50 anos de Independência de Cabo Verde, entre a memória do colonialismo e os legados da descolonização
Há 50 anos, a 5 de julho de 1975, a Assembleia Representativa de Cabo Verde declarava a independência do arquipélago, pondo fim a mais de cinco séculos de domínio colonial português. A independência resultou de um processo de transição política acordado entre o governo português e o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que culminou com a eleição da Assembleia Representativa a 30 de junho de 1975.
Cinco décadas depois, a forma como este processo é lembrado e compreendido na sociedade cabo-verdiana revela um equilíbrio delicado entre reconhecimento, crítica e proximidade. A sondagem «50 Anos de Independências — A descolonização portuguesa e os seus legados», conduzida pelo CESOP – Universidade Católica Portuguesa, em parceria com a Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril e a RTP, oferece uma base inédita para compreender como o passado colonial e o processo de descolonização são hoje percecionados em Cabo Verde, contribuindo para o início de uma análise mais aprofundada e de um debate público informado sobre o tema. Entre os resultados analisados, o politólogo António Costa Pinto, coordenador deste estudo, destaca três aspetos centrais que marcam a especificidade da experiência cabo-verdiana.

Modernização reconhecida, passado colonial ambíguo
A descolonização é, para a maioria da população, reconhecida como um marco de transformação estrutural: 78% dos inquiridos consideram que a independência foi determinante para a modernização política e económica do país. No entanto, quando questionados sobre o significado do período colonial, as respostas dividem-se: 43% classificam-no como positivo ou muito positivo para o que Cabo Verde é hoje, enquanto outros 43% o consideram negativo ou muito negativo.
Como refere António Costa Pinto, “apesar de terem uma opinião marcadamente positiva sobre a Independência e acharem que esta foi determinante para a modernização do País, a imagem do passado colonial é mais ambígua na sociedade cabo-verdiana, com percentagens semelhantes entre os que a acham negativa e os que a acham positiva”.

Uma ambivalência explicada por fatores históricos e sociais
Essa ambivalência, explica o investigador, pode ser compreendida à luz do percurso histórico de Cabo Verde e da sua posição particular no contexto colonial português: “Esta aparente contradição pode ser explicada pela grande e longa imbricação da elite cabo-verdiana com Portugal e com o seu sistema colonial, com o percurso de emigração paralela de portugueses e dos cabo-verdianos, desde os ‘Black Portuguese’ de Rhode Island, nos EUA, às grandes capitais europeias, e também com a ausência de memória das guerras coloniais, sem presença nas ilhas.”
Ao contrário de outros territórios, Cabo Verde não foi palco de conflito armado em larga escala durante a Guerra Colonial, o que contribui para uma memória menos polarizada do processo de independência, moldada sobretudo por ligações culturais, históricas e migratórias com Portugal.
Portugal como parceiro preferencial
Esses laços manifestam-se também na forma como os cabo-verdianos pensam o presente e o futuro das suas relações externas. Entre os países estrangeiros, Portugal surge como o parceiro prioritário para 36% dos inquiridos — o valor mais elevado entre os três países abrangidos pela sondagem.
“Se a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) é considerada muito positivamente em Portugal, Angola e Cabo Verde, este último destaca-se pelas opiniões de que Portugal deve ser prioritário nas relações internacionais do País, demonstrando a grande proximidade política, cultural, económica e humana entre os dois”, observa Costa Pinto.
Um retrato atual a partir da memória e da experiência

A sondagem «50 Anos de Independências — A descolonização portuguesa e os seus legados», desenvolvida pelo CESOP – Universidade Católica Portuguesa, em parceria com a Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril e a RTP, constitui um contributo inédito para compreender como os processos de descolonização e independência são hoje percebidos e debatidos nas sociedades lusófonas. Entre maio e junho de 2025, foram realizados inquéritos em Portugal, Angola e Cabo Verde, com o objetivo de auscultar a forma como os cidadãos destes países encaram esse passado comum, os seus legados e as relações atuais com Portugal. No caso de Cabo Verde, os dados refletem uma sociedade que reconhece a importância da sua soberania, mas que continua a dialogar com o seu passado.
O relatório completo está disponível para consulta em https://50anos25abril.pt/iniciativas/sondagem-a-descolonizacao-portuguesa/
Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril até 2026
As Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril tiveram início em março de 2022 e vão decorrer até 2026. Cada ano foca-se num tema prioritário, tendo como objetivo reforçar a memória e enfatizar a relevância atual destes acontecimentos na construção e afirmação da democracia.
O período inicial das Comemorações foi dedicado aos movimentos sociais e políticos que criaram as condições para o golpe militar. A partir de 2024, revisitam-se os três ‘D’ do Programa do Movimento das Forças Armadas (MFA), em iniciativas que evocam o processo de descolonização, a democratização e o desenvolvimento.