Apesar da importância de outros momentos de luta, pelas liberdades públicas e contra a ditadura, protagonizados pelo movimento estudantil (como a contestação ao Decreto-Lei n.º 40.900, de 12 de dezembro de 1956), é apenas em 1962 que se pode falar da primeira crise académica. A proibição do Dia do Estudante, celebrado a 24 de Março, leva a que a contestação estudantil assuma novas formas e conteúdos de luta: manifestações, greves às aulas, confrontos com a polícia, greve de fome, ocupações, entre outras formas, cada vez mais criativas, de protesto.
O Luto Académico
A 26 de Março, as associações de estudantes de Lisboa e Coimbra declaram o “luto académico”. O luto implica greve geral às aulas, um direito que estava proibido durante o regime ditatorial.
Em Coimbra, o confronto agudiza-se entre a Associação Académica e as autoridades universitárias. Em Assembleia Magna, é pedida a demissão do reitor. Como retaliação, para além dos processos disciplinares instaurados, é suspensa a direção da Associação Académica de Coimbra (AAC) e imposta à Secção de Futebol da Académica uma comissão administrativa presidida por um militar. Em resposta, a AAC suspende pela primeira vez a Queima das Fitas e outras atividades desportivas (incluindo o futebol).
A sua sede é encerrada, mas os estudantes arriscam e ocupam as instalações. No dia 10 de Maio, a polícia de choque acaba por forçar a entrada e prende 41 estudantes, que são enviados para o Forte de Caxias.
A Greve da Fome
Os acontecimentos em Coimbra e Lisboa levam à radicalização da contestação. Por sugestão de Eurico Figueiredo, o carismático dirigente estudantil de Medicina, é aprovada em plenário uma nova forma de protesto: a greve da fome.
Na cantina da Cidade Universitária, em Lisboa, 81 estudantes iniciam esta forma de protesto, inédita até então. A eles se juntam, em solidariedade, cerca de 1500 estudantes e alguns professores, como Lindley Cintra e Francisco Pereira de Moura.
Na madrugada de 11 de Maio, a polícia cerca a cantina e os estudantes são presos um a um, incluindo os dirigentes das associações estudantis.
Após a crise de 1962, a repressão ditatorial faz-se sentir de forma permanente. Incapaz de conter a revolta estudantil apenas com a força policial, o regime desenvolve novas formas de repressão com uma intensidade crescente. Prisões e expulsões das universidades passaram a ser uma constante.
Ao mesmo tempo, começa a desenhar-se na consciência estudantil a ideia de que a luta não se pode resumir à defesa dos direitos associativos. A repressão e o autoritarismo, a censura, o analfabetismo estrutural e a Guerra Colonial impeliam os jovens universitários para uma luta cada vez mais politizada. O movimento estudantil torna-se, então, decididamente, uma frente de oposição ao regime e as universidades passam a ser um espaço de contestação e ação coletiva.
Como se organizou o Movimento Estudantil de 1962?
Em Lisboa, as Reuniões Inter-Associações (RIA), compostas por delegados de todas as associações de estudantes, tornam-se o comando operacional do movimento associativo. O Secretariado (seu órgão máximo) é liderado, em 1962, por Jorge Sampaio, então recém-licenciado em Direito.
Em 1969, a luta estudantil seria em muito despoletada na Universidade de Coimbra, quando o presidente da Associação Académica pede a palavra na cerimónia de inauguração do Edifício das Matemáticas, presidida por Américo Tomás, a 17 de abril.
Nesse momento, Alberto Martins verbaliza publicamente um anseio coletivo que, até aí, pouco saíra da clandestinidade. Consequentemente, acabaria preso pela PIDE nessa madrugada.
Em Assembleia Magna, decreta-se o luto académico e apela-se aos estudantes para que transformem as aulas em discussões acerca do futuro da universidade. A 6 de Maio, o Ministério da Educação Nacional agrava as medidas repressivas, fecha a Universidade de Coimbra e cancela a Queima das Fitas.
Os estudantes discutem a possibilidade de decretar greve aos exames, mas a decisão é arriscada, com custos individuais elevadíssimos – a reprovação era sinónimo de incorporação na Guerra Colonial.
A 28 de Maio, milhares de estudantes decidem: a greve avança.
Operação Flor e Operação Balão
Declarada a greve aos exames, Coimbra passa a viver em estado de sítio. O movimento estudantil procura colocar a cidade do seu lado através de ações simbólicas.
A Luta Estudantil na Final da Taça de 1969
A 22 de junho de 1969, dia de Final da Taça de Portugal em futebol, os estudantes transformam o Estádio do Jamor em palco de protesto contra o regime. Solidários, os jogadores da Académica de Coimbra entram em campo em passo lento, com as capas negras abertas e caídas, em sinal de luto. As bancadas são preenchidas por estudantes e tarjas com palavras de ordem.
A “escolha impossível”: ir à guerra ou desertar?
Só no início da década de setenta o movimento estudantil passa a adotar um discurso abertamente anticolonial. Sucedem-se manifestações contra a guerra, e de solidariedade com a luta independentista das colónias.
O impacto da Guerra Colonial é sentido em especial pela geração dos estudantes. Entre 1961 e 1974, são mobilizados 800 mil jovens para Angola, Guiné e Moçambique. Cerca de 9 mil decidem desertar. Estima-se que tenham existido entre 10 a 20 mil refratários e que cerca de 200 mil jovens tenham faltado à inspeção militar. Na década de 70, cerca de 20% dos jovens que deveriam comparecer à inspeção já tinham abandonado o país.
Para saber mais:
Miguel Cardina
O artigo analisa a deserção e os gestos de desobediência à guerra colonial feitos no âmbito das Forças Armadas Portuguesas entre 1961 e 1974.
Pedro Marquês de Sousa
A guerra de África (1961-1974) também pode ser vista através dos “números” para se conhecerem dados sobre o recrutamento e a mobilização dos militares, as baixas, os meios empenhados e as despesas da guerra.
Fernando Mariano Cardeira
Uma análise memorialística sobre a importância política da deserção, as dificuldades em desertar e as diferentes posições assumidas pelas organizações políticas que se opunham ao fascismo e à Guerra Colonial.
De cravo na mão
Após o 25 de Abril, os estudantes participam ativamente na construção da democracia, estando presentes nas principais lutas políticas e sociais do período revolucionário.
Logo nos primeiros dias de liberdade, nas universidades, multiplicam-se os plenários e reuniões. As associações académicas são reabertas e muitos professores são saneados. Criam-se sistemas de gestão que, pela primeira vez, contam com a participação de estudantes e funcionários.
A “ida ao povo” assume particular importância, através de campanhas de alfabetização ou de dinamização de animações socioculturais ou rastreios médicos. As Campanhas de Alfabetização e Educação Sanitária e o Serviço Cívico Estudantil são as iniciativas de maior relevo.