A 26 de abril de 1974, num gesto de repúdio pela ausência da liberdade de imprensa, as instalações dos serviços de censura, à Rua da Misericórdia, em Lisboa, foram objeto de um assalto popular. E, como seria expetável, os revolucionários de Abril trataram de abolir de imediato a censura. Tinham passado 48 anos sobre o momento em que fora instaurada.
Até à criação de um novo enquadramento legal para as publicações periódicas e à consagração da liberdade de imprensa na Constituição de 1976, viveram-se momentos conturbados nos meios de comunicação social.

25 de Abril de 1974. Fotografia de Alfredo Cunha.
Títulos conotados com o anterior regime, como a Época (diário oficioso da Ação Nacional Popular) ou o Novidades (órgão do Episcopado Português), foram extintos.
Certas direções, acusadas de colaboracionismo com regime anterior, foram substituídas, acarretando mudanças editoriais que visavam apoiar os novos poderes instituídos.
Foram também tempos em que as recém-criadas comissões de trabalhadores passaram a ter voz ativa na gestão das empresas jornalísticas e dos jornais. Conflitos entre os proprietários e as comissões de trabalhadores levaram à suspensão de alguns periódicos, com foi o caso d’O Século, cujos trabalhadores, logo em meados do mês de maio de 1974, reclamavam a participação na gestão do jornal.


Estes e outros conflitos decorriam de diferentes conceções de liberdade de imprensa, designadamente:
• a dos que pretendiam o regresso da ditadura;
• a dos que defendiam conceções socioeconómicas de pendor marxista;
• a dos partidários de uma democracia de tipo liberal, para quem os órgãos de comunicação social deveriam ser apenas limitados pelo direito e a ação do sistema judicial.
Apesar da agitação verificada no setor, o crescimento do número de leitores de jornais foi exponencial, assistindo-se ao aumento abrupto das tiragens, sendo o Expresso aquele que publicava maior número de exemplares (130.000 mil), embora o matutino de maior tiragem fosse o Diário de Notícias. Segundo o Conselho de Imprensa, sobretudo durante o «Verão Quente», «foi espetacular a subida de tiragens e de vendas dos principais jornais …». Não surpreende assim que muitas câmaras fotográficas que deambularam pela cidade de Lisboa durante o período tenham registado aqueles momentos em que os cidadãos portugueses, civis e militares, se encontravam, na rua, a ler jornais.

Largo do Carmo, 25 de abril de 1974. Fotografia de Álvaro Tavares e José Tavares. Fonte: Associação 25 de Abril.
O programa do Movimento das Forças Armadas determinava o fim da censura e do exame prévio e a «liberdade de expressão e pensamento sob qualquer forma». No entanto, previa a criação de uma Comissão Ad Hoc para controlar a imprensa, a rádio, a televisão e o cinema, subordinada diretamente à Junta de Salvação Nacional (JSN). Tinha por objetivo garantir o sigilo militar e «evitar perturbações na opinião pública, causadas por agressões ideológicas dos meios mais reacionários». A 20 de junho de 1974, foi publicado um decreto que autorizava a sua nomeação pela JSN. A existência da Comissão deveria manter-se apenas até que nova legislação para os meios de comunicação social fosse aprovada.
Excerto de versão anotada do Programa do Movimento das Forças Armadas Portuguesas, 26 de abril de 1974. Fonte: AHPR



A Comissão podia aplicar multas até 500 mil escudos e suspender, até ao máximo de sessenta dias, os jornais que cometessem infrações contra o Programa do MFA e a Lei Constitucional 3/74, de 14 de maio, que estabelecia a estrutura de governo do país.
Nomeada ainda no mês de junho, a Comissão foi sempre olhada com desconfiança pelos jornalistas, o seu sindicato e os partidos políticos, que a viam como uma tentativa de restabelecimento da recém-abolida censura.
A sua atuação dependeu dos equilíbrios político-militares em presença, que a utilizaram como uma arma política.
Na sua fase spinolista, José Saldanha Sanchez, diretor interino do semanário do MRPP Luta Popular, seria detido, seguindo-se depois, a 5 de agosto, a suspensão do jornal.
O relevo dado pelos jornais República, A Capital e Diário de Lisboa a uma manifestação da extrema-esquerda exigindo o fim da luta armada nas colónias estaria na origem da suspensão, a 31 de julho, dos três títulos, o primeiro suspenso por um dia, os dois restantes por dois dias. A decisão foi tomada pelo Presidente da República, sem base legal nem consulta à Comissão Ad Hoc. Em consequência, os sete oficiais das Forças Armadas que a compunham demitiram-se. A contestação pública a esta medida acabaria por levar ao levantamento das sanções.
Manifestação no Rossio, em Lisboa, contra a Guerra Colonial, organizada pelo MRPP, 26 de abril de 1974. Fotografia de Mário Varela Gomes. Fonte: FMSMB