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Antes, durante, depois do 25 de Abril de 1974

Nascido em 1941, natural de Lisboa, Portugal

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ANTES Porque já era a segunda vez que ali aterrava, sabia ser o primeiro percalço o tocar das rodas na ponta da ilha, Ilha da Madeira, início da pista naturalmente.

Aeroporto de Santa Catarina aos 17 de Março de 1974 com os meus trinta e dois anos.

Tinha lá estado no anterior Novembro, premonitório para esta outra viagem de estada por duração não estipulada. A razão estava num promissor local de trabalho na minha actividade profissional, a arquitectura.

 

DURANTE Passou-se a primeira semana e as notícias de casa alteraram-se na quinta-feira cedo com um telefonema da minha mulher. Algo estaria já a acontecer em Lisboa nesse dia 25 de Abril de 1974. Talvez uma revolução.

Telefonaram-lhe para não ir trabalhar e tudo começava a estar fechado.

No atelier não recordo, então, qualquer notícia na rádio local. Continuamos a trabalhar afincadamente.

À noite já havia algumas notícias, maioritariamente de telefonemas de familiares no continente. Os militares assumiram a Revolução para terminar com a ditadura fascista vigente, os cenários de guerra e promoverem a autonomia das, ainda então, Colónias Ultramarinas. Liberdade e Democracia eram o alfa e o ómega.

 

ANTES Antecedendo o 25 de Abril de 1974, estudante na ESBAL, curso de Pintura, a minha efectiva “participação política” foi ter colaborado na autoria do cartaz e vinhetas do primeiro Dia do Estudante, comemorado em 1962. Original que o meu pai, por “medo” do preto e do vermelho, fome e guerra, destruiu nos meus tempos de militar miliciano.

DIA DO ESTUDANTE que se repetiu nos anos seguintes sendo o pretexto aberto à contestação, quer nos planos exclusivamente pedagógicos (propinas e currículos), quer, nos mais amplos sociais e políticos onde a guerra também era mencionada.

Tive porém uma atitude, e prática, não muito comum, totalmente anti-militarista, não havia então o “estatuto de objectores de consciência”. Fui recruta em Tavira (C.I.S.M.I.), cabos milicianos, onde entrei a 24 de Janeiro de 1964:

Quando as meninas de meus olhos forem bonecas, poderei dizer o que é brincar

Passei a Mafra, Tomar e Porto. Em Lamego (Operações especiais por imposição) é que o confronto foi aberto recusando-me a determinados exercícios, interpelando oficiais, falando e escrevendo.

O forte foi-me apontado, mas antes, dado a opinião de um médico miliciano, fui enviado ao Hospital Militar do Porto para exames psicológicos… Quatro dias depois saí para Gaia, e já mobilizado Viana do Castelo, e por último Lisboa onde, no navio Vera Cruz, aportamos a Luanda seguindo depois para a Roça do Bom Destino, Quitexe, Zona de Intervenção Norte. Embarquei com vinte e dois meses de “serviço militar obrigatório”, já casado, e regressei com mais outros tantos em Setembro de 1967. Esta violência, e em muitos casos pior e mais traumática, foi vivida por muitos portugueses sem qualquer direito de a questionar ou encontrar alternativa.

Muitos desses jovens ficaram intrinsecamente marcados pelos “anos tirados”, sem sentido, e a sociedade portuguesa, é minha convicção, não se refez totalmente dos “anos de guerras” e consequentemente das não oportunidades de desenvolvimento e crescimento, aliado a um sentir de não esperança e ainda de um certo sentimento de “racismo”, a que os militares (milicianos sobretudo) foram sujeitos.

Reconheço o “golpe militar de uma generosidade desarmante” (Pedro Adão e Silva, 2022) e um permanente agradecimento pelo que fizeram, sem tiros, tiraram-nos de um degredo e provocaram o espaço para os portugueses crescerem e se desenvolverem em Liberdade e Democracia.

 

DURANTE e já depois. Pelo Funchal o boca a boca provocava alguma inquietação (o futuro próximo) mas no quotidiano não se notavam alterações significativas que só mais tarde foram implementadas, em Autonomia, com/pelo poder Regional. Dias depois ainda se ouvia “vêm os comunistas e roubam as pratas”. Entretanto surgiram alguns movimentos separatistas e/ou saudosistas que não vingaram.

Chegou-se ao 1º de Maio e o movimento “popular”, nas ruas, foi enorme sem qualquer comparação com os antecedentes, se dizia. Concentrações no Jardim Municipal e junto à Câmara Municipal; de uma varanda desta, Artur Semedo (actor) atira prá rua uma esfinge de Salazar.

Havia o costume de o povo entrar, com permissão, nesta data, nas Quintas, Palheiro Ferreira é uma referência. Então poucos o teriam feito, estava tudo mais urbano. No ano seguinte passaram a estar fechadas.

Fui conhecendo os madeirenses na sua idiossincracia, muito configurada pela sua ilha, até ao assomo da presença dos portugueses do “continente” se tornarem frequentes e biunivocamente se produzirem alterações. A grande “nova circunstância” dá-se a partir de 1986 com as contribuições de Bruxelas.

O Turismo inglês, classicista, deixa de ser único e embora ainda não tivesse aparecido o “turismo da mochila”, o tempo se encarregou disso, o arquipélago ganha uma importante quota no quadro europeu ao mesmo tempo que a Autonomia Regional (resultado político do 25 de Abril) assume, em igualdade de circunstâncias, as suas escolhas e as absorve. É edificada a Assembleia Regional e implementadas e desenvolvidas todas as vertentes regionais de poder e respectivos equipamentos públicos.

Realce também para os privados, além do investimento no imobiliário, foi o Turismo com ganho significativo para a indústria que arrasta. Inicia-se a formação de grupos (financeiros) locais e a chegada de estrangeiros com projectos mais diversificados.

 

ANTES Volto à memória do menino que “tinha jeito para os bonecos” foi onde sempre ia parar desde a assunção, naturalmente, paternalista e depois inconsciente ou conscientemente por mim assumida.

Pai natural de Cinco Vilas, “mais que uma cidade” dizia garbosamente o quase raiano, com o Rio Côa do outro lado. O pai dele foi vaga-lumes (vulgo caga-luzes) tornando luminoso o gás dos candeeiros dos passeios da cidade de Lisboa. Hoje nos pode parecer romântico.

Quando comecei a ir à rua sozinho ainda havia “senhas de racionamento” (pós armistício e para as compras essenciais) e era autorizado a ir ao carvoeiro buscar umas bolas de pó de carvão amassado, usadas nos fogareiros para manter o calor sob os recipientes de confecção. A guerra da Coreia ouvia-se, mas penso que não deixou mossa.

O beirão tornou-se marceneiro e dava-me uns pauzinhos de madeira, com que brincava e me meteu o “bicho”, muito me ensinou tendo também proporcionado praticar todas as áreas anexas e envolventes. Do traço à execução, incluindo acabamentos até à douragem em atelier específico.

A mãe, a querida mãe, era a senhora da casa. Tive também uma irmã muito distante de tudo, nada participativa.

 

DEPOIS Volto para Lisboa, ainda em setenta e quatro, e em Janeiro de setenta e cinco torno-me funcionário público do Fundo de Fomento de Habitação onde estive seis anos, mergulho na Habitação social, projectos e empreendimentos, fico sem dúvidas; se a “habitação é um direito, a mesma não pode ser um negócio”. Anos em que também houve que dar resposta, a possível, às necessidades dos “retornados”.

Os arquitectos, a arquitectura, e outras profissões, ditas liberais, tem na abertura da sociedade, pós “Revolução dos cravos” um maior desenvolvimento; há um quê de “ciência e arte”, adiro e tenho trabalho, em equipas, com alguns concursos e convites pelo meio.

Os quarenta e oito anos passados em Ditadura não se ultrapassam de “um dia para outro”, no particular pela “cultura entranhada”, e nós portugueses sintomaticamente pouco críticos.

Sendo netos do analfabetismo tornámo-nos avós dos “super letrados” que se comportam em parâmetros que nunca vivemos. A nossa geração talvez nunca sentisse grandes frustrações mas seria pouco ambiciosa … até por educação. O meu neto cruza outro mundo e o João Maria bisneto uma natural incógnita.

Sou contemporâneo dos que me lêem, mas escrevi, eventualmente demais, de coisas que a maioria não viveu. Arrisquei um pouco na minha história, mais não saberia dizer. BEM HAJA.

Lisboa, Maio de 2023

#50anos25abril