Skip to main content

A fase da transferência do poder em São Tomé e Príncipe não se apresentava com caráter de urgência e, em face de outras colónias, a sua prioridade foi secundarizada. Não tinha havido luta armada de libertação e o território facilitava um controlo eficaz pelas autoridades portuguesas.

Havia, porém, condições sociológicas complexas e a memória de lutas contra a administração colonial. Durante o período colonial, as populações locais recusavam o trabalho nas empresas da monocultura do cacau, porque a tradição associava a monocultura à escravatura, sistema em que já assentara a anterior monocultura do açúcar. As roças de cacau recorriam por isso à mão-de-obra «contratada» em Cabo Verde, Angola e Moçambique. Em fevereiro de 1953, uma tentativa para estender o «contrato» aos são-tomenses choca com a sua recusa, o que provoca uma violenta repressão, traduzida em mais de 1000 mortos e que ficou conhecida por «massacre de Batepá».

Em setembro de 1960 é fundado o Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe (CLSTP), que em 1961 participa em Marrocos, com os movimentos das outras colónias portuguesas de África, na fundação do CONCP e, em 1962, é reconhecido pela OUA como único e legítimo representante do povo do arquipélago. Os seus dirigentes estavam exilados na República do Gabão e, em 1972, transformaram o Comité em Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP).

 

Comunicado final da conferência dos nacionalistas de São Tomé e Príncipe anunciando a criação do MLSTP, 12 de junho de 1972. Fonte: FMSMB, AMPA
Comunicado final da conferência dos nacionalistas de São Tomé e Príncipe anunciando a criação do MLSTP, 12 de junho de 1972. Fonte: FMSMB, AMPA

Após o 25 de Abril, o governador, que não teve a hostilidade do MFA, foi mantido em funções até finais de julho, quando foi substituído por Pires Veloso, oficial ligado ao MFA desde as suas origens.

O MLSTP, enquanto não havia condições para a sua legalização, saiu da clandestinidade através da Associação Cívica pró-MLSTP, que passou a desenvolver intensa atividade política e que mais tarde veio a assumir-se como a ala radical do Movimento, apelidando mesmo os outros setores de reacionários e de aliados da Frente Popular Livre (FPL). Este grupo, surgido após o 25 de Abril, preconizava uma solução federativa com Portugal, mas desapareceu rapidamente. Pires Veloso viria a afirmar mais tarde que quando chegou a São Tomé, três meses depois do 25 de Abril, «já toda a gente pedia a independência imediata».

Segue-se um período de grande instabilidade social, com greves e manifestações, que originam confrontações com forças policiais e militares, e de que resultou o abandono quase total dos quadros portugueses das roças. Esta agitação fora fomentada pela minoria radical da Ação Cívica, que conseguiu alguma influência entre os militares são-tomenses do exército, tendo-se chegado a recear uma tentativa de tomada violenta do poder. O comunicado da visita do secretário-geral da ONU, nos princípios de agosto, em que Portugal reconhece o direito à autodeterminação e independência do território, não elimina todas as desconfianças que persistiram em torno do reconhecimento do MLSTP como único interlocutor nas negociações, exigência a que Portugal não dava resposta. Este reconhecimento recebia o apoio dos oficiais dos três ramos das forças armadas ali em serviço, assumido por unanimidade numa reunião de 12 de outubro.

 

As negociações vieram a ocorrer em novembro de 1974, em Argel, entre a delegação de Portugal, dirigida pelo ministro Almeida Santos, e a do MLSTP.
O acordo foi assinado em 26 de novembro, deste constando as seguintes determinações:

  • Portugal reafirmava o direito do povo de São Tomé e Príncipe à autodeterminação e independência e reconhecia o MLSTP como interlocutor único e legítimo representante do povo de São Tomé e Príncipe;
  • Os órgãos de governo para o período de transição eram um alto-comissário e um governo de transição: o alto-comissário era nomeado pelo Presidente da República e competia-lhe representar o Estado português no território; o governo de transição, com um primeiro-ministro e quatro ministros nomeados pelo MLSTP e um ministro nomeado pelo Presidente da República, tinha competência legislativa e executiva.
  • As forças armadas dependiam do alto-comissário, a quem, no caso de intervenção, cabia o seu comando e coordenação, assistido pelo primeiro-ministro. As forças policiais dependiam do primeiro-ministro.
  • Era criado um banco central com atribuições de banco emissor. A 7 de julho de 1975 seria eleita uma assembleia representativa do povo de São Tomé e Príncipe, que, em 12 de julho de 1975, proclamaria a independência do Estado e posteriormente elaboraria a sua constituição.
  • As forças militares portuguesas deixariam o território até 30 dias após a independência e o Governo português e o MLSTP regulariam as medidas relativas aos militares naturais do arquipélago.

Este protocolo foi promulgado pelo Presidente da República em 17 de dezembro de 1974, juntamente com a Lei n.º 12/74, que criava os órgãos de governo para o período de transição.

Tal como em Cabo Verde, este critério conciliou o reconhecimento de um único interlocutor legítimo com um processo eleitoral para escolha popular de uma Assembleia que receberia os poderes soberanos.

Protocolo de acordo entre o Governo português e o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, 26 de novembro de 1974, Diário do Governo, I Séria, n.º 293, 17 de dezembro de 1974 Protocolo de acordo entre o Governo português e o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, 26 de novembro de 1974, Diário do Governo, I Séria, n.º 293, 17 de dezembro de 1974
Protocolo de acordo entre o Governo português e o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, 26 de novembro de 1974, Diário do Governo, I Séria, n.º 293, 17 de dezembro de 1974
Protocolo de acordo entre o Governo português e o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, 26 de novembro de 1974, Diário do Governo, I Séria, n.º 293, 17 de dezembro de 1974

Em 21 de dezembro de 1974 tomaram posse Pires Veloso como alto-comissário e o governo de transição. O governo carecia de homogeneidade entre os ministros do MLSTP. A agudização das divergências, criadas pela presença de dois ministros da fação da Associação Cívica, levou a que o MLSTP os demitisse nos finais de março, os quais vieram a abandonar o território juntamente com outros elementos da Associação. O secretário-geral do MLSTP difundiu um comunicado, condenando a ação da Associação Cívica como contrária à linha política do Movimento e desautorizando declarações de elementos seus à imprensa portuguesa, que já tinham sido objeto de denúncia por parte do alto-comissário.

Conferência de imprensa com o alto-comissário de São Tomé e Princípe, o coronel Pires Veloso, 27 de março de 1975. Fonte: ANTT, EPJS Conferência de imprensa com o alto-comissário de São Tomé e Princípe, o coronel Pires Veloso, 27 de março de 1975. Fonte: ANTT, EPJS

Durante o mesmo mês de março de 1975 surgiu um conflito entre os dirigentes do MLSTP e o alto-comissário, traduzido numa troca de ofícios entre este e o primeiro-ministro. O MLSTP pretendia a dissolução do contingente são-tomense das forças militares portuguesas – quase a sua totalidade – e a sua transformação numa milícia popular. Isto contrariava o Acordo de Argel e deixava o alto-comissário sem poder para solucionar eventuais incidentes. Os ministros e outros membros do Bureau Político seguiram para o Gabão, onde efetuaram uma reunião e mantiveram as suas exigências. O alto-comissário não cedeu, fez algumas exibições de força, com visitas a quartéis e exercícios de fogos reais, e alertou o MLSTP para a violação do acordo que deixava a imagem de não desejarem a continuação da cooperação portuguesa, pelo que ameaçava retirar-se para Lisboa e aí propor a antecipação da independência e o termo da ajuda económica portuguesa.

O incidente sanou-se e o processo retomou o seu curso normal. Procedeu-se ao recenseamento eleitoral, apurando-se 21 000 eleitores, correspondentes a um terço da população. Em princípios de maio era publicada a lei eleitoral. Ainda antes da independência estabeleceram-se as bases para a futura cooperação com Portugal, enquanto elementos destacados do MLSTP preconizavam uma política externa de não alinhamento para o futuro Estado.

Conferência de imprensa de Miguel Trovoada, secretário-geral do MLSTP, 17 de junho de 1975. Fonte: ANTT, EPJS
Conferência de imprensa de Miguel Trovoada, secretário-geral do MLSTP, 17 de junho de 1975. Fonte: ANTT, EPJS

As eleições realizaram-se com normalidade e com boa afluência de eleitores e, nos termos do acordo, em 12 de julho de 1975, a Assembleia eleita proclamou a independência do Estado.

Proclamação da independência de São Tomé e Príncipe, distinguindo-se, ao centro, Nuno Xavier Daniel Dias, presidente da Assembleia Constituinte, e o almirante Rosa Coutinho, representante de Portugal na cerimónia, 12 de julho de 1975. Fonte: FMSMB, Arquivo Histórico de São Tomé e Príncipe. Proclamação da independência de São Tomé e Príncipe, distinguindo-se, ao centro, Nuno Xavier Daniel Dias, presidente da Assembleia Constituinte, e o almirante Rosa Coutinho, representante de Portugal na cerimónia, 12 de julho de 1975. Fonte: FMSMB, Arquivo Histórico de São Tomé e Príncipe.
«O presidente da Assembleia Constituinte de São Tomé e Príncipe, Xavier Dias, e o almirante Rosa Coutinho manifestam a sua alegria pela independência de São Tomé», 18 de julho de 1975. Fonte: FMSMB «O presidente da Assembleia Constituinte de São Tomé e Príncipe, Xavier Dias, e o almirante Rosa Coutinho manifestam a sua alegria pela independência de São Tomé», 18 de julho de 1975. Fonte: FMSMB

#50anos25abril