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Durante o Estado Novo, o jornal República deu voz à oposição democrática. Após a Revolução de Abril, seria o primeiro título da imprensa a ser publicado sem censura. Os conflitos laborais disputados no interior do jornal haveriam de trazê-lo para a ribalta política.

Jornal do Caso República, 3 de junho de 1975. Fonte: FMSMB, AHPS Jornal do Caso República, 3 de junho de 1975. Fonte: FMSMB, AHPS
Redação do jornal República, 12 de fevereiro de 1975. Fonte: Arquivos Nacionais dos Países Baixos Redação do jornal República, 12 de fevereiro de 1975. Fonte: Arquivos Nacionais dos Países Baixos

Estes consistiram numa crise desencadeada a 19 de maio de 1975 pela decisão da comissão coordenadora dos trabalhadores de demitir o seu diretor, Raul Rego, o diretor-adjunto, Vítor Direito, e o chefe de redação, João Gomes. Os três eram acusados de serem porta-vozes do PS.

Por nomeação da comissão de trabalhadores – composta na sua maioria por gráficos (próximos da UDP), administrativos e comerciais –, Álvaro Belo Marques, trabalhador administrativo do jornal, substituiu Raul Rego na direção do periódico.

A maioria dos jornalistas viria a opor-se à decisão, considerando que ela «amordaçava as vozes livres, senão as mais livres, do país». Rego e outros jornalistas que com ele se solidarizaram foram impedidos de sair das instalações do jornal.

Manifestação junto ao jornal República. Lisboa, 22 de maio de 1975. Fonte: ANTT Manifestação junto ao jornal República. Lisboa, 22 de maio de 1975. Fonte: ANTT

Na sequência deste episódio, o PS emitiu um comunicado considerando o sucedido um ataque à liberdade de expressão. Deu-se também uma concentração junto às instalações do jornal, onde houve confrontos físicos. Entre a multidão, ouvia-se: «O República é do povo, não é de Moscovo».

Na madrugada seguinte, o comandante Jorge Correia Jesuíno, ministro da Comunicação Social, fez evacuar os tipógrafos e libertar os jornalistas. Ordenou ainda que o jornal fosse selado e os manifestantes dispersos.

Caso República, 19 de maio de 1975.Fotografias de Inácio Ludgero. Fonte: FMSMB, Fundo Inácio Ludgero Caso República, 19 de maio de 1975.Fotografias de Inácio Ludgero. Fonte: FMSMB, Fundo Inácio Ludgero

Em protesto contra a sucedido, o PS convocou uma manifestação para dia 22, acusando o PCP de estar na origem da crise e os militares de aprovarem atos ilegais. Na ocasião, Mário Soares afirmou ao megafone: «o 25 de Abril foi feito para acabar com uma ditadura e não para nos vir impor outra».

Se primeiramente a posição do Conselho de Imprensa é de certo modo ambígua, no dia 27 de maio este denuncia o que considera ser uma violação da Lei de Imprensa, pois a direção do jornal havia sido demitida pela Comissão de Trabalhadores e um número do jornal publicado sob a direção (interina) de Álvaro Belo Marques, o que era ilegítimo. Porém, a ambiguidade mantém-se quando, na sua tomada de posição, aponta o facto de a legislação não regular a participação dos trabalhadores na linha editorial do jornal.

Ainda finais de maio, o Conselho da Revolução tenta mediar a contenda, convocando o PS e o PCP separadamente. Depois desta e de outras diligências, a 6 de junho o Conselho da Revolução comprometeu-se a devolver o jornal aos proprietários e a repor a antiga direção. Como contrapartida, o PS comprometeu-se a regressar ao Governo assim que a situação do República se normalizasse.

Já Otelo Saraiva de Carvalho, comandante do COPCON, declarou que, no Caso República, não podia aplicar a Lei de Imprensa, pois a mesma havia sido «ultrapassada pelo processo revolucionário». Segundo Mário Mesquita, foi com a sua conivência que a 10 de julho o República voltou a ser publicado, mas sob a direção de um militar, o coronel Pereira de Carvalho, e com uma redação predominantemente de extrema-esquerda. Nesse dia, os ministros do PS demitiram-se em protesto e, a 16 de julho, são seguidos pelos ministros do PPD. Cai então o IV Governo Constitucional. Os jornalistas afastados do República fundam, a 25 de agosto, o jornal A Luta.

Os contornos do Caso República não são claros. É certo que o PCP negou o seu envolvimento. E é também certo que o PS soube tirar dividendos desta crise, transformando o episódio em bandeira da liberdade e numa oportunidade para enfraquecer o PCP e os órgãos revolucionários. O PS acabara de vencer as eleições para a Assembleia Constituinte e reclama a sua legitimidade eleitoral em detrimento da legitimidade dos órgãos revolucionários. É, para muitos, o início da rutura do PS com o poder militar gonçalvista.

#50anos25abril