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O Estado Novo exerceu uma forte repressão política sobre os seus oponentes, politizando e instrumentalizando o sistema judicial, que foi colocado na dependência do Governo para defesa do regime.

O recurso abusivo às medidas de prisão preventiva e de segurança, os julgamentos sem advogado de defesa, a criação de tribunais especiais militares e tribunais plenários para julgar crimes políticos, e as condenações sem possibilidade de recurso foram instrumentos fundamentais para a neutralização dos adversários do regime.

No continente, sob a tutela do Ministério do Interior, a polícia política, com diferentes designações ao longo do tempo – Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), de 1933 a 1945; Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), de 1945 a 1968; Direcção-Geral de Segurança, de 1968 a 1974 – era o principal, mas não o único, agente da repressão.

Com prisões próprias, a PIDE vigiava, punia e torturava os que ousavam desafiar a ordem estabelecida, isto é, na linguagem do regime, os que praticavam «crimes contra a segurança interna do Estado».

Nas colónias, onde a PIDE se foi instalando a partir de 1954, só três anos depois começaram a ser criados postos e subpostos desta polícia. A partir de abril de 1960, era o Ministro do Ultramar, mediante proposta do diretor da PIDE, que estabelecia os quadros de pessoal das delegações, subdelegações e postos da polícia política nas colónias. É também a partir desse momento que é estendida às colónias a competência da PIDE em matéria de medidas de segurança, cabendo ao ministro do Ultramar indicar o estabelecimento prisional de destino dos adversários do regime.

A atividade da PIDE intensificou-se extraordinariamente com início da guerra em Angola (1961), na Guiné (1963) e em Moçambique (1964).

Para além da sede da PIDE em Lisboa e das Delegações do Porto e de Coimbra, que dispunham de cárceres próprios, em Portugal a polícia política utilizava também muitos outros estabelecimentos prisionais: esquadras da PSP, aquartelamentos da GNR, calabouços dos Governos Civis, as Penitenciárias de Lisboa e do Porto, os presídios militares do Forte de Elvas, do Forte de Sacavém, do Presídio Militar de Santarém e da Casa de Reclusão da Trafaria (antigo Presídio Militar da Trafaria). A PIDE dispunha ainda, desde 1934, de prisões privativas: Aljube e Forte de Caxias.

No período de prisão preventiva, os homens podiam ficar nas prisões das delegações da PIDE, no Porto e em Coimbra. Porém, o mais habitual era a sua transferência para a sede em Lisboa (Rua António Maria Cardoso), para a cadeia do Aljube, também em Lisboa, ou para o reduto norte do Forte de Caxias. Embora também tivesse havido interrogatórios no Aljube, até aos anos setenta os presos eram habitualmente interrogados na sede da PIDE. Depois de condenados, os presos (homens) eram enviados para Peniche, cadeia gerida pelos Serviços Prisionais do Ministério da Justiça, onde cumpriam a pena de prisão maior a que tinham sido condenados. Quando esta terminava, passavam a cumprir medidas de segurança, passando da tutela do Ministério da Justiça para a do Ministério do Interior, ou seja, ficando sob a alçada da PIDE/DGS. Embora estipulado que deveriam passar para uma prisão privativa desta polícia, na maior parte dos casos, por questões logísticas, permaneciam em Peniche.

Já as mulheres presas ficavam sempre em Caxias, quer durante a prisão preventiva, quer durante o cumprimento das penas a que eram condenadas, quer ainda quando submetidas a medidas de segurança.

O Decreto n.º 20 877, de 13 de fevereiro de 1932, determinou o fim do degredo de tipo convencional, fazendo a distinção entre o envio para os campos de trabalho agrícola, para os presos comuns, e o desterro (residência fixa) numa ilha, com ou sem prisão, para os exilados políticos.

A subsequente Reforma da Organização Prisional de 1936 (Decreto-Lei nº. 26 643, de 28 de maio) levou a que todos os presos que cumpriam pena nos Depósitos de Degredados de Angola e Moçambique regressassem à metrópole. Pela mesma razão, o Campo de São Nicolau, em Cabo Verde, onde, em 1935, a maioria dos prisioneiros já tinha sido amnistiada, foi desmantelado. Porém, foi também este novo enquadramento jurídico que determinou a criação de colónias penais no ultramar para criminosos políticos.

Aos poucos, o domínio do regime sob o sistema judicial estendeu-se aos territórios ultramarinos. É assim que, em 1938, os Tribunais Militares Territoriais passaram a funcionar como secções do Tribunal Militar Especial de Lisboa nas colónias.

Habitualmente, os prisioneiros políticos brancos nas colónias eram enviados para Portugal. Foi o que aconteceu, no final da década de 1950 com alguns brancos de Angola e Moçambique, julgados em Luanda por tentativa de criação de um partido comunista. Estes viriam a cumprir as suas penas de prisão em Caxias e em Peniche.

Com a Lei Orgânica do Ultramar Português, de 27 de junho de 1953, os cidadãos metropolitanos deixaram de cumprir pena de desterro nas colónias. A única exceção viria a ser, em 1968, a deportação com residência fixa de Mário Soares, para São Tomé, uma das últimas decisões de Salazar.

Os prisioneiros das colónias só raramente eram deportados para a chamada metrópole e quase nunca eram julgados. Os casos de Agostinho Neto e do padre Joaquim Pinto de Andrade, ambos fundadores do MPLA, foram exceções. Deportados, sob prisão, para o Cabo Verde e São Tomé, seriam depois enviados para o Aljube e Caxias. O mesmo aconteceu com o advogado Domingos Arouca, militante da FRELIMO, que esteve preso durante oito anos, quatro na Cadeia da Machava e em Portugal (1965-1973).

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