O Cabral ícone, o Cabral mito e o Cabral referência
Na Mesa-redonda “A luta continua! Que Luta? A luta anticolonial em África como inspiração para a luta contra o racismo na Europa. Da geração de Cabral, à geração dos netos de Cabral”, Igor Lima, filho de Indira Cabral e neto de Amílcar, afirmou que se revê na ideia, defendida pelo avô, de que “o racismo estrutural e institucional tem de ser desmantelado”. A sua visão, disse, “tem de ressoar nos dias de hoje quando falamos da luta contra o racismo.”
Fotografias: Cláudia Teixeira | Comissão Comemorativa 50 Anos 25 de Abril
Ladeado pela investigadora Ângela Benoliel Coutinho e por Apolo de Carvalho, membro da Afrolis – associação cultural, numa conversa moderada por Diana Palma Duarte, Igor Lima partilhou com os presentes que, “durante muito tempo”, para si, “Cabral foi inspiração”. Depois, “tornou-se uma assombração”, pela expectativa da família em relação ao legado do avô. “Procurei outros ídolos, como Bob Marley, Martin Luther King, Malcolm X. Só depois voltei a Cabral.” Hoje, é militante do PAIGC, o partido criado por Amílcar Cabral, uma figura que, diz, permanece, “em qualquer campanha, em qualquer eleição, uma alavanca política.”
Ainda hoje, entende, “por mais privilégios que uma pessoa negra tenha, há uma mão invisível a limitar o seu crescimento.” Estas “manobras”, defende, “só se cancelam com educação.” O diálogo aberto, diz, “é a ferramenta para conseguirmos efetivar a mudança que queremos que ocorra na sociedade.”
Uma grande sensibilidade relativamente a todas as formas de opressão
A investigadora Ângela Benoliel Coutinho recordou a sua vivência, em criança, na Guiné-Bissau nos primeiros anos pós-independência. “Cabral era uma referência. Só com sete ou oito anos descobri que ele tinha, de facto, existido, que tinha sido uma pessoa.” Voltaria ao líder independentista na adolescência, não para procurar respostas para o racismo que experienciou quando viveu em Portugal, mas “perante os problemas que os países enfrentavam no pós-independência”. Perguntou-se: “Se as coisas correm tão mal no pós-independência, porque é que quiseram a independência? Cabral passou novamente a fazer parte da minha vida por escolha minha, porque eu queria perceber.”
Em Cabral, percebeu, “existe uma grande sensibilidade relativamente a todas as formas de opressão”, e exemplificou: “Quando esteve na América Latina, interpelou os dirigentes sobre a situação das populações indígenas. Na Guiné-Bissau, instituiu uma política de quotas para garantir a presença de mulheres nos Tribunais e nos Comités de Aldeia. Havia uma política diferenciada para que as meninas continuassem os estudos a nível secundário e havia negociações em cada aldeia para que as meninas pudessem frequentar as escolas. Isso interpela-nos.”
O Cabral ícone, o Cabral mito e o Cabral referência
Apolo de Carvalho regressou à questão sobre o desejo de independência. “Numa entrevista a um jornal francês, ele respondeu a essa pergunta. Disse que queríamos a independência para termos a nossa própria terra, para podermos decidir sobre os nossos destinos como qualquer outro povo, sem sermos tutelados. Não para irmos na direção de uma sociedade perfeita, porque qualquer sociedade tem avanços e recuos, mas para termos a possibilidade de ter avanços e recuos.”
“Vivi quase toda a vida em Cabo Verde. Cabral estava sempre presente, mas não o estudei, não li. Foi já em Portugal, para onde vim estudar na Universidade, que, dentro das associações, dos espaços comunitários, fui à procura. Existe o Cabral ícone, o Cabral mito e o Cabral referência, e é interessante ver por que tipo de Cabral as diferentes gerações vão puxando.”
Segundo Apolo de Carvalho, “há um conjunto de pessoas que tem mostrado vontade de ver Amílcar Cabral inscrito no espaço e na memória nacional como uma referência.” E concluiu: “Para fazermos uma reparação temos de reparar naquilo que está ausente. O racismo também é uma questão de poder.”
Amílcar Cabral, uma Exposição, no âmbito da qual decorreu esta iniciativa, está patente no Palácio Baldaya, em Benfica, até dia ao dia 25 de junho.
Esta exposição, de entrada livre, pode ser visitada diariamente, entre as 9h00 e as 22h00.
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