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A descolonização seria, desde a sua génese, uma questão altamente controversa para os portugueses.

Durante o Estado Novo, as opiniões dividiam-se não só entre «situação» e «oposição», como dentro de cada uma destas áreas políticas. Na preparação do 25 de Abril e no período revolucionário que se lhe seguiu, seria também a descolonização o grande fator de clivagem no seio do Movimento das Forças Armadas (MFA).

 

 

Nos últimos anos do regime, as clivagens no seio da «situação» definiam três tendências, que têm expressão nas listas da União Nacional para as eleições de 1969:

  • Partidários da manutenção integrada de todos os territórios num Estado unitário – «ultras» do salazarismo;
  • Partidários de um Estado federal, tendência próxima de alguns setores da «oposição» – «ala liberal»;
  • Partidários de uma solução híbrida, de autonomia progressiva, mas associada a um Estado central – ala marcelista.

No entanto, as teses integracionistas prevaleceram sempre dentro do regime, acabando por condicionar Marcelo Caetano, enquanto Presidente do Conselho (1968-1974).

Visita oficial de Marcelo Caetano a Luanda, 25 de abril de 1969.
Fonte: RTP Arquivos

Os acontecimentos do Estado da Índia, em 1954, não foram suficientes para gerar contradições nas fileiras situacionistas. Só com a eclosão dos graves acontecimentos de Angola em 1961 surgem os primeiros conflitos que culminaram no «golpe Botelho Moniz» (abril de 1961).

Na sua sequência, o então coronel Costa Gomes, que acabava de ser demitido de subsecretário de Estado do Exército, divulga pela primeira vez, em carta ao Diário Popular, a ideia de que o problema do ultramar exigia uma solução política.

A forma como a União dos Povos de Angola (UPA) – depois rebatizada Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) – desencadeou a bárbara vaga de terrorismo sistemático no Norte de Angola (ao contrário do MPLA, que no mês anterior, a 4 de fevereiro, orientara a sua ação para objetivos militares e políticos bem definidos) –, favoreceu uma mobilização emocional da opinião pública para as teses integracionistas e bloqueou as teses evolutivas.

 

A tese federalista surge pela primeira vez em 1962, no livro de Manuel José Homem de Melo Portugal, o Ultramar e o Futuro, prefaciado pelo antigo presidente da República Craveiro Lopes. Com mais ou menos nuances, viria a ser perfilhada por alguns deputados da «ala liberal» e por António de Spínola, no seu livro Portugal e o Futuro (1974).

Portugal, o Ultramar e o Futuro, de Manuel José Homem de Melo. Edição de autor, 1962. Portugal, o Ultramar e o Futuro, de Manuel José Homem de Melo. Edição de autor, 1962.
Portugal e o Futuro, de António de Spínola. Lisboa, Arcádia, 1974. Portugal e o Futuro, de António de Spínola. Lisboa, Arcádia, 1974.
«Rescaldo da Índia. Sanções aos principais e directos responsáveis pelo comportamento militar das nossas forças e resultado das mesmas», O Século, 22 de março de 1963. «Rescaldo da Índia. Sanções aos principais e directos responsáveis pelo comportamento militar das nossas forças e resultado das mesmas», O Século, 22 de março de 1963.

Durante a liderança de Salazar, os integracionistas limitaram-se a manifestar o apoio incondicional às suas posições públicas. A partir da sua morte política constituíram-se em grupo de pressão sobre Marcelo Caetano, vindo o presidente da República Américo Tomás a assumir-se como referencial desta tendência. Os seus porta-vozes são os «ultras» do sistema, que radicalizam o seu discurso no contexto da revisão constitucional de 1971. Esta revisão traduziu-se apenas em algumas alterações semânticas, sem quaisquer reformas substanciais, na linha do que foram as reformas marcelistas. Mas os «ultras» viram nela as sementes da desintegração.

O trajeto político de Marcelo Caetano caracteriza-se por uma série de equívocos quanto ao problema colonial. Depois de, em 1962, ter elaborado um parecer segundo o qual o Estado federal seria o que melhor salvaguardava a posição de Portugal em África, quando presidente do Conselho, Caetano veio a comprometer-se na ambiguidade da revisão constitucional de 1971, que acabou por desagradar a todos. Na prática, agiu casuisticamente, mais subordinado a um pragmatismo conjuntural do que ao respeito por princípios claros, como ressalta das suas recusas de negociação com o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), apenas pelo precedente que abriria em face dos outros territórios. «A descolonização seria simples se Portugal só tivesse de se haver com o caso da Guiné», escreve no seu Depoimento (1974). Isto levava-o a admitir a derrota militar, mas não a negociação, o que alimentou a desconfiança dos militares ainda não libertos do trauma da sua responsabilização pelo desastre militar da Índia em 1961.

 

Se na «situação» os posicionamentos sobre a questão colonial formavam um leque que ia do federalismo até ao integracionismo mais radical, na «oposição» formavam o leque complementar, confundindo-se ao centro com as teses federalistas ou mesmo mais avançadas de confederalismo e indo para a esquerda até ao abandono puro e simples, perfilhado por setores de extrema-esquerda.

Até ao início da guerra colonial poucas vozes oposicionistas se fizeram ouvir e apenas o Partido Comunista Português (PCP) reconhecera, no Congresso de 1957, o direito dos povos das colónias à autodeterminação e à independência.

Só a partir de 1961 a questão colonial se tornaria o centro do debate político, se bem que inicialmente de forma muito tímida.

As oposições e a questão colonial (síntese):

  • «Programa para a Democratização da República» (31-01-1961) repudia «qualquer manifestação de imperialismo colonialista», defendendo que as relações entre a metrópole e o ultramar se deveriam subordinar «ao objetivo de assegurar os direitos fundamentais dos povos no plano político, económico, social e cultural»;  
  • Na campanha eleitoral de 1961 (12-11-1961), a «oposição» defende o termo da guerra pelo reconhecimento do direito à autodeterminação;  
  • Entre 1961 e 1964, Cunha Leal ( «oposição republicana») foi um dos principais promotores das teses federalistas e confederalistas. Publicou vários livros que denunciam a sua convicção de que, quanto mais a guerra alastrava e o regime se radicalizava, menos viável era essa solução;  
  • Nas campanhas eleitorais para a Assembleia Nacional de 1965 («Manifesto ao País») e 1969 (plataforma de São Pedro de Moel) as forças de oposição condenam a guerra colonial e propõem soluções negociadas com os movimentos nacionalistas, com base no reconhecimento do princípio da autodeterminação; 
  • A partir de 1971, com a revisão constitucional e o agravamento das clivagens nas fileiras da «situação», a «oposição» assume mais claramente posições favoráveis à independência das colónias, juntando-se-lhe grupos de católicos progressistas, movimentos estudantis, grupos de acção armada e núcleos de exilados;  
  • Em abril de 1973, o Congresso da Oposição Democrática de Aveiro estabelece como um do seus objectivos imediatos a atingir com a ação unida das forças democráticas o termo da guerra colonial;  
  • Em setembro de 1973, uma reunião das direções do PS e do PCP resulta num acordo sobre objetivos imediatos, entre os quais se destacam a luta pelo fim da guerra colonial e a negociações com vista à independência dos povos de Angola, Guiné e Moçambique. 

«Programa para a Democratização da República», documento subscrito por 62 personalidades da oposição republicana e socialista, 11 de janeiro de 1961. Fonte: FMSMB, Francisco Lyon de Castro «Programa para a Democratização da República», documento subscrito por 62 personalidades da oposição republicana e socialista, 11 de janeiro de 1961. Fonte: FMSMB, Francisco Lyon de Castro
«Plataforma de acção comum da oposição democrática», comunicado com proposta de base de trabalho da oposição democrática aprovada em S. Pedro de Moel, 15 de junho de 1969. Fonte: FMSMB, Fundo Francisco Lyon de Castro «Plataforma de acção comum da oposição democrática», comunicado com proposta de base de trabalho da oposição democrática aprovada em S. Pedro de Moel, 15 de junho de 1969. Fonte: FMSMB, Francisco Lyon de Castro
«3º Congresso da Oposição Democrática», Aveiro, 1973. «3º Congresso da Oposição Democrática», Aveiro, 1973.
Vinício Alves da Costa e Sousa, «A Guerra Colonial», conclusões das teses apresentadas ao III Congresso da Oposição Democrática, Aveiro, 1973. Vinício Alves da Costa e Sousa, «A Guerra Colonial», conclusões das teses apresentadas ao III Congresso da Oposição Democrática, Aveiro, 1973.
José Medeiros Ferreira, «Da necessidade de um plano para a Nação», conclusões das teses apresentadas ao III Congresso da Oposição Democrática, Aveiro, 1973. José Medeiros Ferreira, «Da necessidade de um plano para a Nação», conclusões das teses apresentadas ao III Congresso da Oposição Democrática, Aveiro, 1973.

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