No curto prazo, os estudantes que mais se envolveram na greve e nos protestos foram duramente penalizados e prejudicados no seu percurso profissional e pessoal.
A nova legislação procurava limitar a atividade das associações de estudantes e diminuir a margem de autonomia das instituições universitárias. Depois de 1962, viveram-se “anos de chumbo” na oposição estudantil ao Estado Novo e de crescente radicalização.

O movimento estudantil tornou-se, decididamente, uma frente de oposição ao regime e o sentido político das lutas estudantis foi cada vez mais explícito, ainda que a “questão colonial” só se tenha tornado o centro das reivindicações nos anos finais da década de sessenta. Adotando novas formas de protesto e reivindicação, os estudantes não aceitam passivamente a ordem estabelecida, os hábitos de ensino e a limitação de liberdades.
A universidade deixava de ser apenas um local de formação das elites. Passava a ser um espaço de ação coletiva e um lugar de contestação ao regime.
De um lado, comunistas, “humanistas laicos”, católicos e até monárquicos.
Do outro, “nacionalistas”. Homens e mulheres. Estudantes dos liceus. Familiares dos estudantes e cidadãos empenhados davam o seu apoio, discretamente assistindo aos plenários. O movimento estudantil de 1962 foi intenso e diverso, mas a crise académica representa um momento de unidade de diferentes sensibilidades políticas. As ações de massas não foram responsabilidade de uma organização política em particular, ainda que, nos momentos de maior radicalização, o PCP tenha tido uma influência forte.
Em geral, o movimento resultou de uma convergência espontânea de interesses variados, auxiliada pela intensa comunicação estabelecida pelas associações de estudantes.
PLENÁRIO À ENTRADA DA FACULDADE DE LETRAS DE LISBOA.
Fonte: FMSMB-DDR.
Em Lisboa, as RIA (Reuniões Inter-Associações), compostas por delegados de todas as associações de estudantes, foram o comando operacional do movimento associativo.
O Secretariado, órgão máximo das RIA, era liderado, em 1962, por Jorge Sampaio, recém-licenciado em Direito. Ao Secretariado cabia aprovar os comunicados antes de serem distribuídos e preparar as decisões sobre o luto académico votadas em plenário. A 18 de maio, a RIA é ilegalizada.
Ciente da sua importância estratégica, a polícia política vigia as reuniões da RIA. Os informadores, identificados com nomes de código como “Indústria” e “Mocho”, identificam as pessoas presentes nas reuniões e as ideias em discussão. Num relatório de junho de 1962, um informador referia que a “atividade revolucionária dos estudantes” tinha a convicção de que era possível derrubar Salazar do poder.
IMAGENS DE REUNIÕES INTERASSOCIAÇÕES (RIA) DURANTE A CRISE ACADÉMICA DE 1962.
Na fotografia vê-se Jorge Sampaio, sentado à esquerda do orador. Fonte: Arquivo Mário Lino.
Nascido em Vila Real, era aluno e presidente da Pró-Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina e militante do Partido Comunista.
Foi um dos mentores de novas formas de protesto, como a greve da fome e os plenários de estudantes. Enquanto membro da RIA, procurou conciliar o apoio dos estudantes mais radicais com as visões moderadas de outros líderes estudantis, como Jorge Sampaio.
A 28 de maio de 1962, a prisão de Eurico Figueiredo foi um duro golpe na organização do movimento estudantil. Após a suspensão do luto académico, a libertação imediata de Eurico seria uma das exigências das associações de estudantes que continuou a mobilizar a oposição estudantil.
O seu percurso de vida é um testemunho da geração que ousou enfrentar o poder. Depois de ter sido expulso da universidade em Lisboa, regressou a Coimbra, onde tinha iniciado a sua formação, e assumiu o cargo de secretário-geral do Secretariado Nacional dos Estudantes. Em 1965, já no quinto ano do curso de Medicina, regressou a Lisboa e foi procurado pela PIDE. Obrigado a exilar-se, terminou o curso na Suíça e só regressaria a Portugal em 1976.


Natural da ilha de São Miguel, Açores, era vice-presidente da Pró-Associação de Estudantes da Faculdade de Letras, onde existia uma forte presença de mulheres estudantes.
Durante a crise, destacou-se nos plenários, com um notável sotaque micaelense, e representou os estudantes nas reuniões com as autoridades académicas. Em outubro de 1962, foi eleito secretário-geral da RIA. Poucas semanas mais tarde, seria preso pela PIDE.
Nos anos seguintes, Medeiros Ferreira sentiu a responsabilidade de representar a juventude que se tinha sublevado contra a ditadura. Manteve um papel ativo no movimento estudantil até 1965, data em que foi expulso de todas as universidades portuguesas. Inconformado, recorreu da decisão para o Supremo Tribunal Administrativo. A sua defesa, preparada por Francisco Salgado Zenha, Jorge Sampaio e Jorge Santos, seria publicada num livro célebre, que faz um balanço sobre a crise académica: Universidade. Processo de uma Expulsão Disciplinar (1967).
Tal como outros dirigentes estudantis, Medeiros Ferreira partiu para o exílio em 1968. Regressou depois da Revolução de 25 de Abril e foi ministro dos Negócios Estrangeiros do I Governo Constitucional (1976-1978).
«E então, quando apesar de tudo o Poder não logrou criar o clima de silêncio tão propício à apatia, à inconsideração e ao desleixo pelos problemas; quando apesar de tudo ainda continua a haver quem fale, quem discuta e quem exija na, e para, a Universidade […] o Governo recorre à eliminação dos vários estudantes que, de uma forma ou de outra, mais se tenham distinguido pelas suas qualidades intelectuais e pela sua devoção à causa da inteligência, da liberdade e do prestígio da instituição em que se fazem homens».
Excerto do livro Universidade. Processo de uma Expulsão Disciplinar. 1967, de Francisco Salgado Zenha, Jorge Sampaio e Jorge Santos.
Jorge Sampaio, Presidente da República entre 1996 e 2006, foi o líder da crise académica em Lisboa.
Licenciado em Direito em 1961, foi eleito Presidente da Associação Académica de Direito e secretário-geral da RIA em 1961-1962. O facto de já não ser aluno deu-lhe margem para liderar o movimento sem temer sanções disciplinares ou a expulsão da universidade.
Perante as diferentes correntes do movimento estudantil, Sampaio teve a capacidade de criar consensos, com tolerância, paciência e determinação. Apoiou a reivindicação de liberdades fundamentais: a liberdade de pensar, a liberdade de escrever sem censura, a liberdade da escolha dos percursos individuais e coletivos.
Depois da crise estudantil, e já como advogado, defendeu estudantes com processos disciplinares e cidadãos julgados nos Tribunais Plenários. Como viria a confessar mais tarde, esta experiência iniciática foi fundamental para o seu longo percurso nas instituições democráticas depois do 25 de Abril e na defesa dos direitos humanos em organizações internacionais.


Em 1963, o primeiro número da Revista O Tempo e o Modo continha artigos de Jorge Sampaio e de Mário Soares, entre outros autores.
Editada pelo grupo de católicos progressistas, inspirados pelo Concílio do Vaticano II, a revista seria um símbolo do pluralismo de opiniões e de uma nova cultura de diálogo entre as oposições políticas.

Desde 1956, com a polémica em torno do Decreto-Lei n.º 40.900, os membros da Juventude Universitária Católica participaram no movimento associativo e nas estruturas das associações de estudantes. Ainda que fossem contrárias à formação de um “sindicalismo estudantil”, as correntes reformistas da JUC confluíram com o movimento associativo e forneceram alguns dos seus dirigentes, como Vítor Wengorovius e João Bénard da Costa, entre outros.
Neste sentido, o comunicado do dia 6 de abril de 1962, em que a JUC condenava os excessos do luto académico, não deixou de criar divisões entre os seus membros.
«Embora a confraternização entre estudantes deva considerar-se merecedora de ser favorecida, desde que isenta de intuitos alheios à vida estritamente académica, o Dia do Estudante não constitui um valor essencial, nem por natureza nem ao menos como tradição universitária; motivo por que o Dia do Estudante parece ser uma realização demasiadamente secundária para justificar tanto, de uma parte, atitudes contrárias à autonomia e decoro da Universidade como, da outra, um clima de ofensa exagerada».
Excerto do comunicado conjunto das direções da Juventude Universitária Católica (JUC) e Feminina (JUCF) informando que não aprovaram o recurso ao luto académico como forma de luta contra a proibição do Dia do Estudante. 6 de abril de 1962.
Os estudantes ligados ao Partido Comunista participaram ativamente nas associações de estudantes e na direção do movimento associativo, durante a crise estudantil. A experiência da clandestinidade política dos seus membros foi aproveitada pelo movimento para desenvolver as estratégias secretas de comunicação, organização em plenário e ações de protesto inovadoras. Para este partido, a agitação estudantil seria mais um meio, a par da luta dos trabalhadores, para pôr fim ao regime autoritário.
José Bernardino (1935-1996), nascido em Angola, foi dirigente da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, da Casa dos Estudantes do Império e secretário-geral da RIA em 1960-1961. Durante a crise académica, foi responsável pela articulação entre o movimento associativo e o Partido Comunista Português. Seria preso no dia 24 de maio de 1962.

Na direita estudantil, distinguiam-se duas fações: uma, minoritária, que apoiava incondicionalmente o regime, e uma segunda, maioritária, que, sem questionar a natureza do regime, participou na crise estudantil e aderiu ao luto académico.
Entre as fações radicais, destacava-se o grupo Jovem Portugal. À semelhança da comunicação oficial do Governo, este grupo procurava associar o movimento de massas à ação do Partido Comunista e desvalorizava as pretensões de defesa da autonomia universitária.


A repressão sobre os estudantes no Liceu Camões, durante o comício de Humberto Delgado, em 1958, despertou uma nova geração para a contestação política. Em 1960, é eleita a primeira direção da Comissão Pró-Associação de Estudantes dos Liceus, destinada a promover atividades culturais, políticas e sociais. Durante a crise de 1962, os estudantes dos liceus marcaram presença na Cidade Universitária.
Participaram nos plenários e ajudaram a identificar os agentes da PIDE infiltrados. A partir dessa data, o movimento não parou de crescer e tornou-se um “viveiro” na formação de novos dirigentes associativos.
