No seguimento de uma tradição que em Portugal remonta a meados do século XIX e que seria reforçada no trabalho de Rafael Bordalo Pinheiro, o patrono do museu, os cartoons de imprensa, enquanto instrumento de reflexão do mundo que nos rodeia, libertaram-se dos espartilhos que condicionavam o humor até então. Praticamente, todos os periódicos de referência passaram a publicar desenhos satíricos com grande regularidade, consolidando ou fazendo despontar a carreira de autores mais ou menos conhecidos dos seus leitores.
O golpe de Estado ocorrido em 25 de Abril de 1974 e o processo revolucionário então iniciado caracterizaram-se, entre outros aspetos, pelo aparecimento no espaço público de uma nova elite política, onde civis e militares, protegidos pelo fim da censura e por uma liberdade de expressão nunca antes experimentada, procuravam afirmar-se em oposição às ideias e aos protagonistas do regime deposto. Um outro caminho para o país implicava uma liderança diferente. A Revolução significava mudança não apenas de opiniões, mas também de atores políticos. Novas figuras tornaram-se conhecidas, revelando-se um alvo fácil da zombaria dos cartoonistas. Ninguém seria poupado: antigos governantes até então intocáveis, presidentes da República, chefes de governo, ministros, deputados, membros do Conselho da Revolução, empresários conhecidos todos seriam alvo preferencial da sátira que passou a inundar as páginas da imprensa da época. O primeiro núcleo da exposição denominado “Os protagonistas da Revolução” pretende mostrar algumas das imagens desses personagens escrutinadas através do olhar crítico do humor gráfico.
A Revolução libertou o humor
O contexto internacional é também ele explicativo. Em plena Guerra Fria, Portugal manteve-se no centro das atenções externas. Até então era o arrastar dos conflitos militares em África que prendia os olhares das potências mundiais. A partir de Abril de 1974, os líderes do mundo Ocidental, encabeçado pelos Estados Unidos da América, e do bloco de Leste, dirigido pela União Soviética, passaram a observar os acontecimentos revolucionários em Portugal como um redobrado interesse, imaginando o país como um de balão de ensaio onde se poderiam experimentar novas soluções políticas e sociais.
A Revolução libertou o humor editorial e o fim da censura (quase) tudo permitiu. Sem surpresa, a imprensa e os cartoonistas cedo perceberam o apetite dos principais dirigentes alinhados com ambos os blocos pelos eventos que decorriam em Portugal não se poupando na crítica ao aproveitamento da situação por parte de tais intérpretes. O segundo núcleo da exposição designado “Vento de leste vs. vento de oeste” revisita algumas dessas personalidades, que se tornam subitamente conhecidas do grande público, e revela a forma como estas passaram a ser encaradas pelos artistas do desenho humorístico, explorando de forma sugestiva e divertida o seu relacionamento com as novas autoridades revolucionárias.
Propaganda e ideologia
Comunismo, socialismo, social-democracia, democracia-cristã, fascismo, são apenas algumas das expressões ideológicas cuja simples menção era proibida no país da PIDE e da censura, eufemisticamente transformadas em Direcção-Geral de Segurança e Exame Prévio no início do governo de Marcello Caetano. Com a Revolução e a imediata restauração da liberdade de expressão, todos os conceitos políticos passaram a ser admitidos, uns, e altamente criticados, outros. Naturalmente, a imprensa aproveitou esta abertura para reforçar o seu papel de veículo privilegiado de difusão e discussão de conceções governativas até então impossíveis de concretizar. Se os periódicos eram um dos instrumentos preferenciais utilizados pelos revolucionários para a emissão de propaganda e a divulgação de ideologias anteriormente interditas, os cartoonistas encontraram na sátira editorial o terreno preferencial para se afirmar simultaneamente enquanto vulgarizadores e críticos das novas ideias que passaram a inundar um espaço público em profunda transformação. O último núcleo intitulado “Propaganda e ideologia” aborda alguma das formas satíricas exploradas pelos jornais da época para dar expressão gráfica a essa explosão propagandística e ideológica.
Esta exposição procura reforçar junto do público o papel do cartoon editorial, aqui considerado no seu sentido mais amplo, enquanto ferramenta de reflexão sobre um determinado período histórico. Pretende-se dar a compreender o cartoon não como mera ilustração de uma qualquer realidade, mas também, e sobretudo, como uma linguagem dotada de um código próprio e autónomo de desconstrução dessa mesma realidade, afirmando-se por essa via como uma fonte de conhecimento, simultaneamente informativa, formativa e já agora…divertida.
Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril até 2026
As Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril tiveram início em março de 2022 e vão decorrer até 2026. Cada ano foca-se num tema prioritário, tendo como objetivo reforçar a memória e enfatizar a relevância atual destes acontecimentos na construção e afirmação da democracia. O período inicial das Comemorações foi dedicado aos movimentos sociais e políticos que criaram as condições para o golpe militar.
A partir de 2024, revisitam-se os três ‘D’ do Programa do Movimento das Forças Armadas (MFA), em iniciativas que evocam o processo de descolonização, a democratização e o desenvolvimento.