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O processo de descolonização de Cabo Verde nasce intimamente associado ao da Guiné, em virtude da existência de um movimento de libertação comum, o PAIGC. De facto, a luta pela libertação de Cabo Verde foi travada nas matas e bolanhas da Guiné, onde combateram muitos cabo-verdianos, alguns nas funções de maior relevo no partido.

Quando das negociações para a independência da Guiné, Cabo Verde esteve sempre presente na agenda em discussão, obtendo o PAIGC que no texto ficasse exarado o direito de Cabo Verde à autodeterminação e independência e conseguindo Portugal a aceitação de que essas negociações teriam um tratamento separado.

A importante comunidade cabo-verdiana na Guiné e as afinidades culturais entre ambos os povos pesaram decisivamente na opção africana da sua luta de libertação. Desde o movimento Claridade, dos anos 40, que entre os cabo-verdianos se travava um conflito cultural entre as suas raízes africana e europeia. Os «claridosos», com um papel de relevo na consolidação de uma consciência nacional cabo-verdiana, nunca acreditaram na viabilidade da independência, aceitando o fatalismo da sua dependência europeia. Foi o PAIGC que, a partir da década de 50, ousou relacionar a libertação com uma opção africana.

O 25 de Abril leva a Cabo Verde uma certa agitação política e social, a que não é estranho o aparecimento de vários grupos políticos.

O PAIGC, enquanto a sua atividade esteve proibida, sai da clandestinidade através do Grupo de Ação Democrática de Cabo Verde e Guiné e da Frente Ampla de Resistência Nacional, que rejeitavam as propostas de Lisboa de federalismo e referendo, exigindo a independência do arquipélago e o reconhecimento do PAIGC, na linha da Resolução A/2918 (XXVII), de 14 de novembro de 1972, da Assembleia Geral da ONU, que referia este partido como «representante único e autêntico do povo da Guiné e Cabo Verde». Mas nos primeiros dias de maio de 1974 a cidade da Praia assiste a uma manifestação contra o PAIGC, prelúdio do aparecimento da União Democrática de Cabo Verde (UDCV) e da União do Povo das Ilhas de Cabo Verde (UPICV). O primeiro, abertamente contra a independência, admitindo soluções federalistas com Portugal, nunca conquistou apoios visíveis. O segundo, acusando o PAIGC de pretender a anexação de Cabo Verde pela Guiné, reivindicava uma independência separada. Ambos tiveram curta duração, apesar do apoio que recolhiam na rádio e em algumas estruturas locais.

As negociações para o reconhecimento da República da Guiné-Bissau e as conversações com o secretário-geral da ONU em Lisboa deixaram claro que o caminho para a descolonização de Cabo Verde passava pela negociação com o PAIGC, na base do reconhecimento do direito à autodeterminação e independência.

«A União com a Guiné Bissau significa anexação! Viva a independência total!», panfleto da UPICV, s.d. «A União com a Guiné Bissau significa anexação! Viva a independência total!», panfleto da UPICV, s.d.

 

O primeiro governador nomeado pela JSN, Silva Horta, tomou posse em 7 de agosto de 1974, mas só permaneceu no cargo cerca de 30 dias. Na base da sua exoneração esteve uma manifestação contra Spínola, quando este aterrou no Sal para as conversações com Mobutu. Os jovens manifestantes tinham viajado da cidade da Praia no mesmo avião do governador, o que o Presidente da República não desculpou.

O novo governador, Sérgio Duarte da Fonseca, tomou posse em 21 de setembro. Natural de Cabo Verde, onde tinha já participado num governo anterior ao 25 de Abril, revelou-se hostil ao MFA, ao PAIGC e à marcha para a independência, que, quando tomou posse, se mostrava já irreversível.

O clima de instabilidade então vivido deu lugar a alguma agitação social e mesmo a confrontações com forças militares, mas sem grande significado.

«Cabo Verde, descolonização bloqueada«, Vida Mundial, n.º 1835, 14 de novembro de 1974. «Cabo Verde, descolonização bloqueada«, Vida Mundial, n.º 1835, 14 de novembro de 1974.

Depois do 28 de Setembro, consumados os acordos para a Guiné e Moçambique, o processo de Cabo Verde ganhou nova dinâmica. O ministro Almeida Santos, em 3 de dezembro, definia na Assembleia Geral da ONU as linhas gerais da posição portuguesa, que passava pela eleição de uma assembleia com poderes soberanos e constituintes, a quem seria entregue o poder. Nesta base, Almeida Santos chega a um acordo com Pedro Pires, destacado dirigente do PAIGC, que vem a ser formalizado em 19 de dezembro de 1974, em Lisboa, por delegações de ambas as partes, sendo a portuguesa constituída pelos ministros Melo Antunes, Mário Soares e Almeida Santos. Este acordo nunca chegou a ser publicado no Diário do Governo, provavelmente porque antes da sua formalização já tinha sido publicado o Estatuto Orgânico de Cabo Verde para o período de transição (Lei n.º 13/74, de 17 de dezembro), que acolhia, na quase totalidade, o texto do acordo.

 

O presidente da República recebe em Lisboa uma delegação do PAIGC para tratar do futuro político de Cabo Verde, 15 de novembro de 1974. Fonte: ANTT, SNI
O Presidente da República recebe em Lisboa uma delegação do PAIGC para tratar do futuro político de Cabo Verde, 15 de novembro de 1974. Fonte: ANTT, SNI

Nos termos do acordo, Portugal reafirma o direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência e são definidos os órgãos de representação e de governo:

  • Um alto-comissário com a categoria de primeiro-ministro, nomeado e exonerado pelo Presidente da República, a quem compete representar a soberania portuguesa e que é o comandante-chefe as forças armadas;

  • Um governo de transição que, além do alto-comissário, teria cinco ministros, três escolhidos pelo PAIGC e dois pelo Presidente da República, competindo-lhe a totalidade dos poderes legislativo e executivo.

O governo teria de executar as operações para a eleição, por sufrágio direto e universal, em 30 de junho de 1975, de uma assembleia representativa, dotada de poderes soberanos e constituintes, que declararia a independência do país em 5 de julho de 1975 e posteriormente elaboraria a sua constituição.
O acordo estipulava ainda que as duas partes regulariam a redução gradual das forças militares portuguesas, até ao seu regresso total. O Estatuto Orgânico só ia mais além no que se refere à criação de um Conselho de Defesa e Segurança, do qual faziam parte o alto-comissário, os ministros e os comandantes dos três ramos das forças armadas.

A fase de transferência do poder em Cabo Verde caracterizou-se assim por uma natureza mista: reconhecimento de um interlocutor único, mas garantia de uma consulta eleitoral para os representantes do povo, a quem seria entregue a soberania do novo Estado.

O alto-comissário Almeida de Eça e o governo de transição tomaram posse em 18 de dezembro de 1974.

Quatro meses mais tarde, foi publicada a lei eleitoral (Decreto-lei 203-A/75, de 15 de abril). Seriam eleitos 56 deputados – um para cada 3000 eleitores –, sendo as listas apresentadas por grupos de cidadãos, e não por partidos políticos.

O recenseamento registou 121 000 inscritos, o que foi considerado um número elevado. Nas eleições, que decorreram na data marcada, a afluência foi superior a 90% dos eleitores inscritos. A lista única foi eleita por mais de 90% dos votos entrados nas urnas e era dominada pela influência do PAIGC, então com uma implantação no arquipélago quase generalizada.

Em 5 de julho, a Assembleia Nacional proclamou solenemente a independência do Estado.

Mário Pinto de Andrade no acto da proclamação da independência de Cabo Verde, em São Vicente, 7 de julho de 1975. Fonte: FMSMB, DAC
Manuel dos Santos (Manecas), Pedro Pires, Aristides Pereira e Silvino da Luz, após a independência de Cabo Verde, 7 de julho de 1975. Fonte: FMSMB, DAC Manuel dos Santos (Manecas), Pedro Pires, Aristides Pereira e Silvino da Luz, após a independência de Cabo Verde, 7 de julho de 1975. Fonte: FMSMB, DAC

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