Skip to main content

O mundo exige paz

A Vigília da Capela do Rato, no final de 1972, teve lugar numa conjuntura específica em que se articulavam problemas mais vastos: as posições de Paulo VI sobre a paz e a autodeterminação, a Guerra Colonial portuguesa, as oposições ao regime ditatorial e a crescente politização de setores católicos.

As intervenções de Paulo VI sobre a promoção da paz, desde meados dos anos 1960, legitimaram a defesa da cessação de conflitos armados em curso e a recusa da guerra como instrumento de resolução de litígios. Ao mesmo tempo, o papa valorizava formas de organização autónoma da Igreja em África.

A guerra a fações independentistas em Angola, que o regime salazarista iniciara em 1961, introduziu um elemento fulcral para a evolução de uma das últimas ditaduras europeias. Para o Estado Novo, a situação agravou-se na primeira metade da década, com o alastramento da guerra à Guiné e a Moçambique. A integridade do império colonial português e a recusa da autonomia e da independência das colónias justificavam a manutenção de uma guerra sem fim à vista.

Para as oposições ao regime, o colonialismo e as guerras coloniais legitimaram a intensificação de formas de contestação e o alargamento das dissidências. Entre os católicos portugueses, a politização acentuou-se e os setores em oposição ao regime ganharam novo impulso. Com o bloqueio de um regime que relacionava a sua evolução com a manutenção da guerra, alguns oposicionistas, incluindo católicos, radicalizaram os modos de contestação para forçar o derrube das instituições ditatoriais.

Vigílias pela paz: despertar as consciências

A 8 de dezembro de 1967, Paulo VI institui o dia 1 de janeiro como o Dia Mundial da Paz. De acordo com a mensagem papal daquele dia, dirigida a todos os homens de boa vontade, a proposta de dedicar à paz o primeiro dia de cada novo ano não se destinava apenas aos universos católico e religioso, mas sim “a todos os verdadeiros amigos da paz”. Para a Igreja Católica tratava-se de “lançar a ideia”, esperando obter a adesão de “todos os verdadeiros amigos da paz”.

Na véspera de 1 de janeiro de 1969, um grupo de católicos reuniu-se na Igreja de São Domingos, em Lisboa, para realizar uma vigília pela paz.

A 30 de dezembro de 1972, na Capela do Rato, também em Lisboa, seria anunciado um período de reflexão de cerca de 48 horas sobre a Guerra Colonial. Os promotores declaravam manter-se em greve de fome até 1 de janeiro de 1973 como forma de solidariedade com as vítimas da Guerra Colonial. Ainda no dia 31, as forças do regime entrariam na Capela do Rato e procederiam à detenção dos presentes. As repercussões desta vigília e do seu desfecho seriam assinaláveis.

 

A paz é impossível?

As repercussões da Vigília da Capela do Rato prolongaram-se no tempo. Para além do tratamento mediático, nacional, local e internacional, verificaram-se diferentes tomadas de posição, abaixo-assinados de apoio e de protesto e a produção e difusão de diferentes panfletos. Grupos de católicos e organizações de estudantes e de trabalhadores expressaram-se e alargaram o debate sobre a Guerra Colonial.

Para o efeito, muito contribuiu a reação do regime, incluindo a invasão da Capela e as detenções para identificação de dezenas de presentes no local, seguidas da prisão de 14 elementos e da demissão pelo Conselho de Ministros de 12 trabalhadores do Estado. Também os comunicados oficiais do Ministério do Interior e do Patriarcado de Lisboa, as palavras dirigidas pelo chefe de Governo ao país e o debate mantido na Assembleia Nacional entre deputados da Ala Liberal e apoiantes declarados do regime foram decisivos para manter na agenda pública a preparação, o decurso e os efeitos da vigília.

 

Conversas

 

#50anos25abril