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O Congresso

Cerca de um ano antes da queda da ditadura, entre 4 e 8 de abril de 1973, realizou-se em Aveiro o Terceiro Congresso da Oposição Democrática. Organizado na sequência de outros dois, designados «republicanos», que tiveram lugar na mesma cidade em 1957 e em 1969 – o primeiro a anteceder as disputadas eleições presidenciais de 1958, e o segundo no contexto das legislativas da «primavera marcelista» –, teve como seu principal objetivo a preparação de um programa comum e de listas unitárias, destinadas a enfrentar, na campanha eleitoral para a Assembleia Nacional que decorreria em outubro, as propostas do regime defendidas pela Ação Nacional Popular, denominação puramente cosmética escolhida na época para designar a União Nacional, o partido único fundado em 1932 que sobreviveria até ao final da ditadura. Visou também estimular o recenseamento político para o ato eleitoral.

Apelo à participação no 3º Congresso da Oposição Democrática. Arquivo: CD25A, Comissão Distrital de Aveiro 1973
Proclamação à População do Distrito de Coimbra sobre os objetivos do Congresso. Arquivo: CD25A, Arquivo Especial Militares
Identificação de Congressista. Arquivo: CD25A
Regulamento do Congresso. Arquivo: CD25A, Coleção 3COD

A organização do Congresso procurou agregar boa parte das forças de oposição numa atividade estratégica de combate legal ao Estado Novo. O procurado «unitarismo» do Terceiro Congresso deve, todavia, ser historicamente observado com alguma moderação, de modo a destacar-se o seu louvável papel no enfrentamento do regime sem com isso sobrevalorizar ou mitificar, como por vezes tem acontecido no domínio da análise ou do testemunho, a sua dimensão plenamente agregadora. Na realidade, verificou-se ali uma confluência importante, embora condicionada e não unânime.
Como força mais bem organizada e preparada para o combate ao regime, o Partido Comunista Português hegemonizou o processo, dialogando, na dimensão «frentista» que procurava promover, sobretudo com simpatizantes «companheiros de jornada», com alguns setores que restavam do antigo republicanismo, e com muitos socialistas, então em vias de se organizarem como partido. Ao mesmo tempo, áreas numa dinâmica de crescimento, como segmentos radicalizados do movimento estudantil e dos meios católicos progressistas, organizações da esquerda mais extrema, sobretudo as maoistas, e outros grupos antirregime, bem como cidadãos da área da social-democracia, alguns deles na origem do futuro Movimento de Esquerda Socialista, e intelectuais próximos das novas vanguardas, escassa representatividade tiveram no Congresso.
Ainda assim, durante as sessões ocorreram iniciativas que, mesmo que sem grande êxito, visaram levar ao debate temas cuja abordagem os setores que dirigiram o processo consideravam de excluir naquele espaço concreto, como as formas de resistência à Guerra Colonial, a intervenção dos militares na política, as movimentações estudantis assumidamente antirregime, a organização operária de base e o papel do combate cultural para a fragmentação do regime.

“Profundamente sensibilizado convite presidir Congresso saúdo companheiros consciente da importância deste Congresso para objectivos centrais nossa luta liberdades democráticas povo português independência povos coloniais declaro aberta a sessão “.
Foram estas as primeiras palavras da sessão inaugural do 3º Congresso da Oposição Democrática realizada ontem à noite no Cine-Teatro Avenida. Pronunciou-as o dr. Álvaro Seiça Neves e foram enviadas do exílio, por telegrama, pelo Prof. Rui Luís Gomes, presidente da sessão por vontade unânime da Comissão Nacional.

Inauguração dos trabalhos do Congresso. República, suplemento, 5 de abril de 1973, p. 1. Arquivo: CD25A, Publicações periódicas

Na verdade, o contraditório verificado na preparação, na sequência e nos resultados do Congresso vertidos nas suas atas, bem como junto dos setores que os questionaram, preludiou a diversidade das escolhas políticas na área da esquerda a que a Revolução de Abril viria dar toda a expressão. Ao mesmo tempo, e apesar das divergências enunciadas dentro ou fora do Cine-Teatro de Aveiro, ele atestou a vitalidade da oposição ao regime e a desafetação de um segmento crescente dos cidadãos em relação a um governo que já não respeitavam. A brutal repressão policial que no último dia se abateu sobre a manifestação popular que desceu a Avenida Lourenço Peixinho confirma o receio que o regime estava a sentir perante essa dinâmica.

Os debates que antecederam e integraram o Terceiro Congresso da Oposição Democrática, onde no último dia tentaram ainda participar grupos de jovens esquerdistas interessados em debater a guerra, e estiveram também presentes militares que em breve viriam a estar associados ao MFA, resultaram de preocupações sociais e políticas bem reais, e alimentaram, de alguma forma, as condições subjetivas e objetivas que estiveram na origem da queda do regime.
Meio século depois, este colóquio, da iniciativa da Comissão Comemorativa dos 50 Anos do 25 de Abril, pretende lembrar, contextualizar e interpretar, observando diferentes perspetivas, esse importante momento, que serviu para aprofundar o desgaste do regime e ajudou a amadurecer as diferentes escolhas das correntes de oposição, contribuindo, em consequência, para preparar o derrube do Estado Novo e também, de algum modo, para preparar o intenso combate político que se lhe seguiria.

As Circunstâncias

O Congresso da Oposição Democrática ocorreu num momento complexo da vida nacional, que deve ser considerado para que se possa compreender o facto de a sua organização, independentemente do caráter complexo da sequência e das conclusões da reunião, ter na época recebido uma importante atenção pública.
Desde logo, importa recordar que se vivia uma fase contraditória do regime, quando o ímpeto moderadamente liberalizante da «renovação» inicial do «marcelismo» tinha esmorecido e se assistia, em nome da «continuidade», a um novo endurecimento da censura, da repressão e da linha mais autoritária do regime. Ao mesmo tempo, a sociedade portuguesa mostrava-se permeável a um contexto internacional determinado pela crise energética que afetava a tentada renovação da economia e atingia principalmente os setores mais vulneráveis, de uma forma crescente predispostos a mostrar o seu descontentamento, enquanto a enorme vaga da emigração tendia a alienar um número crescente de cidadãos.

Em 1973, a liberalização anunciada por Marcelo Caetano ao tomar posse como Presidente do Conselho dera lugar ao imobilismo.Arquivo: ANTT
Quinta do Narigão, actual Parque José Gomes Ferreira, em Lisboa. Fotografia de Fernando Cardeira, 1968. Arquivo: Fernando Mariano Cardeira

Ocorriam, entretanto, sobretudo nos ambientes urbanos, transformações, parte delas associadas a alterações no domínio da comunicação e das escolhas culturais, que promoviam um crescente distanciamento dos valores, códigos, práticas e obediências que tinham sido fulcrais na fase de instalação do Estado Novo e que o governo com grandes dificuldades se esforçava ainda por manter. A nova cultura juvenil internacional dos «anos sessenta» tinha-se também instalado em Portugal, enquanto o ambiente estudantil, sobretudo o universitário, se via atravessado por um processo de acentuada politização e de rápida radicalização. A iniciativa de protesto pelos interesses mais corporativos ou sindicais do segmento social estudantil, que nas universidades havia caraterizado um importante movimento de protesto durante a maior parte da década de 60, estava agora a dar lugar a um combate mais frontal e veemente pela democracia, contra o regime e mesmo contra o sistema económico e social dominante.

Desenho de manifestação dos bancários, na rua do ouro, em Lisboa. Arquivo: Joaquim Matos
Ousar Lutar. Ousar Vencer. Órgão do Movimento Associativo dos Estudantes de Direito de Lisboa, n.º 7, 1973. Arquivo: MAS/MB, Arquivo Mário Soares

A evolução da Guerra Colonial, então já com quase doze anos de sequência ininterrupta, dolorosa e sem saída política ou militar, estava também a criar uma forte corrente de desafetação do regime, traduzida no apoio de amplos setores aos movimentos de libertação das colónias, e gerando também um volume elevado e crescente de desertores e de refratários, ou pelo menos de militares que combatiam sem grande convicção, para além de levar a uma grande insatisfação por parte dos jovens mobilizáveis, com três anos de serviço militar obrigatório a cumprir numa guerra que a maioria não entendia, e também das suas famílias. Foi neste contexto de descontentamento, aliás, que naquele mesmo ano de 1973 os militares do Movimento dos Capitães, também insatisfeitos com «o estado a que isto chegou», como lembraria um ano depois Salgueiro Maia, começaram a preparar a iniciativa libertadora que protagonizaram, pondo fim ao regime e terminando de vez com a guerra.

Guerra Colonial. Embarque para as colónias. Cais de Alcântara, 1969. Arquivo: Fernando Mariano Cardeira
Soldados portugueses a combater na Guerra Colonial. s.d. Arquivo Histórico Militar
Cartazes afixado na Capela do Rato, 1972. Fonte: ANTT, Arquivo da PIDE/DGS

O papel do Terceiro Congresso da Oposição Democrática não pode, naturalmente, ser compreendido, na sua efetiva importância, apenas pelo relevante contributo político dos seus debates e conclusões, sem ser associado também, como sinal e fator de dinamização, a um crescente desejo social de mudança e ao complexo ambiente geral de distanciamento do velho Estado Novo e de crescente simpatia por quem, tantas vezes com riscos pessoais, se lhe vinha opondo. Como se pôde ver nas ruas e praças de todo o país logo na manhã desse «dia inicial inteiro e limpo / onde emergimos da noite e do silêncio» que foi o 25 de Abril de 1974.

Divulgação dos trabalhos do Congresso e de Nota Oficiosa do Governo Civil de Aveiro, Diário de Lisboa, 7 de abril de 1973. Arquivo: CD25A, Publicações periódicas
Relatório e Conclusões da 7ª Secção - Organização do Estado e Direitos do Homem, Pág. 1. Arquivo: CD25A, Coleção 3COD

DE CRAVO AO PEITO – 4 ABRIL 2023

O Congresso da Oposição em Aveiro

Entre 4 e 8 de Abril de 1973, reuniram-se milhares de opositores ao Estado Novo para encontrar bases comuns para submeter às eleições desse ano. Foram quase 200 teses a favor da Liberdade e contra a Guerra Colonial.

#50anos25abril