As primeiras eleições livres realizadas em Portugal (abril de 1975) e em Espanha (junho de 1977) em mais de 40 anos constituíram um marco fundamental na construção da democracia. Sinal claro do empenho de portugueses e espanhóis na construção da democracia, a participação eleitoral foi muito elevada em ambos os países, especialmente em Portugal (91%) onde, ao contrário de Espanha, todos os homens e mulheres maiores de idade tiveram direito de voto pela primeira vez.
As eleições desenharam dois países politicamente distintos. Em Portugal, houve uma ampla maioria de esquerda (na qual eram maioritários os socialistas), com a direita a representar cerca de um terço dos votos. Em Espanha, verificou-se um equilíbrio entre as esquerdas, por um lado, e o partido do governo (UCD) e a direita pós-Franco, por outro, enquanto na Catalunha e no País Basco emergiram contextos eleitorais diferentes.
Apesar dos dois anos e meio que separaram a aprovação das duas constituições (abril de 1976, dezembro de 1978) e das diferenças entre os dois processos de democratização e entre os dois textos constitucionais, ambos foram aprovados por uma maioria muito ampla (em Espanha também por referendo), de que se excluiu sobretudo a parte mais radical das direitas portuguesa e espanhola.
A 25 de Abril de 1975, um ano após o derrube da ditadura, realizam-se as primeiras eleições livres, por sufrágio direto e universal. São as mais concorridas e participadas eleições da história da democracia portuguesa, com uma afluência de 92% dos cidadãos recenseados, sendo a primeira vez na história em que todos os portugueses, mulheres e homens, maiores de 18 anos tinham o direito de voto. Momento central da história da Revolução portuguesa, o processo eleitoral foi minuciosamente preparado e debatido.
O programa do MFA era bem claro a este respeito determinando a “convocação, no prazo de 12 meses, de uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita por sufrágio universal, direto e secreto, segundo Lei Eleitoral a elaborar pelo futuro Governo Provisório”. No entanto, o processo não esteve isento de obstáculos, designadamente quando, poucos meses depois do 25 de Abril, António de Spínola procurou adiar estas eleições e fazer aprovar, em referendo, uma Constituição provisória (que no fundo substituiria o Programa do MFA). O seu plano nunca se concretizou e Spínola teve de abandonar a Presidência da República sete meses antes das eleições.
As eleições têm os seguintes resultados: PS – 37,9% dos votos, conseguindo eleger 116 dos 250 deputados da Assembleia; PPD – 26,4% e 81 deputados; PCP – 12,5% e 30 deputados; CDS – 7,6%, 16 deputados. MDP/CDE – 4,1% e 5 deputados; finalmente, a UDP e a ADIM (Macau) elegeram um deputado cada um.
A Constituição da República Portuguesa (CRP) foi aprovada a 2 de abril de 1976 pela Assembleia Constituinte. Contou com os votos a favor do PS, PPD, PCP, MDP/CDE, UDP e do deputado da ADIM (Macau), sendo o CDS (com apenas 16 dos 250 deputados da Assembleia) o único partido que votou contra. A CRP consagrou a liberdade e direitos fundamentais, e, na sua versão inicial, aprovada em 1976, apontava para a transição para o socialismo, a nacionalização dos principais meios de produção e, respeitando a herança do MFA, mantinha o Conselho da Revolução, por um “período transitório”, como órgão de soberania com competências na área militar e na verificação da constitucionalidade das leis.
Desde que foi aprovada passou por sete processos de revisão constitucional: em 1982, 1989, 1992, 1997, 2001, 2004 e 2005. Três delas centraram-se em questões estruturais da CRP, as outras quatro, mais curtas, relacionaram-se apenas com a adesão a tratados internacionais.
A primeira, em 1982, procurou diminuir a identidade ideológica que a CRP teve desde a sua origem e redefinir as estruturas do exercício do poder político, sendo extinto o Conselho da Revolução e criado o Tribunal Constitucional. A segunda, em 1989, foi a que mais alterou a agenda económica e social herdada do 25 de Abril, eliminando a obrigatoriedade da manutenção das nacionalizações e as referências à Reforma Agrária e ao controlo operário na gestão das empresas.
A sétima e mais recente, em 2005, permitiu a realização do referendo sobre a aprovação de tratado que vise a construção e o aprofundamento da União Europeia, através do aditamento de um novo artigo. Tal referendo, contudo, nunca se realizou.
Capa da revista espanhola Triunfo com o colorido dos símbolos dos partidos políticos que se formaram depois da revolução do 25 de Abril de 1974, dos quais catorze concorreram às eleições para a Assembleia Constituinte.
Durante os 48 anos de ditadura, os partidos políticos estavam proibidos. O regime tinha um partido único, a União Nacional, que no marcelismo se passou a chamar Ação Nacional Popular. Segundo Salazar, para representar o pluralismo útil na sociedade bastava o Conselho de Ministros. No período posterior à Segunda Guerra Mundial, o regime viu-se na necessidade de permitir que candidaturas “independentes” (isto é, que não podiam representar partido algum da oposição por estes serem todos ilegais) se apresentassem ao simulacro de eleições que se convocavam regularmente, com os resultados devidamente manipulados.
Fortemente controladas e reprimidas pelos aparelhos de repressão, forças da oposição, como as Comissões Democráticas Eleitorais (CDEs, que reuniam comunistas, católicos progressistas e socialistas independentes) e a Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD, dirigida por Mário Soares) apresentaram-se às primeiras eleições do marcelismo, em 1969. Mas mesmo essas “eleições” fraudulentas se mostraram perigosas para o regime. A mobilização popular que a candidatura de Humberto Delgado à presidência (1958) conseguiu mobilizar levou Salazar a acabar com eleições diretas para a Presidência da República e passar a escolher o Presidente da República num colégio eleitoral constituído por representantes do partido único.
A Revolução permitiu, desde logo, a legalização dos partidos políticos da resistência, o PCP (criado em 1921) e, na sua fase final, o PS (1973), e a criação de dezenas de outros partidos.
Um mês depois da legalização do PCE (abril de 1977), Dolores Ibárruri, a Pasionaria, regressa a Espanha depois de 38 anos no exílio. Nascida em Gallarta (País Basco), foi acolhida na sua terra de origem com um “ongi etorri” (“bem vinda”). Em junho seria eleita deputada.
Convocadas eleições para 15 de junho de 1977, Adolfo Suárez, que tinha acabado de dissolver o partido único do franquismo (que ele próprio dirigira), ganhou as eleições à frente da União do Centro Democrático, uma coligação de vários pequenos partidos do centro e da direita.
Convocadas eleições para 15 de junho de 1977, os vários partidos foram-se preparando para a primeira campanha eleitoral que se realizava em Espanha com um mínimo de condições de liberdade e de transparência legal e administrativa desde 1936. Antes de mais, era necessário dissolver o partido único da ditadura, a FET y de las JONS, a que o regime gostava mais de chamar Movimiento Nacional. Suárez tinha-se oposto ainda em 1976 à dissolução do partido que ele próprio dirigira até passar a presidir ao Governo, em julho de 1976, mas a 1 de abril de 1977 assinou o decreto que, reestruturando a Secretaria-Geral do Movimento, objetivamente dissolvia o partido único enquanto tal, transferindo, contudo, os seus funcionários para diversos serviços do Estado.
Se os comunistas chegavam tarde à preparação da campanha eleitoral em condições de legalidade, apresentando-se como Partido Socialista Unificado da Catalunha (PSUC) nas quatro províncias catalães e como PCE no resto de Espanha, o PSOE, liderado desde 1974 por Felipe González (depois de este derrotar no Congresso de Suresnes, França, o setor “histórico”), pudera já realizar em dezembro de 1976 um congresso em Madrid. O “novo” PSOE não conseguiria, contudo, unificar o espaço socialista antes das eleições. Recusando a proposta de Tierno Galván de constituir uma coligação com os setores que este congregava, Tierno apresentou-se às eleições com um partido autónomo, o Partido Socialista Popular (PSP). À direita, Manuel Fraga apresentou-se à frente da Aliança Popular (AP).
No espaço do centro-direita não se havia conseguido ainda constituir um polo político com um mínimo de consistência entre setores muito diversos do universo dos reformistas do franquismo e dos grupos da oposição moderada à ditadura que não haviam participado nas alianças dos partidos antifranquistas. O processo iniciou-se em janeiro de 1977, por iniciativa do que na altura se chamava Partido Popular, dirigido por José María de Areilza e Pío Cabanillas, que conseguiu agregar uma série de pequenos partidos, entretanto criados, em torno de uma coligação com o nome de Centro Democrático (CD). Pelo seu lado, os setores mais avançados da democracia-cristã, dirigidos por um exministro de Franco (Joaquín Ruiz-Giménez) que havia rompido com a ditadura, recusaram-se a convergir com os reformistas do franquismo que, também eles, se autodescreviam como democratas-cristãos, mas que se encaminhariam para o CD. O seu resultado eleitoral foi uma enorme deceção (1,2% dos votos).
Adolfo Suárez ainda não se havia comprometido com nenhuma opção partidária e rapidamente se quis colocar à frente do novo CD, mudando-lhe o nome para União do Centro Democrático (UCD) e depurando-o da figura que nele mais se havia destacado (Areilza). A UCD constituiu-se como “partido-arquipélago, cuja ata de constituição estava subscrita por nada menos que quinze partidos, dez deles de caráter estatal e outros cinco regionais” (Javier Tusell, Historia de España, vol. 4, “La Transición democrática y el gobierno socialista”). Como é visível no autocolante acima exibido, o que ajudava a cimentar a unidade da UCD era o facto de ser o partido do Governo, fazendo com que a UCD se apresentasse às eleições como o partido do “Presidente Suárez”.
Os resultados das eleições de 15 de junho de 1977 revelaram um país dividido de forma praticamente equilibrada entre as esquerdas (PSOE, 29,3% dos votos, 118 deputados no Congresso; PCE/PSUC, 9,3%, 20 deputados; PSP, 4,5%, 6 deputados), por um lado, e o partido do governo (UCD, 34,4% 165 deputados) e a AP (8,3%, 16 deputados), por outro. O sistema eleitoral favoreceu enormemente a representação parlamentar da UCD a partir, sobretudo, da sobrerrepresentação das províncias menos urbanas. Quer na Catalunha, quer no País Basco, emergiram contextos eleitorais diferentes, em ambos os casos com uma forte representação dos partidos nacionalistas de centro-direita (Pacto Democrático pela Catalunha, dirigido por Jordi Pujol, 16,8% dos votos na Catalunha, 11 deputados, e o Partido Nacionalista Basco, PNV, 29.4% dos votos no País Basco, 9 deputados) e de esquerda (coligação Esquerda da Catalunha, cuja principal componente era a histórica Esquerda Republicana da Catalunha, com 4,5% e 1 deputado, e a Esquerda Basca – Euskadiko Ezkerra -, com 6,1% dos votos bascos, 1 deputado). Na Catalunha havia uma clara maioria de esquerda, com PSOE e PSUC mais votados que PDPC e UCD; no País Basco, o PNV venceu as eleições, o que voltaria a fazer na grande maioria dos atos eleitorais dos 45 anos seguintes.
A nova Constituição foi aprovada a 31 de outubro de 1978 por maioria esmagadora (UCD, PSOE, PCE, Minoria Catalã) e o voto contra de parte da direita pós-franquista (AP) e de um independentista basco. Submetida a referendo popular (6 de dezembro), foi aprovada por 88% dos 2/3 de votantes.