Em consonância com a ideia geral da épistémologie historique francesa, radicalizada quase ao mesmo tempo por Michel Foucault ao discutir as mudanças descontínuas na épistémè, esta explicação levanta dois grandes desafios. Em primeiro lugar, dado que a ciência, ao contrário de outras produções culturais, parece estar indexada a uma norma de verdade, espera-se uma possibilidade constante de comparar os pontos de vista científicos com referência a essa norma, em oposição à incomparabilidade implicada por relatos que invocam mudanças de paradigmas ou épistémè. Em segundo lugar, embora os “paradigmas” ou épistémé constituam formações de alto nível em comparação com as hipóteses ou teorias, podemos discordar do papel fundamental que Kuhn ou Foucault lhes atribuem no seio das ciências. Depois, se forem consideradas outras unidades de análise da atividade científica, a impressão de uma revolução pode dissipar-se, revelando-se o problema de ter de escolher qual o nível de análise mais relevante para captar a dinâmica científica.
Nesta palestra, Huneman abordará estas duas questões, distinguindo vários tipos de motivação na ciência, particularmente o contraste entre o fio contínuo da influência causal entre cientistas e a relação descontínua da motivação lógica e das incompatibilidades. Focando em exemplos-chave das ciências da vida – por exemplo, a ascensão da “biologia” como ciência autónoma no início do século XIX e as atuais contestações da teoria evolutiva clássica -, argumentará que as «revoluções» que ocorreram ao longo da cadeia de motivação podem, numa análise mais detalhada, ser desmembradas num conjunto de variações conceptuais contínuas e independentes, concluindo, no entanto, que esta análise não elimina o facto de existirem revoluções genuínas, o que constitui uma categoria legítima de análise histórica da ciência.
Tradução simultânea PT/EN e EN/PT