Documentário de Jacinto Godinho retrata a Vigília que foi “um gesto de liberdade” e “um sinal muito evidente” do fim do regime
No documentário Um gesto de liberdade. “Guerra e Paz” na Capela do Rato, da autoria de Jacinto Godinho, jornalista da RTP e investigador do ICNOVA, e de Carlos Oliveira, repórter de imagem da RTP, retrata-se a Vigília sobre a qual passam agora 50 anos.
Este trabalho jornalístico foi desenvolvido em investigação conjunta com a Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril, e será transmitido na RTP 1 a 9 de janeiro, às 22h30. No dia 10, pelas 18h, têm lugar no auditório da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva a apresentação pelo autor e a projeção do mesmo documentário, seguidas de uma conversa moderada pelo jornalista António Marujo, na qual participam José Galamba de Oliveira, João Ferro Rodrigues e Joana Rigato.
A voz dos protagonistas
Partindo do desafio de encontrar uma “linha interpretativa” que garantisse um “ponto de equilíbrio” que correspondesse às expectativas de especialistas e participantes, assegurando, ao mesmo tempo, que a história chegava a públicos que desconhecem esse momento histórico, Jacinto Godinho optou por falar deste protesto contextualizando-o na designada oposição católica progressista ao Estado Novo. Fê-lo dando voz a alguns dos seus principais rostos. “O fio condutor da história é dado por dois dos principais protagonistas deste movimento, Nuno Teotónio Pereira e Luís Moita, através de entrevistas inéditas”, explica o jornalista.
Às suas visões juntam-se as de mais de uma dezena de outros entrevistados, incluindo protagonistas, que regressaram à Capela do Rato para recordar este episódio organizado no último dia do ano de 1972 por um grupo de jovens católicos, num esforço para que “todas as visões estivessem retratadas e respeitadas”, incluindo sobre o papel das Brigadas Revolucionárias no protesto.
“Aquela Vigília permanece alvo de alguma polémica. A junção que existiu entre um grupo de cristãos que desenvolve e planeia uma ação de contestação, o ter-se aliado às Brigadas Revolucionárias, ainda gera divisão. Parte dos organizadores não sabia da ligação, e, quando soube, abriu-se uma ferida que ainda hoje não sarou. Houve, como diz um dos entrevistados, uma organização de conjunto entre Deus e o Diabo que muitos não aceitam”, acrescenta.
A sua expectativa é a de que este documentário “possa, em simultâneo, preservar parte dos acontecimentos do passado, e prolongar o debate sobre o tema, não encerrá-lo.”
A verdadeira reportagem às duas crianças feridas por petardos, 50 anos depois
Do documentário consta um momento em que a jornalista Maria Elisa se reencontra com as crianças que ficaram feridas na sequência do rebentamento de petardos utilizados pelas Brigadas Revolucionárias para ajudar a divulgar o protesto.
“50 anos depois de lhes ter feito algumas questões, com as crianças numa cama de hospital, e de as imagens terem sido emitidas pela RTP sem qualquer contexto, promovemos o reencontro de todos, e a Maria Elisa pôde agora, finalmente, fazer a reportagem que não pôde fazer sobre o que aconteceu naquele dia”, conta.
Um episódio simbólico, mas simultaneamente de massas
Jacinto Godinho considera que a Vigília da Capela do Rato é, simultaneamente, “um episódio simbólico e de massas.”
“A Vigília da Capela do Rato dá um sinal muito evidente para dentro – para o regime – e também para fora – incluindo para as Forças Armadas – de que o Regime não irá resolver a situação da Guerra Colonial, de que não haveria uma transição pacífica para a democracia”.