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A reunião realizada em Óbidos a 1 de dezembro de 1973 decorre num momento em que se denotava a crescente politização do Movimento dos Capitães.

Desde a sua criação, a 9 de setembro, no Monte do Sobral, em Alcáçovas, o Movimento crescera de forma progressiva mas determinante, e transformara-se. As reivindicações corporativas já não eram fundamentais e o Movimento assumira outro caráter. A guerra e a questão colonial passaram a estar no centro das atenções, e acabariam por levar à decisão de derrubar o regime. A reunião realizada em Óbidos, a 1 de dezembro de 1973, foi um marco fundamental nesse processo.

A reunião realizada em Óbidos a 1 de dezembro de 1973 decorre num momento em que se denotava a crescente politização do Movimento dos Capitães.

Desde a sua criação, a 9 de setembro, no Monte do Sobral, em Alcáçovas, o Movimento crescera de forma progressiva mas determinante, e transformara-se. As reivindicações corporativas já não eram fundamentais e o Movimento assumira outro caráter. A guerra e a questão colonial passaram a estar no centro das atenções, e acabariam por levar à decisão de derrubar o regime. A reunião realizada em Óbidos, a 1 de dezembro de 1973, foi um marco fundamental nesse processo.

Um movimento em progressiva politização

Ainda que a mobilização inicial tenha sido ditada por razões corporativas, as questões profissionais e do prestígio da instituição acabaram por funcionar como elemento aglutinador para uma classe pouco dada a atos de insubordinação, permitindo o alargamento do movimento contestatário. Em poucos dias, as suas ramificações estenderam-se à Guiné, Angola, Moçambique e a vários pontos de Portugal continental. O processo então desencadeado deixou patente o profundo mal-estar que perpassava largos setores das Forças Armas e que irá ser um importante fator na evolução e gradual politização do Movimento dos Capitães.

O primeiro sinal desta tendência encontra-se na sobrevivência do Movimento à suspensão dos decretos e à exoneração do ministro do Exército e Defesa Sá Viana Rebelo, em outubro de 1973. A vastidão do protesto impedia qualquer medida repressiva, levando o Governo a optar pelo recuo em todas as frentes. Depois, mantendo a sua crença na natureza puramente corporativa da contestação, o Executivo prometerá, pouco antes do fim do ano, uma melhoria substancial dos vencimentos dos militares. A medida era, no entanto, extemporânea: no momento em que se encontram em Óbidos, sob o pretexto de um magusto, os capitães deixam lançadas as bases organizativas da futura «Operação Viragem Histórica», que derrubaria o regime.

Nessa reunião, realizada na Casa do Povo de Óbidos, compareceram cerca de 180 delegados de todas as unidades, em representação de algumas centenas de oficiais. Estiveram também presentes alguns observadores da Marinha e elementos dos paraquedistas.

Croqui fornecido aos participantes no encontro de Óbidos, de 1 de dezembro de 1973. Fonte: Associação 25 de Abril Arquivo Vasco Lourenço.
Circular do Ministério do Exército, de 12 de outubro de 1973, suspendendo os decretos-lei n.º 353/73 e 409/73. Fonte: Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, Arquivo Vasco Lourenço.

As propostas em discussão

A reunião é, em grande medida, dominada pelo debate das várias propostas de ação anteriormente apresentadas:

a) Conquistar o poder e entregá-lo a uma Junta Militar, para democratizar o país [hipótese do golpe de Estado];

b) Dar oportunidade ao Governo para se legitimar perante a nação através de eleições livres, fiscalizadas pelo exército e antecedidas por um referendo sobre a política ultramarina [hipótese legalista];

c) Utilizar reivindicações exclusivamente militares para recuperar o prestígio do Exército e pressionar o Governo [hipótese legalista];

Amplamente desenvolvida por Luís Ataíde Banazol, a primeira hipótese recolheu numerosos apoios. Não foram, no entanto, os suficientes para suplantar a via legalista, que acabou por sair vencedora nesta disputa, na formulação consagrada pela terceira hipótese. Num momento em que o Movimento pensava ainda a sua estruturação e alargamento, triunfou a prudência.

No que diz respeito à estruturação, determinou-se o alargamento da Comissão Coordenadora do Movimento. Esta passava a integrar 19 elementos (três de cada uma das Armas e Serviços do Exército, exceto o Serviço de Material, que tem apenas um representante).

Entre estes encontravam-se Vasco Lourenço, Hugo dos Santos (Infantaria), Otelo Saraiva de Carvalho e Sousa e Castro (Artilharia), Salgueiro Maia e Manuel Monge (Cavalaria), Pinto Soares e Luís de Macedo (Engenharia) e José Maria de Azevedo (SAM). Hugo dos Santos viria a ser substituído por Vítor Alves, uma vez que se encontrava mobilizado para uma comissão de serviço na Guiné. A missão da nova Comissão era essencialmente executiva, cabendo-lhe tomar as decisões adequadas à prossecução dos objetivos a atingir.

Entre as importantes deliberações do encontro, decidiu-se uma mudança de denominação da organização, que foi rebatizada como Movimento dos Oficiais das Forças Armadas (MOFA).

Paralelamente, e uma vez que a sua implantação estava praticamente circunscrita ao Exército, determinou-se o seu alargamento aos outros ramos das Forças Armadas.

Reunião de Óbidos: respostas aos diferentes pontos da agenda de trabalhos e número de representantes por unidade. Manuscrito de Vasco Lourenço. Fonte: Associação 25 de Abril, Arquivo Vasco Lourenço.

A escolha de chefes prestigiados

Finalmente, e apesar da vitória da via legalista, entendeu-se ser necessário escolher chefes prestigiados. Revelando a influência dos partidários da intervenção militar, mas também o peso das hierarquias, os eleitos foram o então Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), Francisco da Costa Gomes, e o ex-governador da Guiné António de Spínola. Ao primeiro, o mais votado, com larga margem, reservava-se a Presidência da República. Quanto ao ex-Governador da Guiné, a ideia era atribuir-lhe a direção suprema das Forças Armadas.

Reunião de Óbidos: respostas aos diferentes pontos da agenda de trabalhos e número de representantes por unidade. Manuscrito de Vasco Lourenço. Fonte: Associação 25 de Abril, Arquivo Vasco Lourenço.

A via do golpe de Estado voltou a ser discutida, dias depois, numa reunião restrita realizada na Costa da Caparica, a 5 de dezembro de 1973, mas será ainda rejeitada por alegada falta de fundamentação. As atenções centraram-se então na proposta que saíra vencedora do encontro de Óbidos. Nesse sentido, determinou-se a prossecução de iniciativas legais, de caráter reivindicativo e profissional, mas de natureza tal que o Executivo não tivesse possibilidades de as satisfazer.

Assim, pretendia-se exercer pressão com vista à demissão do Governo ou, eventualmente, ao golpe de Estado. Vítor Alves, Vasco Lourenço e Otelo Saraiva de Carvalho (os três eleitos para a direção da Comissão Coordenadora) ficaram encarregados de elaborar um plano de ação para o futuro. Paralelamente, num óbvio sinal da crescente complexidade do Movimento e da sua missão, constituíram-se novas comissões: Estudos da Situação, Ligação Interna (Metrópole e Ultramar), Estudos Psicológicos e Secretariado e outra para estabelecer contacto estreito com a Marinha e Força Aérea. Estavam criadas as estruturas essenciais que assegurarão o êxito da operação levada a cabo a 25 de Abril de 1974.

Reunião de Óbidos: composição da Comissão Coordenadora eleita. Fonte: Associação 25 de Abril, Arquivo Vasco Lourenço.

#50anos25abril