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O 25 de Abril de 74 – Pequenas notas de memória

Nascido em 1937, natural da Figueira da Foz, Portugal.

Engenheiro silvicultor pelo ISA.

Estágio profissional na Alemanha, Maio/ Outubro 1966, fábrica Wolman, Sinzheim.

Arquitecto paisagista pelo ISA.

Estágio profissional na Alemanha, Maio/Outubro 1974,com Arq.º Paisª. Prof. Hans Werkmeister.

Administrador Florestal do Funchal e Porto Santo.

Arq. Paisª da Direcção Regional de Urbanismo do Funchal.

Chefe de Gabinete do Arqº Gonçalo Ribeiro Telles.

Fundador e Presidente do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico.

Criador dos primeiros Parques Naturais e Reservas Naturais.

Presidente da Direcção da APAP.

Introdutor em Portugal do conceito de Ecomuseologia.

Coordenador do Grupo de Trabalho do Algarve do ICN.

Assessor da Presidência da CCRAlgarve.

Prof. Universitário Convidado desde 1981 a 2009 em:

Instituto de Novas Profissões,

Universidade de Évora,

Universidade do Algarve.

Colaboração em Mestrados na Universidade Católica, Universidade Nova de Lisboa e Universidade de Cabo Verde.


O 25 de Abril de 74 – Pequenas notas de memória

Eu vivia na Madeira, onde residi alguns anos, e a noite de 24 para 25 de Abril de 74 foi a mais prosaica possível. Estava de passagem na Ilha o Prof. Hans Werkmeister, com quem em Maio eu iria fazer um estágio, com bolsa atribuída, na sua cidade de Hildesheim.

Nessa noite de 24 estávamos no Hotel Savoy onde havia a eleição da Miss Madeira, porque a candidata mais provável vencedora era sobrinha de um grande amigo meu. Despedimo–nos pelas 2h da madrugada porque o Prof. tinha avião na manhã seguinte. A meio da manhã do dia 25 ele telefonou-me a dizer que ainda lá estava, não havia aviões porque tinha ocorrido uma revolução em Lisboa… Eu então percebi o que me dissera, pouco mais de 3 semanas antes, o Ernesto Melo Antunes; ele e eu tínhamos sido camaradas em 1960/61 na Bateria de Belém, em Ponta Delgada, unidade que já não existe, ele alferes e eu aspirante miliciano.

A Bateria era comandada pelo Tenente-Coronel Marçal Moreira, um oficial distinto, mas por ser da oposição nunca passara daquele posto e comandava aquela pequena Unidade. Dei-me sempre muito bem com o Ernesto e ficámos amigos; eu era o único oficial com quem ele se reunia algumas vezes numa casa da Praia do Pópulo da D.ª Rosa Flores, tia da esposa do Dr. Borges Coutinho, o qual depois da morte do irmão, titular, foi Marquês da Praia, conhecido mais tarde como “Marquês vermelho”. Nesses encontros falávamos de política e da guerra colonial que iria rebentar – já se antevia que isso era inevitável e iria acontecer em breve – e aconteceu.

Ao longo dos anos víamo-nos de vez em quando e sempre em Lisboa no Café Monte Carlo, que ficava no edifício do Monumental. Posso recordar que este Café ficara célebre quando em 1958 houve um comício da candidatura do General Humberto Delgado, no Liceu Camões: a maioria das pessoas estava cá fora e por uma qualquer provocação houve uma carga da GNR a cavalo; muitos, como eu, fugiram pela rua em direcção ao Monumental e os guardas perseguiam alguém especificamente porque entraram a cavalo dentro do Café e espatifaram tudo.

Nesse Março de 74 o Melo Antunes, que estava na Terceira, escreveu-me a perguntar se eu queria colaborar no jornal A União a que ele iria ter acesso; e que viria a Lisboa no final do mês. E eu também vim a Lisboa e encontramo-nos no Monte Carlo.

Ora tinha havido a intentona das Caldas da Rainha e eu disparei logo qualquer coisa como “vocês não sabem fazer uma bem feita”. Respondeu-me também “vais ver que há-de sair uma como deve ser”, ainda falámos da situação mas não adiantou mais nada de concreto sobre datas ou pormenores. Com aquele telefonema do dia 25 de manhã percebi o que teria acontecido.

Estive uns tempos em Hildesheim no estágio profissional e quando voltei fui para colaborador do Arq.º Gonçalo Ribeiro Telles, sendo seu Chefe de Gabinete e então encontrava-me regularmente com Melo Antunes na antecâmara das reuniões do Concelho de Ministros, em São Bento. E a primeira vez que o vi disse-lhe logo que podia ter-me avisado em Março que a revolução estava mesma a sair – respondeu-me que naquela altura os riscos e a incerteza eram tão grandes que não podia pôr-me e à minha família em perigo.

Em 1975 fui Chefe do Gabinete de G R Telles, Secretário de Estado do Ambiente, a quem me ligavam fortes laços de amizade e cumplicidade em quase tudo excepto quanto à monarquia por eu ser republicano assumido – em nada invalidou a nossa profunda amizade de 60 anos. Ao lado do nosso gabinete, no Terreiro do Paço, ficava o gabinete do então Major Garcia dos Santos, figura fundamental do 25 de Abril, Secretário de Estado das Obras Públicas, com quem tínhamos as melhores relações.

Em Julho, dinamizou-se o “Documento dos 9”, de que Melo Antunes terá sido o ideólogo, e foi Garcia dos Santos que se encarregou de o levar através da diversas Unidades do País para obter o consenso. Talvez porque não confiasse no pessoal do seu Gabinete combinou pelo menos com R Telles (não sei se com mais alguém) que iria comunicar para nós as adesões que fossem ocorrendo. E assim foi. Ora a Maria Elvira, secretária, ora eu ou o Luís Coimbra, assessor, íamos anotando as lacónicas informações das unidades que aderiam. Foram uns dias de bastante stresse, e se não tivesse havido uma edição especial do “Jornal Novo”, já ao fim da tarde, a dar publicidade ao Documento dos 9 e informar que estava em marcha a adesão dos diversos quartéis, certamente o COPCPON teria boicotado o processo.

Para além de todas as fantásticas virtudes da democracia que a Revolução dos Cravos nos trouxe, permitiu a chegada de ideias novas e considero que a novidade de maior repercussão em termos de futuro foi ter trazido a importância do Ambiente e a necessidade de o defender. Havia alguns pioneiros, entre nós, que já assumiam essas preocupações, e devo recordar o Eng.º Correia da Cunha, os Prof. Francisco Caldeira Cabral e Baeta Neves e, de forma mais combativa, ressaltam os nomes de Afonso Cautela, Delgado Domingos, Manuel Gomes Guerreiro e, claro, Gonçalo Ribeiro Telles.

A Política de Ambiente, a partir de Gonçalo Ribeiro Telles e dos seus colaboradores, foi, para mim, a grande mudança que ocorreu em Portugal em termos de sustentabilidade do país, permitindo o seu ordenamento biofísico e a conservação da Natureza e dos seus recursos, com o primado dos sistemas ecológicos – política que, entretanto tem vindo a ser lamentavelmente degradada e desfigurada. O futuro o dirá, se o processo regressivo não for invertido.

Maio de 2023

#50anos25abril