Sete meses antes do 25 de Abril de 1974, a Assembleia Nacional Popular da Guiné proclamou unilateralmente, em Madina do Boé, às 9h55 de 24 de setembro, a independência da República da Guiné-Bissau.
Na véspera, na abertura da I Legislatura dessa Assembleia, perante 120 membros eleitos, Aristides Pereira, secretário-geral do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), declarara: “Hoje, o nosso povo está de pé, afirmando vigorosamente a sua identidade de povo africano (…), depois de 17 anos de luta político-armada”, pondo fim a cinco séculos de presença colonial.
Esse responsável sublinhou ainda o agravamento da situação política em Portugal, destacando que a luta contra o fascismo tinha passado a estar indissociavelmente ligada à luta contra o colonialismo e a Guerra Colonial, e defendeu que a política “feita de sorrisos e de sangue” das autoridades portuguesas – da Guiné Melhor à invasão de Conacri, e ao assassinato de Amílcar Cabral – não podia ser o fim da luta de libertação, porque o seu povo era “um povo adulto”.
A Assembleia Nacional Popular adotou uma Constituição da República e elegeu um Conselho de Estado constituído por 15 membros e presidido por Luís Cabral, Secretário-Geral adjunto do PAIGC. Após a proclamação da independência, de imediato a reconheceram 17 países, num movimento crescente, que não parou até ao 25 de Abril. Este ato provocou inclusive consultas entre os nove países da Comunidade Económica Europeia e os quinze membros da NATO.
O assassinato de Cabral, em 20 de janeiro de 1973, não quebrou a combatividade do PAIGC.
O partido desencadeou seguidamente uma importante ofensiva em várias frentes, apoderando-se, nomeadamente, do aquartelamento de Guiledje e pondo termo ao domínio aéreo das forças armadas portuguesas mediante a utilização de mísseis terra-ar.
Simultaneamente, assistiu-se à cessação de funções, em 6 de agosto, do governador e comandante-chefe António de Spínola, substituído por Bettencourt Rodrigues, que apenas seguirá para a Guiné no dia seguinte ao da proclamação da independência.
A Assembleia Nacional Popular fora preparada, de janeiro a agosto de 1972, através de uma intensa campanha de informação e de debate nos organismos do PAIGC e em meetings populares, decorrendo, do final de agosto até 14 de outubro de 1972, as eleições em todas as regiões libertadas.
Fora nesse ano, aliás, que, em abril, ocorrera a visita da Missão Especial do Comité de Descolonização da Organização das Nações Unidas (ONU) às regiões libertadas. Esta assegurava, designadamente, que a luta de libertação do território continuava “a progredir”, considerando “um fator irrefutável” que Portugal já não exercia “nenhum controlo administrativo sobre vastas regiões da Guiné”.
A proclamação unilateral da independência representa um momento decisivo na luta de libertação, provocando violentas reações por parte do governo português.
Por um lado, a censura impede que o assunto seja publicado na imprensa e as primeiras notícias só surgem no dia 28 de setembro. Por outro, a proclamação da independência da Guiné-Bissau revela-se praticamente ausente na longuíssima “Conversa em Família” com que, a 27 de setembro, o Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, assinala o 5.º aniversário da sua tomada de posse. Sobre este tema, o chefe de Governo afirma apenas que a alegação de que havia zonas libertadas em Angola, Moçambique ou na Guiné se tratava de “uma mentira”.
Entretanto, a Delegação de Portugal nas Nações Unidas afirmava que essa proclamação era um “ato de propaganda” para mascarar a falta de êxito do PAIGC, designando-a de “independência fictícia” e reiterando que o PAIGC não controlava “qualquer parcela do território dessa província”.
Significativamente, no dia 28, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patrício, visitou o Secretário-Geral da ONU, Kurt Waldheim, em Nova Iorque.
À beira do colapso, Spínola ainda opinou em Lisboa ao Diário de Notícias: “Não se vê que uma organização clandestina possa fundamentar um estatuto jurídico na ordem externa, pelo que não julgo de recear seja o que for”.
Igualmente relevante é o envio a Londres, em março de 1974, do diplomata português José Manuel Villas Boas para um encontro secreto, proporcionado pelo Foreign Office e o MI6 britânicos e pelo governo da Nigéria, com uma delegação do PAIGC, constituída por Silvino da Luz, Gil Fernandes e Vítor Saúde Maria, em que o governo português pretendia obter um cessar-fogo rápido na Guiné. Marcada para o início de maio, a segunda reunião já não se realizaria…
Pouco antes, em 9 de setembro, 136 capitães e subalternos do exército português tinham-se reunido no Monte do Sobral, em Alcáçovas, assinando um documento em defesa do prestígio das Forças Armadas, contra a recente legislação governamental – e assim nascia o Movimento dos Capitães, que “se organizaria, evoluiria no seu pensamento e na sua convicção” e que, 227 dias depois, já como Movimento das Forças Armadas, fez nascer “O dia inicial inteiro e limpo” celebrado por Sophia de Mello Breyner.
Já depois de deposto o regime de Marcelo Caetano, no dia 26 de agosto de 1974, a delegação do PAIGC, dirigida por Pedro Pires, membro do Comité Executivo da Luta, e a de Portugal, dirigida por Mário Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros, consagraram o cessar-fogo de jure, reconheceram “o direito do povo de Cabo Verde à autodeterminação e independência” como fator necessário para uma paz duradoura e uma cooperação sincera entre a República Portuguesa e a República da Guiné-Bissau e definiram que no dia 10 de setembro de 1974 o Estado Português reconheceria formalmente a independência da República da Guiné-Bissau, como Estado Soberano.
A ÚLTIMA ENTREVISTA DE AMÍLCAR CABRAL À IMPRENSA OPOSICIONISTA PORTUGUESA
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