O 25 de Abril “tem de ir ao encontro do imaginário dos miúdos”
Ana Markl ouve histórias sobre o 25 de Abril desde criança e decidiu agora escrever também. Com o livro “Avó, onde é que estavas no 25 de Abril?”, a radialista que madruga na Antena 3 quis transportar os mais novos para memórias antigas, através de uma emocionante viagem numa máquina do tempo. Saber como foi é fundamental para que não aconteça de novo – até porque o papão do fascismo está sempre à espreita.
A dupla memória-futuro é o fio condutor das comemorações oficiais dos 50 anos do 25 de Abril: como pode este eixo ser transposto para a literatura infanto-juvenil?
Quando eu era miúda, não me lembro de ter lido muitos livros infantis sobre o 25 de Abril. Na verdade, não precisava, porque os meus pais (que o viveram, claro) narravam o que se passara naquele dia com tamanho entusiasmo e vividez, que, para mim, era como ouvir um conto de fadas. Havia os vilões fascistas, os heróis soldados, o pormenor dos cravos… Tudo aquilo superava a ficção.
Mas esse eixo memória-futuro não poderá para sempre contar com os testemunhos de quem está vivo, por isso é essencial que essa dimensão apaixonada, quase mítica, do 25 de Abril passe para as crianças nas próximas gerações. Não pode ser só uma linha na História ou uma descrição aborrecida sobre o que aconteceu. Tem de ir ao encontro do imaginário dos miúdos, do que os fascina, da forma como esse dia ressoa – e ressoará, espero eu – em cada passo que dão em liberdade. O papel da literatura infanto-juvenil não pode ser o de exigir aos miúdos que deem valor ao passado, mas sim que sintam esse valor no presente e que sejam transportados à memória como uma emocionante viagem numa máquina do tempo.
Qual a importância de contar o 25 de Abril às crianças e aos jovens?
Precisamente a preservação da memória. Ou melhor: das memórias de cada pessoa que viveu esse tempo. Porque o momento histórico já ninguém o apaga (espero eu), o que é preciso preservar são mesmo os testemunhos que tornam a história apaixonante.
A liberdade e a democracia dão bons livros?
Logo para começar, dão livros. Bons ou maus. E antes dar livros do que queimá-los! De resto, por mais que me pareça um desafio interessante tentar fintar a censura, criar em liberdade é dos maiores prazeres que há. Por outro lado, a liberdade e a democracia são também ótimos temas para reflexão – e, nos tempos que correm, exigem mais reflexão do que nunca. Quando era miúda, o fascismo era uma espécie de papão do passado, uma coisa que tinha ficado lá atrás, tipo Farinha Amparo. Nunca me passou pela cabeça que havia de ser uma ameaça tão presente na minha vida adulta. Por isso, escrevam-se livros, muitos e bons, quantos mais melhor.