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A 25 de abril de 1975, um ano após a Revolução dos Cravos, os portugueses puderam pela primeira vez votar em eleições livres com sufrágio universal. A eleição da Assembleia Constituinte representou não só o cumprimento de uma promessa do Movimento das Forças Armadas, responsável pelo derrube do regime autoritário do Estado Novo, mas também o início de uma nova etapa na transição democrática do país. Esta dossier temático evoca esse momento histórico singular.

 

Ao longo de mais de 150 anos de história eleitoral em Portugal, o direito ao voto esteve longe de ser universal ou livre. Desde as primeiras eleições parlamentares no século XIX até ao 25 de abril de 1975, sucessivas limitações baseadas no género, na literacia, no rendimento e na propriedade excluíram grande parte da população do processo eleitoral. As mulheres só começaram a conquistar direitos de voto nos anos 30 do século passado, mas sempre com barreiras significativas, com critérios que nunca deixaram de restringir o acesso ao voto na base da literacia.

Ao contrário do que por vezes se pensa, houve várias eleições durante o regime do Estado Novo (1933- 1974). Contudo, não passavam de um simulacro de eleições livres.

O monopólio político da União Nacional, o controlo governamental do recenseamento e do escrutínio e práticas generalizadas de fraude transformavam as eleições em meros instrumentos de legitimação do regime. Para as oposições, que enfrentavam censura, repressão e perseguição, as eleições, embora restritas e manipuladas, eram ainda assim oportunidades de coordenação e resistência.

Este núcleo revisita um passado marcado por exclusão e repressão, sublinhando também a luta dos que aspiraram a um sistema verdadeiramente democrático. O direito ao voto, tão facilmente dado por garantido hoje, foi durante muito tempo um privilégio para poucos.

Entre 1973 e 1974, o Movimento das Forças Armadas (MFA) tomou forma, nascendo de uma insatisfação crescente sobre as políticas do governo no contexto da guerra colonial. Inicialmente focado em questões militares, o MFA evoluiu para uma ambição maior: derrubar o regime do Estado Novo e criar as bases para um sistema democrático em Portugal.

O programa político do movimento, aprovado em abril de 1974, defendia uma transformação política profunda: o fim da censura, a extinção das instituições repressivas, a amnistia para presos políticos e, acima de tudo, a promessa de realização de eleições livres para uma Assembleia Constituinte no prazo de um ano. No dia 25 de Abril de 1974, essa promessa foi apresentada aos portugueses pelo MFA e pela Junta de Salvação Nacional, e pouco depois formalizada através de uma lei que garantia sufrágio universal, direto e secreto, anunciando uma data limite para as eleições: 31 de março de 1975.

A promessa de realizar as primeiras eleições livres com sufrágio universal exigiu um esforço sem precedentes para a sua concretização. Num curto período de tempo, foi necessário legislar e organizar as condições para que milhões de portugueses, muitos deles a votar pela primeira vez, pudessem expressar a sua vontade política.

O desafio mais complexo foi o recenseamento eleitoral.

Pela primeira vez, todos os cidadãos maiores de 18 anos, incluindo analfabetos, ganharam o direito de voto. A eliminação dessa e de muitas outras restrições acabou por triplicar o universo eleitoral. A mobilização para o recenseamento eleitoral envolveu cerca de 40 mil pessoas, muitas delas voluntárias, e o uso criativo de recursos, incluindo fundos remanescentes da extinta polícia política, a PIDE. Ao mesmo tempo, foi preciso produzir boletins,  urnas, câmaras de voto e organizar a distribuição de materiais essenciais, como lápis, esferográficas e lacre para as urnas.

Este núcleo explora os bastidores deste processo histórico, coordenado pelo Tenente-Coronel Manuel da Costa Braz. A organização das primeiras eleições livres de Portugal não foi apenas um feito logístico, mas também uma manifestação coletiva de entusiasmo e voluntarismo.

O caminho para as primeiras eleições livres em Portugal esteve longe de ser linear. Pouco tempo após o 25 de Abril de 1974, começaram a surgir as primeiras dúvidas sobre a conveniência de realizar as eleições para a Constituinte no prazo prometido. O primeiro momento crucial foi a rejeição de um plano de adiamento das eleições defendido pelo então Presidente da República, o General António de Spínola.

Mas isso não resolveu as divisões internas no interior do aparelho militar e entre os partidos, que se intensificaram nos meses seguintes.

A incerteza aumentou com a tentativa de golpe de 11 de Março de 1975, culminando num segundo momento crucial: a assembleia de oficiais do MFA que teve lugar nessa noite, onde se discutiram as consequências a retirar da intentona e do seu fracasso. Entre elas, incluía-se o adiamento das eleições para a Constituinte, que após alguma discussão, acabou por ser rejeitado.

Este núcleo explora os dilemas, conflitos e decisões que quase adiaram o momento mais aguardado da revolução: a entrega ao povo português da capacidade de decidir o seu futuro através do voto.

As primeiras eleições livres em Portugal foram um momento de intensa mobilização política e social. Dezassete partidos foram legalizados, ao passo que três foram suspensos antes das eleições, acusados de promoverem ações antidemocráticas e  de perturbarem a ordem pública.

A campanha eleitoral, que decorreu entre os dias 2 e 23 de abril, destacou- se pela intensidade e pela escala: uma impressionante média de mais de 300 eventos diários mobilizaram cidadãos em todo o país. Esta campanha representou um esforço financeiro e organizacional enorme para os partidos, com destaque para o Partido Socialista (PS), o Partido Comunista Português (PCP) e o Partido Popular Democrático (PPD). Contudo, nem tudo  foi pacífico. A chamada “guerra de cartazes” e os confrontos e sabotagens diárias revelaram um clima de grande tensão e conflitualidade, com episódios de agressões físicas, ataques a sedes partidárias e mesmo tentativas de impedir ações de campanha.

Neste núcleo, revisitamos os momentos marcantes deste período único, desde a legalização dos partidos até ao fervor da campanha, e analisamos como os portugueses se prepararam para decidir sobre quem seria eleito para a assembleia que iria aprovar a nova Constituição.

O dia 25 de abril de 1975 ficará para sempre marcado como o momento em que a população adulta portuguesa exerceu pela primeira vez, de forma livre e democrática, o seu direito ao voto. Cerca de 92% dos eleitores recenseados  compareceram  às urnas, uma taxa de participação jamais superada, numa demonstração inequívoca de entusiasmo. Apesar de pequenos incidentes, ao contrário do que sucedeu durante a campanha, o ato eleitoral decorreu de forma ordeira.

A contagem dos votos foi acompanhada de perto pelo país inteiro, através de uma emissão televisiva especial da RTP que durou mais de 24 horas consecutivas.

Aqui mesmo, na Fundação Calouste Gulbenkian, o Centro de Escrutínio processava os resultados utilizando tecnologia de ponta para a época, enquanto os portugueses aguardavam para conhecer a composição da Assembleia Constituinte.

Ao fim da madrugada, o desfecho já era claro, apesar das contrastantes leituras feitas pelas diferentes forças políticas. Nos meses seguintes, essas leituras haveriam de se confrontar no terreno durante o chamado Verão Quente de 1975. Entretanto, a Assembleia Constituinte criava uma nova elite política, muito diferente da anterior nas suas ideias e juventude, apesar de manter uma enorme subrepresentação das mulheres na política, que só muito mais tarde começou a ser mitigada.

#50anos25abril