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Povo, MFA e Forças Armadas:
entre revolução e democracia (1974-1982)

Por África tinham passado, desde 1961, cerca de 800.000 soldados e os combates tinham provocado milhares de vítimas civis e militares, portugueses e africanos. Como qualquer guerra de guerrilha, esta não tinha solução militar convencional. Além de representar mais de 20% dos gastos do Estado, começara a afetar significativamente a capacidade de recrutamento de oficiais do quadro, o problema que esteve diretamente na origem do MFA. O movimento começou por reunir oficiais para defenderem a sua carreira, que depois concordaram que o fundamental era pôr fim à guerra e ao regime.

As Forças Armadas foram durante décadas um pilar do Estado Novo. Mas este tipo de guerras de guerrilha prolongadas, deram origem, em diferentes países, a graves tensões entre políticos e militares. No caso de Portugal, um número crescente de oficiais temia a repetição do que sucedera com a ocupação indiana de Goa, em 1961: serem culpados por uma derrota previsível.

A operação “Fim de Regime” foi um golpe militar clássico para controlar as sedes dos poderes do Estado e infraestruturas críticas. Planeada e executada por militares, não deve ser ignorada a influência dos opositores civis, que, tinham combatido a ditadura durante décadas de violenta repressão, e deram sinais de renovado vigor com o Congresso de Aveiro, em abril de 1973, de onde saiu a tese dos três Ds: Descolonizar, Democratizar, Desenvolver, incorporada no Programa do MFA.

No final do dia 25 de abril, a RTP transmitiu imagens da Junta de Salvação Nacional órgão máximo de uma nova estrutura provisória de poder militar e político, mas as grandes questões sobre o futuro continuavam por responder.

Nos meses seguintes, assistiu-se a uma multiplicação de propostas alternativas para o futuro do país, tendo o MFA acabado por assumir um papel militar e político preponderante, o que conduziu a um longo processo de transição para uma democracia plena no modelo da Europa Ocidental, concluído em 1982.

Este dossiê conta a história desta transição, marcada por dois períodos distintos:
I) Revolução (1974-1975)
II) Transição para a democracia plena (1976-1982)

Apesar dos apelos dos militares revoltosos para que a população ficasse em casa, as ruas de Lisboa encheram-se. A adesão popular foi importante. Foi também um sinal de que rapidamente se passaria do golpe para a revolução. O Programa do MFA era de corte com a ditadura. Mesmo antes de ser divulgado deixou de funcionar a censura. O 25 de Abril de 1974 marcou o fim da maior parte das restrições às liberdades e levou a uma verdadeira explosão de movimentos de todo o tipo.

A 1 de Maio de 1974, assistiu-se a uma mobilização massiva de apoio à mudança de regime por todo o país. Começaram a ouvir-se palavras de ordem como: “nem mais um soldado para as colónias”, ou, “o povo unido jamais será vencido”. Mas havia muitas outras que revelavam ambições desencontradas quanto ao futuro. Estaria o povo verdadeiramente unido e quem podia legitimamente falar em seu nome?

A primeira grande questão era a guerra e o futuro das colónias. Derrotado nesta disputa, o Presidente Spínola demitiu-se, em setembro de 1974, numa vitória para a coordenadora do MFA e dos que defendiam um acordo rápido com os movimentos independentistas.

O golpe spinolista falhado de 11 de Março de 1975, levou a uma aceleração revolucionária. Também consagrou o MFA como a principal autoridade política e militar, com a criação do Conselho da Revolução. Os partidos foram confrontados com um facto consumado, mas acabaram por assinar o Pacto MFA-Partidos, para garantir a realização de eleições para a Assembleia Constituinte a 25 de abril de 1975.

O escrutínio exigiu um enorme esforço organizativo, mas permitiu aferir o real apoio popular dos diferentes partidos.  A legitimidade revolucionária que, em última análise, assentava nas armas, passou a competir com a legitimidade democrática dos votos de 92% dos recenseados. A primavera, o verão e o outono de 1975 ficaram marcados por um choque crescente que ameaçou dividir o país em dois. O 25 de Novembro de 1975 veio acabar com este confronto e abrir caminho para uma nova fase da transição.

O confronto de diferentes forças militares e setores civis que culminou no 25 de Novembro de 1975 resultou na vitória dos que valorizavam a legitimidade democrática, mas isso implicou o apoio armado dos oficiais mais moderados do MFA, pelo que a legitimidade revolucionária não desapareceu completamente. Daqui resultou uma renegociação do “Pacto MFA-Partidos” com alterações relevantes: o desaparecimento da Assembleia do MFA e a eleição do Presidente da República por sufrágio direto e universal. No entanto, o Conselho da Revolução continuava a ter extensos poderes no domínio militar (exclusivo da competência para legislar sobre as Forças Armadas e de aprovar tratados internacionais que as implicassem). A nível político cabiam-lhe importantes funções de tutela (como garante do cumprimento da Constituição e “da fidelidade ao espírito da revolução”, pronunciando-se sobre a constitucionalidade das leis).

No dia 2 de abril de 1976, a Constituição foi aprovada por todos os partidos com representação parlamentar, com exceção do CDS, que discordava sobretudo do preâmbulo com a sua preferência por uma «sociedade socialista» .

Portugal entrou então no primeiro grande ciclo eleitoral do novo regime que mostrou o apoio da grande maioria à aposta num regime de democracia pluralista e representativa.

Apesar da instabilidade política, entre 1976 e 1979, a jovem democracia foi-se consolidando. Foram testadas várias soluções de governo, e assistiu-se a uma institucionalização do protesto social.

A vitória do centro-direita coligado na Aliança Democrática nas eleições intercalares de 1979 representou um marco histórico de alternância democrática pacífica.

Na primavera de 1982, os partidos que constituíam a AD chegaram a um acordo com o Partido Socialista para rever a Constituição. Em agosto desse ano, 195 deputados num total de 250 aprovaram alterações que iriam pôr fim a qualquer forma de tutela militar. Em outubro de 1982 foi aprovada a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas que atribuía ao governo a definição das linhas gerais da política de defesa, e estabelecia que a Assembleia da República e o governo passariam a ser responsáveis pela elaboração de legislação militar. Ficava assim garantido o regresso dos militares aos quartéis e a subordinação das armas, ao poder civil escolhido através das urnas.

Em janeiro de 1986, Portugal tornou-se membro de pleno direito da da Comunidade Económica Europeia (CEE) e dois meses depois, Mário Soares tomou posse como o primeiro Presidente da República civil desde o 28 de Maio de 1926.

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