Quando o Estado Novo tentou retirar qualquer margem de autonomia às associações de estudantes com o Decreto-Lei n.º 40.900, de 1956, que visava regular as suas atividades e limitar a sua representatividade, estava a passar uma mensagem clara. A liberdade de organização dos estudantes era problemática para a ditadura, que percebera o seu poder e se dedicara a combater a influência da oposição democrática e, sobretudo, do clandestino PCP, ilegalizando o MUD-Juvenil.
O decreto foi imediatamente repudiado pelos estudantes, que o consideraram muito violador das suas liberdades. De uma forma surpreendente, o regime foi forçado a recuar na sua intenção de atribuir a organização estudantil à Mocidade Portuguesa, o seu braço ideológico. A lei ficou num limbo e nunca foi aplicada. Mas a contestação à ditadura não abrandou com essa vitória.
Muitos jovens participaram nas manifestações que marcaram a eleição presidencial de 1958, ao lado da promessa de Humberto Delgado de demitir Salazar. Os anos seguintes trouxeram tentativas de golpes militares e, sobretudo, uma guerra em África que viria a ditar o fim da ditadura.
Certo é que, não obstante o clima de oposição que se fazia sentir, nada fazia prever que a proibição do Dia do Estudante, em 1962, desse origem à mais longa contestação estudantil ao Estado Novo.
Num movimento de massas inédito, os estudantes ousaram enfrentar o poder e reclamar as liberdades fundamentais da vida académica e da condição juvenil: a autonomia associativa e universitária, o direito de expressão e de reunião. Através de novas formas de protesto e de ação coletiva, como os plenários, as greves de fome e as manifestações de rua, os estudantes mobilizaram-se e agitaram a opinião pública. A primavera de 1962 abriu caminho a uma década de crises, com o movimento estudantil crescentemente empenhado na oposição ao regime e na construção de outra universidade e de um novo país.

Em defesa das associações de estudantes e das dinâmicas “circum-escolares”, assim chamadas à época, os líderes associativos e os estudantes mais comprometidos com a luta clandestina criaram formas de ação e de comunicação baseadas na ideia de um sindicalismo estudantil, que crescia na Europa.
Unidos numa frente de resistência improvável, os estudantes procuraram escapar, diariamente, à repressão e combater a versão oficiosa dos acontecimentos que era emitida pelo governo de Salazar. A Cidade Universitária de Lisboa foi o centro dos acontecimentos, mas o movimento estendeu-se a Coimbra, já com forte tradição reivindicativa, que começara em 1961, com a viragem à esquerda da Associação Académica de Coimbra (AAC) e que contagiou algumas escolas do Porto.
Apesar dos tremendos efeitos que teve nas gerações estudantis que se seguiram, e na sociedade portuguesa, o movimento estudantil de 1962 foi duramente reprimido. Para uma geração de jovens estudantes nascida nos anos quarenta, oriundos de famílias das classes média e alta, nada voltaria a ser como dantes.

«A universidade só poderá desempenhar devidamente o papel que lhe cabe quando for internamente forte, para o que terá de ser caracterizada por uma unidade real entre todos os seus membros»
Excerto da exposição dos estudantes universitários de Lisboa à Câmara Corporativa sobre o Decreto-Lei no 40.900. Março de 1957. Fonte: FMSMB-DDR.
Em Coimbra, o movimento associativo contesta a praxe tradicionalista e procura discutir os problemas quotidianos dos estudantes na universidade.
Na altura, não havia na academia serviços sociais nem culturais e eram as associações que assumiam esse papel. A Associação Académica estava atenta às tendências federativas em França e promove, de 9 a 11 de março de 1962, o I Encontro Nacional de Estudantes. O encontro é proibido pelas autoridades e os estudantes provenientes do Porto e de Lisboa são intercetados pela PIDE. Apesar da proibição, o Encontro realiza-se. As conclusões determinam a “urgente democratização do ensino” e a “extensão do ensino universitário a todos os estudantes portugueses, independentemente de considerações de ordem política, religiosa, rácica ou de qualquer outra espécie”.
Em resposta à desobediência dos estudantes, é instalado um processo disciplinar que resulta em penas de expulsão da universidade para os dirigentes estudantis.




Marcelo Caetano, reitor da Universidade de Lisboa, é recebido com aplausos pelos estudantes que se concentram no Estádio Universitário.
Mais tarde, na varanda da Reitoria, dirige-se aos estudantes e reafirma a necessidade de a autonomia universitária ser respeitada. Em alternativa às celebrações que haviam sido proibidas, convida os estudantes a jantarem no restaurante Castanheira de Moura, no Lumiar, mas não comparece. No dia 5 de abril, quando a crise académica entra numa fase decisiva, sentindo-se desautorizado, pede a demissão do cargo de reitor.
Marcelo Caetano, na varanda da Reitoria da Cidade Universitária, prepara-se para falar aos estudantes.
Fonte: FMSMB-DAP