Skip to main content

A Guiné, primeira etapa do processo de negociações, apresentava várias especificidades:

  • Exigência do reconhecimento de um Estado soberano, o que ultrapassava as formulações elaboradas pelo MFA e por outros responsáveis políticos;

  • Situação militar desfavorável para Portugal, admitindo-se a possibilidade de uma derrota;

  • MFA, desde a sua origem, forte e bem estruturado;

  • Spínola empenhara-se ali num projeto pessoal enquanto governador, que tentou continuar depois do 25 de Abril;

  • Ligação natural ao problema de Cabo Verde pelo facto de o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), único interlocutor com legitimidade revolucionária inquestionável, ser um partido comum aos dois territórios.

Carlos Fabião é designado delegado da Junta de Salvação Nacional (JSN) para a Guiné e chega a Bissau em 7 de maio. Homem do MFA desde a primeira hora, era porventura o militar português com maior experiência da Guiné e tinha a confiança de Spínola. Era a escolha exata.

Desde os seus primeiros contactos, Fabião compreendeu a nova realidade guineense e como eram utópicas as diretivas de Spínola de dar continuidade ao seu projeto político. A situação social começou a acusar alguma instabilidade e enquanto as forças armadas portuguesas se remeteram a uma estratégia defensiva de vigilância das fronteiras e segurança das populações sob o seu controlo, o PAIGC intensificou a luta armada por considerar insuficientes as posições da JSN.

O general António de Spínola e major Carlos Fabião num campo de instrução de milícias na Guiné- Bissau, 12 de janeiro de 1972Fonte: ANTT, DME
O general António de Spínola e major Carlos Fabião num campo de instrução de milícias na Guiné-Bissau, 12 de janeiro de 1972
Fonte: ANTT, DME

 

Surgiram vários agrupamentos políticos que pretendiam ter voz ativa nas negociações que se desenhavam.

  • Alguns já em 1961-1962 haviam participado episodicamente em ações armadas, como o Movimento de Libertação da Guiné (MLG), ou apenas numa pouco empenhada atividade política, como a Frente para a Libertação e Independência Nacional da Guiné (FLING).

  • Outros, também anteriores ao 25 de Abril e que tinham sido tolerados pelo sistema colonial, defendiam formas de ligação a Portugal, como o Movimento Democrático da Guiné (MDG) e a Liga Popular dos Guinéus (LPG).

  • Outros ainda, como a Comissão de Juventude para a Unidade e Progresso dos Povos (CJUPP), a União Democrática da Guiné (UDG), a Frente Unida para a Liberdade (FUL), tiveram reduzida expressão.

O PAIGC fez saber que não aceitava partilhar as negociações com estes grupos, dado que era o único interlocutor legitimado pela luta armada de libertação e internacionalmente reconhecido.

Fora o PAIGC que, em 24 de setembro de 1973, em Madina do Boé, declarara unilateralmente a independência da Guiné-Bissau, reconhecida por mais de 80 Estados e saudada na Assembleia Geral da ONU, em resolução aprovada por larga maioria (2-11-1974).

Desde novembro de 1972 que o PAIGC obtivera o estatuto de observador na ONU e de único e autêntico representante do povo da Guiné e Cabo Verde, após uma missão especial ter visitado a Guiné e constatado a existência de zonas libertadas. Em junho de 1974, todos os membros da OUA reconheciam o PAIGC como único representante do povo da Guiné-Bissau.

Em maio de 1974, dá-se, em Dacar, no Senegal, o primeiro encontro do ministro dos Negócios Estrangeiros português, Mário Soares, com o secretário-geral do PAIGC, Aristides Pereira.

«Mário Soares em Dakar conferência com o PAIGC», Diário de Lisboa, 17 de maio de 1974. «Mário Soares em Dakar conferência com o PAIGC», Diário de Lisboa, 17 de maio de 1974.

A 25 desse mês iniciam-se em Londres negociações entre duas delegações, num clima de geral otimismo, dado o gesto conciliador do PAIGC, que interrompe todas as operações militares. Desse encontro resulta a presença de um delegado do PAIGC em Bissau, junto do responsável português, e uma ligação rádio entre o governo de Bissau e a direção do PAIGC em Conacri. Dificuldades centradas em torno do reconhecimento da independência da Guiné e da extensão desse direito a Cabo Verde fazem fracassar esta primeira ronda negocial.

Encontro de Aristides Pereira, secretário-geral do PAIGC, e Mário Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros, em Londres, na presença de Abdou Diouf, Primeiro-Ministro do Senegal, e de Almeida Bruno, 24 de maio de 1974.Fonte: FMSMB, DAC
Encontro de Aristides Pereira, secretário-geral do PAIGC, e Mário Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros, em Londres, na presença de Abdou Diouf, Primeiro-Ministro do Senegal, e de Almeida Bruno, 24 de maio de 1974.
Fonte: FMSMB, DAC

As negociações recomeçariam em Argel, em 13 de junho, mas saldam-se em novo fracasso.

Durante este impasse intensificaram-se dois tipos de pressões sobre a parte portuguesa, quer por parte de alguns dos militares da Guiné quer por parte de organizações internacionais como a ONU.

Chegada de Mário Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros, e António de Almeida Santos, ministro da Coordenação Interterritorial, a Argel para participarem na segunda fase de negociações com o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) sobre a situação e independência da Guiné-Bissau.Fonte: RTP Arquivos
Chegada de Mário Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros, e António de Almeida Santos, ministro da Coordenação Interterritorial, a Argel para participarem na segunda fase de negociações com o PAIGC sobre a situação e independência da Guiné-Bissau. 13 de junho de 1974. Fonte: RTP Arquivos

Vão-se registando também contactos entre militares portugueses e guerrilheiros nas zonas operacionais. Nessa sequência, por iniciativa do PAIGC – e obtida a concordância de Spínola –, uma delegação portuguesa chefiada pelo próprio Carlos Fabião e uma delegação do PAIGC chefiada por José Araújo, seu dirigente destacado, tiveram encontros nas matas do Cantanhez, de que resultou a cessação das hostilidades em todo o território.
As negociações recomeçaram em Argel, no final de agosto, continuando a delegação portuguesa a ser liderada pelos ministros dos Negócios Estrangeiros e da Coordenação Interterritorial, Mário Soares e Almeida Santos.

O acordo foi assinado em 26 de agosto de 1974 e ratificado pelo Presidente português em 29.

Relato da 3.ª sessão de conversações das Delegações do Governo Português e do PAIGC, na mata de Cantanhez, 18 de agosto de 1974. Fonte: FMSMB, DAC Relato da 3.ª sessão de conversações das Delegações do Governo Português e do PAIGC, na mata de Cantanhez, 18 de agosto de 1974. Fonte: FMSMB, DAC
Manuel dos Santos entre militares portugueses e combatentes do PAIGC, durante o cessar-fogo na Guiné-Bissau. Fonte: FMSMB, DAC Manuel dos Santos entre militares portugueses e combatentes do PAIGC, durante o cessar-fogo na Guiné-Bissau. Fonte: FMSMB, DAC

  • Reconhecimento, de jure, da República da Guiné-Bissau;

  • Estabelecimento do cessar-fogo, já observado de facto desde finais de maio;

  • Reafirmação do direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência.

Assinatura do Acordo de Argel pelos representantes de Portugal e do PAIGC, 26 de agosto de 1974.
Fonte: RTP Arquivos

Um anexo para as forças armadas portuguesas regulava a retração do dispositivo, os modos de exercício da soberania e a atividade militar nas zonas de reagrupamento, a constituição de uma comissão mista e as formas de desarmamento e o pagamento aos ex-militares guineenses. Estipulava ainda que a saída das forças armadas portuguesas estaria completada em 31 de outubro de 1974.

Tomada de posse do I Governo da República da Guiné-Bissau. João Bernardo (Nino) Vieira , Umaru Djaló, Constantino Teixeira, Carlos Correia, Paulo Correia, Vitor Saúde Maria, Filinto Vaz Martins, João da Costa e Fidelis Cabral d'Almada, Bissau, 1974. Fonte: FMSMB, DAC Tomada de posse do I Governo da República da Guiné-Bissau. João Bernardo (Nino) Vieira , Umaru Djaló, Constantino Teixeira, Carlos Correia, Paulo Correia, Vitor Saúde Maria, Filinto Vaz Martins, João da Costa e Fidelis Cabral d'Almada, Bissau, 1974. Fonte: FMSMB, DAC
Almeida Santos, Mários Soares, Vítor Saúde Maria, Arafam Mané e Pedro Pires durante a cerimónia de reconhecimento da independência da Guiné-Bissau por Portugal, Lisboa, 20 de setembro de 1974. Almeida Santos, Mários Soares, Vítor Saúde Maria, Arafam Mané e Pedro Pires durante a cerimónia de reconhecimento da independência da Guiné-Bissau por Portugal, Lisboa, 20 de setembro de 1974.

Portugal e a Guiné-Bissau cumpriram rigorosamente o acordado, encetando relações como dois países soberanos num clima muito favorável, de tal forma que em 1975 já firmavam dois acordos de cooperação, clima só perturbado nos primeiros meses de 1976 pelas hesitações portuguesas no reconhecimento da República Popular de Angola.

#50anos25abril