A crise académica suscitou uma onda de solidariedade entre os setores da sociedade que tinham sido vítimas de censura e repressão ou que eram opositores políticos.
Implicou também uma nova relação entre os estudantes e os professores universitários que compreenderam as causas do seu protesto. A crise representa ainda uma rutura entre duas gerações: os pais, com legítimas expectativas, e os filhos, desencantados pelas perspetivas oferecidas pela universidade e indignados com a violência que lhes é infligida.
Destacam-se três casos exemplares: a atuação do professor Lindley Cintra; a carta de Mário Cardia, pai de Mário Sottomayor Cardia, a Salazar; e o abaixo-assinado da Sociedade Portuguesa de Escritores em solidariedade com os estudantes.


Entre diversos professores universitários, Luís Lindley Cintra destacou-se no apoio aos estudantes mobilizados durante a crise.
Filólogo prestigiado e professor na Faculdade de Letras, foi um dos docentes mais graduados a compreender as reivindicações dos estudantes, participou nos plenários e usou do seu estatuto de professor para tentar dialogar com as forças policiais. Lindley Cintra acabaria por ser agredido pela polícia de choque na manhã de 4 de junho, à entrada da Faculdade de Medicina, e foi assistido no hospital. A agressão de que foi vítima suscitou a solidariedade dos seus colegas universitários.


Em homenagem ao professor Lindley Cintra, os estudantes quotizaram-se para comprar e oferecer-lhe um quadro do pintor Fernando Azevedo. O quadro, que ficou na posse do seu filho, Luís Miguel Cintra, foi devolvido a Jorge Sampaio pouco antes de este assumir a Presidência da República. É um objeto simbólico, que invoca a solidariedade entre estudantes e professores.
Professor de História Económica e Social, Vitorino Magalhães Godinho foi afastado da universidade pela primeira vez ainda nos anos quarenta.
Em 1960, depois de ter concluído o doutoramento em Paris, regressou a Portugal para lecionar no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, a convite de Adriano Moreira.
«TIVE A HONRA DE SER O ÚNICO PROFESSOR CATEDRÁTICO DEMITIDO»
Vitorino M. Godinho
A crise académica foi também uma rutura entre duas gerações.
Os pais dos estudantes universitários, que tinham a expectativa de os seus filhos ingressarem na administração pública ou terem um futuro profissional garantido pela formação superior, expressaram a sua preocupação com o ativismo estudantil. Em alguns casos, não compreenderam os anseios da juventude. Ou, simplesmente, acreditavam que as ideias dos seus filhos não correspondiam às notícias divulgadas pelo Governo.

Exemplo desta rutura é a carta de Mário Cardia dirigida a Salazar, na qual defende que o seu filho, alvo de um processo disciplinar, aderiu à crise com motivações exclusivamente académicas e não políticas. O filho, Mário Sottomayor Cardia, futuro ministro da Educação, foi um destacado líder estudantil e coautor dos comunicados das associações de estudantes.
«Meu filho nunca poderia ser considerado, até pelo seu temperamento e pela preocupação absorvente em estudar, como agitador e como político. A sua personalidade bem vincada certamente o impediria de se deixar levar por influências estranhas a fins académicos».
«Se se cometesse a tremenda injustiça de afastar o meu filho da Universidade de Lisboa, eu não poderia negar-lhe a possibilidade de frequentar uma Universidade estrangeira para seguir a extraordinária vocação que tem mostrado para o curso que escolheu – Filosofia. Todos nós, as muitas pessoas da nossa família que admiram V. Exª e, diariamente, rezam para que a sua saúde permita que se conserve à frente dos destinos de Portugal, sofreríamos imenso por vermos esse rapaz tão bom e tão sério afastar-se do nosso convívio, possivelmente rodeado de inimigos de Portugal».
A solidariedade com os estudantes estende-se a diversos setores da sociedade, em particular àqueles que já tinham sofrido o peso da censura e da repressão.
A 15 de maio de 1962, a Sociedade Portuguesa de Escritores, que seria encerrada pelo Governo em 1965, apresenta um abaixo-assinado em solidariedade com os estudantes.
Entre os subscritores estão alguns dos maiores vultos da literatura portuguesa do século XX: José Cardoso Pires, José Saramago, Aquilino Ribeiro e Sophia de Mello Breyner Andresen.


Num verdadeiro duelo, a ação coletiva dos estudantes e a repressão do Governo sobre o movimento estudantil avançaram quase ao mesmo ritmo.
As associações de estudantes foram o palco de exercício de liberdade e de representação democrática. Nos plenários, os dirigentes relacionam-se com as massas e tomam decisões legitimadas pela maioria dos estudantes presentes. Ao serem confrontadas com a proibição do Dia do Estudante, as associações desobedecem ao poder. A posição de irreverência dos estudantes é o ponto de partida para a escalada da repressão.



O Governo, perante a capacidade de mobilização dos estudantes, percebeu que não podia conter a revolta estudantil apenas com a força policial. A repressão é exercida de múltiplas formas e com uma intensidade crescente. Além das proibições dos encontros, são impostos processos disciplinares aos alunos e suspensas as direções associativas. Na imprensa, as notas oficiosas do Governo procuram isolar o movimento e afirmam que os estudantes são uma minoria subversiva e antipatriótica. O Ministério da Educação Nacional pede à universidade as listas dos alunos que faltam às aulas e recebem apoios sociais para os poder ameaçar com represálias.
As medidas do Governo acabam por reforçar a ação colectiva e por induzir a unidade na luta. Taticamente, os estudantes afirmam, nos comunicados, que lutam pela autonomia universitária, que foi posta em causa pelas autoridades, e não apenas pelos seus interesses. O confronto entre estudantes e governo teve momentos de pausa, quando os docentes intervieram para mediar o conflito entre as duas partes. No entanto, a ausência de cedências e o reforço de medidas repressivas animaram os estudantes a tomarem medidas extremas.
E assim se compreende a greve da fome, em Lisboa, e a ocupação das instalações da Associação Académica de Coimbra. Foi a constante repressão do Governo que produziu as mais criativas formas de ação colectiva e uma inovação na contestação política ao regime. Mas, a última palavra seria do Governo: as prisões em massa e as expulsões da universidade foram duros golpes sobre os estudantes. E provaram que a crise académica não era um mero episódio passageiro, mas o despertar de uma geração com a ousadia de enfrentar o poder.

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