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A última entrevista de Amílcar Cabral à imprensa oposicionista portuguesa

Conferência de imprensa de Amílcar Cabral, em Cuba, a 30 de Julho de 1970. Fonte: Fundação Mário Soares e Maria Barroso

No dia 28 de outubro de 1971, em Londres, dois jovens portugueses entrevistaram Amílcar Cabral, fundador e líder do Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC). Pouco mais de um ano depois, o líder independentista seria assassinado. Esta é, assim, a última entrevista de Cabral a meios oposicionistas portugueses – e uma das últimas que concedeu.

Mais de 50 anos depois dessa conversa, um dos entrevistadores, Pedro George, cedeu a gravação da entrevista à Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril para divulgação.

O então estudante recorda que ele e José Medeiros Ferreira prepararam as perguntas, depois de terem discutido sobre o pensamento do líder independentista. O objetivo era publicar a entrevista em duas revistas dinamizadas por portugueses no exílio: a Polémica, com sede em Genebra, na Suíça, onde vivia então José Medeiros Ferreira, e a Anticolonialismo, com sede em Londres. “A Polémica era mais teórica e a Anticolonialismo mais prática: dava notícias sobre a guerra colonial e entrevistas e textos dos movimentos de libertação, etc.”, recorda Pedro George.

A conversa, que duraria pouco mais de 30 minutos, aconteceu à margem do Trade Union Congress, um encontro de sindicatos em que Amílcar Cabral participou. Os jovens oposicionistas chegaram ao líder independentista através do Committee for Freedom in Mozambique, Angola and Guine, uma “espécie de embaixada dos movimentos de libertação em Londres”, nas palavras de Pedro George. “Esse Comité fazia toda a espécie de trabalhos: de angariação de fundos, de livros, etc. e de ligação com a política inglesa. Tinha relações muito estreitas com os três movimentos de libertação — o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e o PAIGC — e deu-nos a oportunidade de conhecer e conviver com vários desses líderes africanos”, recorda.

A Guerra como facto cultural e fator de cultura 

Nesta entrevista, recorda Pedro George, “Amílcar Cabral debruça-se sobre as relações do PAIGC com o povo português e com os governantes da época, mostrando-se a favor de uma Federação de povos falantes de português, na qual todos tivessem — e ele insiste muito nisso — as mesmíssimas oportunidades.”

Cabral desenvolve também algumas considerações sobre o estado da guerra. “Isso é muito importante porque, na altura, e como todos os militares portugueses sabiam, a guerra na Guiné estava completamente perdida: uma grande parte do território já estava nas mãos do PAIGC, e eles estavam rapidamente a caminho de infligir uma derrota ao exército português.”

O líder independentista aborda também “a questão da guerra como facto cultural e fator de cultura”.

“Esta é uma conceção muito interessante, que coloca o facto de um povo pegar em armas como uma manifestação de identidade e de cultura. Ou seja, de uma cultura que não quer ser subjugada pela do colonizador. Portanto, de uma resistência cultural, que depois passa a ação e é mais do que resistência, é combate”, conclui Pedro George.

#50anos25abril