Alfredo Cunha: “Precisamos de lembrar o que foi a ditadura. O 25 de Abril é a nossa referência de liberdade e de democracia.”
O livro «25 de Abril de 1974, Quinta-feira», com fotografias de Alfredo Cunha, é composto por três partes, e reúne registos sobre a Guerra Colonial — com texto de Carlos Matos Gomes, militar de Abril; o Dia 25 de Abril — com texto de Adelino Gomes, repórter que acompanhou os acontecimentos daquele dia; e Depois de Abril — com texto de Fernando Rosas, historiador e protagonista dos anos quentes de 1974–1975.
O fotógrafo, cuja carreira teve início com o 25 de Abril, pretende que esta publicação seja “o ponto de partida para um novo ciclo”, e defende que, 50 anos depois, é necessário recordar o que aconteceu: “Precisamos de lembrar o que foi a ditadura. Parece que o povo está, de certa forma, a esquecer-se do 25 de Abril. E nós não podemos deixar que isso aconteça. O 25 de Abril é a nossa referência de liberdade e de democracia.”
«25 de Abril de 1974, Quinta-feira» é editado pela Tinta-da-china e tem o apoio da Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril.
O que o motivou a editar este livro?
O 25 de Abril foi o início da minha carreira, e eu quero que este livro seja também o encerrar desse ciclo, e o ponto de partida para um novo ciclo.
O que viu de diferente nas suas fotografias quando esteve a selecionar imagens para este livro?
Durante 50 anos, de 10 em 10 anos, celebrei o 25 de Abril de uma forma especial. Mas para preparar estes 50 fui ao Arquivo Nacional Torre do Tombo, vasculhei os meus arquivos, recuperei fotografias até agora inéditas. Porque sei que este é o último livro que vou fazer sobre 25 de Abril, empenhei-me a fundo.
Olhando para aquela quinta-feira de 1974, há algum momento que o tenha marcado em particular?
Foi quando eu estava a fotografar no largo do Carmo e, ao meu lado, há um senhor que começa a gritar: “Liberdade! Liberdade!”. Aí, percebi que já não se tratava de um golpe de Estado, que era já uma revolução, porque havia milhares de pessoas na rua.
No 25 de Abril, tinha 20 anos. Era um jovem fotojornalista. Qual era a sua visão do que estava a acontecer?
Eu era um miúdo. Quando ouvi o comunicado do Movimento das Forças Armadas, estava a ouvir o Riders Under Storm, dos The Doors [risos]. Eu tinha já alguma consciência política – já era de esquerda, já tinha estado na PIDE a ser interrogado – mas não tinha ainda a consciência do que era aquele regime. Só sabia que tinha de fotografar. A única coisa que eu queria era fotografar, fotografar, fotografar, fotografar. Sentia a urgência. Aquele foi, talvez, o dia em que corri mais em toda a minha vida, para ir revelar e imprimir as fotografias.
A consciência do que tinha acontecido só a tive em África, quando assisti ao fim da guerra colonial e às independências dos países africanos.
O dia 25 de Abril de 1974 foi o dia mais feliz da minha vida, mas os anos de 74 e de 75 foram um processo de maturação. Ao mesmo tempo que estava a haver uma festa fantástica em Portugal, estava a haver uma tragédia em África, uma tragédia que o regime anterior podia ter resolvido, mas optou por prolongar.
E prolongou tanto que, quando chegou o 25 de Abril, os soldados não podiam dar nem mais um tiro. A única coisa que era possível era trazer os portugueses para cá. E foi isso que fizemos, e está tudo documentado neste livro.
Parece-lhe que, 50 anos depois, ainda faltava mostrar alguma coisa sobre o fim da ditadura e sobre o início da democracia?
Precisamos de lembrar o que foi a ditadura. Parece que o povo está, de certa forma, a esquecer-se do 25 de Abril. E nós não podemos deixar que isso aconteça. O 25 de Abril é a nossa referência de liberdade e de democracia.
Uma das fotografias que integram o livro é uma fotografia icónica do então capitão Salgueiro Maia. O que pode contar-nos sobre esta imagem?
Esta é uma fotografia cheia de histórias curiosas. Desde logo, porque no dia 25 de Abril foi recusada pelos editores do jornal onde eu trabalhava, porque não se passava nada na imagem. Nos 20 anos de 25 de Abril, em 1994, o Vicente Jorge Silva, então diretor do jornal Público, escreveu um texto com o título «Os olhos do capitão», que está também neste livro. É um texto lindíssimo sobre Salgueiro Maia. A partir daí, a fotografia ganhou uma vida. Já localizei mais de 1000 utilizações na Internet. Outra curiosidade é o facto de existir hoje no largo do Carmo, no local exato onde esta fotografia foi feita, na calçada, uma homenagem a Salgueiro Maia.
Disse que é importante que se fale de democracia e de liberdade. Quando convidou o artista Vhils para trabalhar algumas das suas fotografias, teve a intenção de chegar a uma geração que já nasceu em liberdade?
Esses trabalhos sobre as minhas fotografias são um sinal de liberdade. Sou um fotógrafo clássico, quase neorrealista, no bom sentido da palavra. Nunca tolerei que fizessem um reenquadramento nem uma alteração gráfica numa fotografia minha.
Dar lugar de honra a uma intervenção de um jovem de quem sou muito amigo, o Alexandre Farto (Vhils), foi o máximo sinal de liberdade que eu poderia dar neste livro. Escolhi as imagens e dei-lhe liberdade total.
Como é que escolheu as fotografias que seriam trabalhadas?
As fotografias separam os capítulos do livro.
A capa, que é também o separador da parte dedicada ao 25 de Abril, tinha de ser o Salgueiro Maia. Ele é, para mim, o grande símbolo da liberdade, um dos homens a quem devemos tudo. Num tempo sem heróis, ele é um herói. Para mim, o 25 de Abril é o Salgueiro Maia.
Depois, escolhi um miúdo a cavalo na estátua de D. José, no Terreiro do Paço, em Lisboa. É uma imagem que transmite a ideia de liberdade. É evidente que a liberdade não é só isto, mas também é isto.
A fotografia que inicia o período da Guerra e simboliza aquilo que incomodava os militares portugueses: a forma como as crianças olhavam para eles e a forma como eles olhavam para as crianças. Quisemos introduzir um ponto vermelho, que, sem tornar a imagem violenta, simboliza o sangue e simboliza a guerra. Ao mesmo tempo, é uma imagem bonita, com o verde da savana.
Para a parte dedicada ao pós-25 de Abril, escolhi um operário da Sorefame, na Amadora, porque estes eram os operários que eu via quando era adolescente.
Achei que esta fotografia do operário envolvido pela bandeira nacional era também um símbolo da luta pelos direitos dos trabalhadores.
As Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril têm como propósito contribuir para a discussão sobre os próximos 50 anos de democracia. De que forma este livro se enquadra nesse objetivo?
A virtude deste livro é ser feito por quatro pessoas que viveram os acontecimentos: o Carlos de Matos Gomes viveu 10 anos de guerra colonial. E fala sobre ela, e explica-a. O Adelino Gomes era um antifascista e foi um dos grandes jornalistas deste país. Explica o 25 de Abril pela boca dos protagonistas. O Fernando Rosas, que é historiador e professor universitário, viveu o PREC.