O Congresso dos Combatentes
Em 1973, Marcello Caetano considerava que era absolutamente necessário para o regime uma reafirmação de apoio generalizado à sua Política Ultramarina e à defesa intransigente dos territórios africanos, tentando englobar as Forças Armadas nesse compromisso.
É neste contexto que nasce a ideia de organizar no Porto, nos dias 1,2 e 3 de Junho de 1973, o Congresso dos Combatentes, em que ficasse expresso o apoio dos militares e dos ex-combatentes à política colonial do regime.
Perante a evidência de que o Congresso não era mais do que uma enorme jornada de propaganda à política do Governo, os oficiais do quadro permanente iniciaram uma movimentação que visava a sua participação em massa e de forma efetiva nos trabalhos, de forma a impedir que, com os seus depoimentos, as conclusões do Congresso fossem as que antecipadamente o regime havia definido.
É então que o Governo vai cometer um enorme erro. Toma a decisão absurda de proibir os militares dos quadros permanentes de participarem no Congresso.
A Contestação
Não é de admirar que de imediato se iniciasse na Guiné um movimento de contestação ao Congresso e à proibição de participação dos militares do quadro permanente, contestação que de imediato alastra ao Continente.
É assim decidido enviar um telegrama ao congresso, subscrito por cerca de 400 militares, em que expressamente se declara não se reconhecer representatividade à sua organização, considerando-se os subscritores alheios às conclusões que dele emanassem.
O telegrama ia simbolicamente assinado pelo capitão-tenente Rebordão de Brito e pelo 1.º sargento graduado em alferes, Marcelino da Mata, militares condecorados com a Ordem Militar da Torre Espada e outras condecorações atribuídas por feitos em combate.
Os Decretos-Leis 353/73 e 409/73
A falta de oficiais com o posto de Capitão
As unidades básicas de combate durante toda a Guerra Colonial eram as Companhias, comandadas por um oficial com o posto de Capitão.
O número de oficiais saídos da Academia Militar decresce substancialmente a partir de 1967, provocando uma muita acentuada carência da Capitães dos Quadros Permanentes disponíveis para comandar Companhias no três teatros de operações.
No entanto, e em sentido inverso, o número de Companhias em Combate não para de crescer, totalizando, em 1974, cerca de quinhentas nos três teatros de operações.
Havia uma enorme carência de capitães dos Quadros Permanentes.
Para resolver este problema começaram a ser formados oficiais milicianos que, após um pequeno curso eram promovidos a capitães e marchavam para África no comando de uma Companhia.
A percentagem de Companhias comandadas por oficiais milicianos antes de 1966 era de cerca de 15%. Este número que não parará de crescer e, em 1974, essa percentagem aproximava-se dos 80%.
Números que demonstram com clareza a situação de esgotamento das nossas Forças Armadas.
No intuito de atenuar esta realidade é criado em 1969 o Quadro Especial de Oficiais (QEO) que se destinava a receber oficiais oriundos de milicianos que tivessem cumprido uma comissão em África com boas informações.
Os Decretos-Lei 353/73 e 409/73, não punham só em causa os princípios da antiguidade e da hierarquia, punham também em causa o Prestígio dos Oficiais dos Quadros Permanentes do Exército.
A Conspiração
No ano de 1973 ocorreram três importantes acontecimentos:
- O agravamento da situação militar na Guiné em meados de 1973;
- O Congresso dos Combatentes em Junho de 1973;
- Decretos-Leis 353/73 e 409/73 de Julho e Agosto de 1973;
Que fizeram despoletar no seio dos Oficiais do Exército um enorme descontentamento e preocupação, determinando-os a iniciar um rápido processo de contestação à hierarquia militar que depois, e naturalmente, se alargará ao próprio regime.
No início, a motivação das movimentações dos militares tinha como principal foco o Prestígio das Forças Armadas, que se vinha perdendo com o eternizar da guerra e com muitas medidas tomadas pelo poder político.
Os militares começaram também a ter consciência de que a Guerra nos três teatros de operações africanos não tinha solução militar e que, a curto prazo, poderia acontecer mesmo uma derrota militar na Guiné. Estavam também cientes de que o poder político não tinha qualquer solução para o problema colonial que não fosse a guerra.
A contestação inicialmente restrita ao interior do oficialato mais jovem do Exército, alastrou aos outros dois ramos das Forças Armadas e elevou o seu patamar de contestação, entendo agora os militares que na base dos problemas que enfrentavam estava o poder político.
Só com o derrube do regime os problemas das Forças Armadas e do País teriam uma solução.
Esta foi a rápida evolução de um movimento que não chegou a durar nove meses, pois os militares colocaram-se em ação e derrubaram o regime a 25 de Abril de 1974.
Imediatamente após a publicação do DL 535/ 73 em 13 de Julho de 1973 sucedem-se reuniões em Lisboa, Bissau que se estenderiam a Angola e Moçambique.
No entanto a Reunião de Alcáçovas, no Monte Sobral, em 9 de Setembro de 1973, acabará por assumir uma especial relevância, não só pelo número de participantes, mas por dela ter saído um abaixo assinado, com 136 assinaturas de capitães e subalternos, dirigido ao Presidente do Conselho e com conhecimento ao Presidente de República, em que se pedia a derrogação dos Decretos.
O Movimento politiza-se
No dia 24 de Novembro de 1973, realiza-se uma reunião do Movimento dos Capitães (alargada a tenentes-coronéis e outras patentes mais altas) na Casa da Cerca, em S. Pedro do Estoril, é então que o tenente-coronel Luís Banazol faz uma intervenção ousada:
“[ … ] Não tenhamos ilusões: o governo só sai a tiro e os únicos capazes de o fazer somos nós, mais ninguém! O derrube, pela força, do governo marcelista, através de um golpe militar e o fim da ignominiosa guerra colonial contra os povos africanos (…)”
Pela primeira vez a ideia do derrube do regime por um golpe militar era colocada de forma tão direta.
Nesta reunião os delegados deveriam levar algumas questões para as suas unidades, auscultar as opiniões dos outros oficiais do Movimento, e na reunião de Óbidos a realizar a 1 de Dezembro deveriam ser portadores das respostas.
As questões a ser debatidas eram as seguintes:
1.ª Hipótese – «Conquista do poder para, com uma Junta Militar, criar no país as condições que possibilitem uma verdadeira expressão nacional (democratização)»;
2.ª Hipótese – «Legitimação do Governo, através de eleições livres, devidamente fiscalizadas pelo Exército, seguindo-se um referendo sobre o problema do Ultramar»;
3ª.Hipótese – «Utilização de reivindicações exclusivamente militares, como forma de alcançar o prestígio das Forças Armadas e de pressão sobre o Governo, com vista à obtenção da 2ª hipótese».
Além de uma opção sobre cada uma das hipóteses, os militares do Movimento deveriam ainda pronunciar-se sobre:
1.ª Questão – «Deve o assunto ser circunscrito ao Exército ou alargar-se ao âmbito das Forças Armadas?»;
2ª Questão – «Como será constituída a próxima Comissão Coordenadora Quem a constituirá? que funções terá?»;
3ª Questão – «Devem ou não escolher-se chefes militares de prestígio, aos quais nos liguemos e que orientarão politicamente a nossa acção, face a uma das três hipóteses? Em caso afirmativo, qual ou quais os chefes a eleger?».
Decidiu-se ainda constituir e eleger uma Comissão Coordenadora definitiva, verdadeiramente representativa do Movimento, e alargada, pela primeira vez, a tenentes-coronéis e outras patentes mais elevadas.
Presentes 86 delegados de unidades. Comparecem, pela primeira vez, Fischer Lopes Pires e Garcia dos Santos.
Sobres as três Hipóteses de atuação definidas na reunião de S. Pedro do Estoril e as três questões levantadas, foram tomadas as seguintes decisões.
É anunciada a vitória da terceira hipótese por estreita margem em relação à primeira hipótese.
Neste resultado, é decisiva a posição dos paraquedistas, que recusam liminarmente qualquer ato de força.
É ainda aprovada a necessidade de escolher chefes prestigiados.
Feita a contagem dos votos já recolhidos nas unidades do Exército pelos respetivos delegados, verifica-se que o mais votado é o general Costa Gomes, o segundo é o general António de Spínola e o terceiro é o general Kaúlza de Arriaga, com um número reduzido de votos.
Decide-se ainda ultrapassar o âmbito do Exército e alargar o Movimento a outros ramos das Forças Armadas, pelo que o Movimento se passaria a designar MOFA, depois MFA.
Assenta-se finalmente uma nova composição para a Comissão Coordenadora, constituída por três elementos da cada Arma ou Serviço, que passaria a designar-se Comissão Coordenadora e Executiva (CCE).
Infantaria
Vasco Lourenço, Marques Júnior e Hugo dos Santos – a substituir por Vítor Alves, visto estar em vias de mobilização para a Guiné)
Artilharia
Otelo Saraiva de Carvalho, Sousa e Castro e Luís Domingues – substituído depois por Ferreira de Sousa
Cavalaria
Salgueiro Maia, Manuel Monge – devido à sua ausência na Guiné, substituído por Rafael Saraiva – e Miquelina Simões
Serviço de Material
Neves Rosa
Engenharia
Pinto Soares, Luís Macedo e Mourato Grilo
Administração Militar
Moreira Azevedo, António Torres e Manuel Geraldes
Transmissões
Fialho da Rosa, Pinto de Castro e Cardoso Figueira
Estado Maior do Exército
Major Mota
Paraquedistas
Bação de Lemos, Silva Pinto e Avelar de Sousa
É eleita a direção da Comissão Coordenadora, que irá manter-se até 25 de Abril. Constituem-na: Vasco Lourenço (organização interna e ligações); Vítor Alves (orientação política) e Otelo Saraiva de Carvalho (secretariado). A eles ficam ainda associados Hugo dos Santos e Pinto Soares.
Reunião de Cascais - 05 de Março de 1974 O Documento “O Movimento as Forças Armadas e a Nação”
Realiza-se em Cascais a 05 de Março de 1974, no atelier do arquiteto Braula Reis uma reunião para debater o documento “O Movimento as Forças Armadas e a Nação” o primeiro grande documento político do MFA.
Presentes 197 oficiais do Exército, em representação de mais de 600, nos quais se incluem, pela primeira vez, os ex-milicianos. A Marinha e a a Força Aérea estavam representadas por delegações
O Documento é aprovado e subscrito por 111 dos presentes.
Aprovada ainda a necessidade de escolha de chefes para o Movimento, tendo o Exército ratificado os nomes de Costa Gomes e de António de Spínola.
Documento “O Movimento as Forças armadas e a Nação”
Centro de Documentação 25 de Abril. Universidade de Coimbra
"Portugal e o Futuro"
O livro “Portugal e o Futuro” de António de Spínola, publicado e posto à venda em 22 de Fevereiro de 1974, teve sem dúvida o mérito de desequilibrar fortemente os dirigentes máximos do regime e, não menos importante, contribuiu de forma decisiva para a desmistificação do conceito e do dogma de que “a guerra não se discute” com que o regime, durante anos, conseguiu condicionar as mentalidades e os comportamentos dos militares.
O livro é apresentado tendo como principal objetivo analisar o problema do Ultramar e da guerra, e propor uma nova política, uma nova solução para os territórios africanos sob administração portuguesa, as denominadas Províncias Ultramarinas. A análise de Spínola é muito crítica e contundente quanto aos conceitos e condução da política do governo em relação aos territórios africanos e à guerra, alargando-se essa crítica a outros aspetos da vida nacional, concretamente à organização do Estado, e à política económica e social.
Em 22 de Fevereiro de 1974 é publicado o livro do general António de Spínola, Portugal e o Futuro.
Com a sua publicação Spínola pretende atingir
dois objetivos:
-
Pôr em causa a política Ultramarina do Governo;
- Marcar politicamente a agenda do Movimento das Forças Armadas tentando que o seu livro se constitua como um Programa Político para o MFA.
No Introito do livro Spínola deixa claro:
“Elegeu-se a questão ultramarina em primeiro problema nacional do presente pois, com efeito, o futuro de Portugal depende de uma adequada resolução das situações decorrentes da guerra que enfrentamos, consumindo vidas, recursos e capacidades, e retirando cada vez maior potencialidade ao ritmo a que teremos de processar o nosso desenvolvimento para cobrir a distância que nos separa dos países a cujo lado deveríamos estar.”
Também no Introito Spínola mostra que não se vai deixar condicionar pela obsessiva argumentação que o regime usava para ameaçar e chantagear os portugueses que discordassem ou se opusessem à sua política ultramarina, considerando-os traidores e cobardes. Assim é claramente declarado:
” Reduzir a questão ultramarina a posições extremas, e apresentar ao País o dilema da eternização da guerra ou da traição do passado, é atitude que não conduz ao futuro de grandeza e unidade a que legitimamente aspiramos.”
Regressado da Guiné em Julho de 1973, o regime, não podendo ignorar o prestígio militar de Spínola cria para ele o cargo de Vice-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, tendo a tomada de posse ocorrido em 14 de Janeiro de 1974, em cerimónia de acesso restrito. Assume assim Spínola o segundo lugar na hierarquia militar, imediatamente abaixo do general Costa Gomes, então Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.
Após assumir o seu novo cargo, Spínola solicita uma audiência a Marcello Caetano para lhe agradecer a nomeação e para o informar da sua intenção de publicar em breve um livro – Portugal e o Futuro. O relato desse encontro, feito pelo próprio Marcello Caetano indicia já a existência de algum mal-estar entre ambos.
Spínola solicita ao seu chefe hierárquico, o general Costa Gomes, autorização para publicação do seu livro, facultando-lhe um exemplar. Costa Gomes autoriza a publicação através de um despacho, ele próprio denotando clara intencionalidade política.
Costa Gomes leva o despacho ao Ministro da Defesa, Prof. Silva Cunha, que sem ter lido o livro tem relutância em autorizar a sua publicação.
Será o próprio Marcello Caetano que o aconselhará a conceder a autorização de publicação, pois, caso contrário, iria por em causa dois oficiais generais altamente prestigiados e que ocupavam a mais alta hierarquia das Forças Armadas.
Silva Cunha acabará por autorizar a publicação, ressalvando, no seu despacho, desconhecer o texto, e que a decisão era tomada levando apenas em conta a opinião expressa pelo Chefe do Estado-Maior General.
Marcello Caetano recebe no dia 18 de Fevereiro um exemplar do livro com dedicatória do general Spínola – a distribuição e venda ao público dar-se-ia no dia 22. Caetano só tem possibilidade de o ler no dia 21 e sobre ele tece o seguinte comentário:
“E AO FECHAR O LIVRO TINHA COMPREENDIDO QUE O GOLPE DE ESTADO MILITAR, CUJA MARCHA EU PRESSENTIA HÁ MESES, ERA AGORA INEVITÁVEL”
A Brigada do Reumático
No início de 1974 o Presidente do Conselho, Prof. Marcello Caetano, começou a sentir-se intranquilo em relação às Forças Armadas:
– Os jovens oficiais haviam iniciado movimentos de contestação à hierarquia militar, e a possibilidade de recorrerem a um golpe de estado começava a ganhar força.
– O Vice Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, general António de Spínola, publicara em 22 de Fevereiro o livro Portugal e o Futuro, cujo conteúdo não escondia uma clara crítica ao regime.
Marcello Caetano, tentando demonstrar a solidez do apoio das Forças Armadas à política seguida pelo seu Governo, organizou uma reunião com os oficiais generais dos três ramos das Forças Armadas, em que
estes declarariam solenemente o seu apoio e a sua fidelidade ao regime.
Em 14 de Março de 1974 realizou-se uma cerimónia de solidariedade com o regime, levada a cabo por oficiais-generais dos três ramos das Forças Armadas, que ficou conhecida por «Brigada do Reumático».
Ausentes os generais Costa Gomes, António de Spínola – CEMGFA e Vice-CEMGFA – e o almirante Tierno Bagulho.
Em nome dos oficiais presentes falou o Chefe do Estado Maior do Exército general Paiva Brandão.
Marcelo Caetano em resposta afirmou em agradecimento:
«O país está seguro de que conta com as suas Forças Armadas e em todos os escalões destas não poderão restar dúvidas acerca da atitude dos seus comandos»
Passados menos de um mês e meio verificou-se que aqueles generais pouco ou nada representavam e o seu poder era quase nulo.
Quem efetivamente comandava as Forças Armadas eram os jovens oficiais que haviam adquirido a sua capacidade de comando, a sua capacidade de decisão, e a sua capacidade de liderança nas longínquas terras de África ao comando das suas unidades numa guerra que parecia interminável.
No dia 15 de Março de 1974 são demitidos dos seus cargos de CEMGFA e Vice-CEMGFA os generais Costa Gomes, António de Spínola.
O 16 de Março
A 16 de Março de 1974, com o objetivo de derrubar o regime, saiu uma coluna isolado do Regimento de Infantaria n.º 5 das Caldas da Rainha com destino a Lisboa, que foi prontamente neutralizada por forças governamentais, tendo sido presos dezenas de militares, muitos deles oficiais muito próximo do general António de Spínola.
Nos últimos dias alguns acontecimentos tinham gerado a maior consternação no interior das unidades militares:
A 8 de Março, como represália pelas suas atividades, quatro oficiais do Movimento são mandados destacar compulsivamente das suas unidades para outras muito distantes das de origem.
A 14 de Março um conjunto alargado de oficias generais dos três ramos das Forças Armadas e das Forças de Segurança, deslocam-se a S. Bento para declarar a sua solidariedade e lealdade ao Presidente do Conselho, em especial à sua política ultramarina, na que passou a chamar-se a reunião da “Brigada do Reumático”;
A 15 de Março o Chefe e Vice-Chefe dos Estado-Maior General das Forças Armadas, respetivamente generais Costa Gomes e António de Spínola, são exonerados dos seus cargos, por se terem recusado a comparecer àquela cerimónia de demonstração pública de subserviência ao Presidente do Conselho.
A situação em muitas unidades do Exército tornou-se mais tensa havendo a sensação de que bastava uma pequena fagulha para atear um processo de indisciplina ou sublevação.
Apesar de alguns elementos do MFA terem participado na ação militar, no entanto o Movimento e a sua direção estavam completamente alheias e contra este tipo de ações.
Em meados de Março o MFA não estava ainda em condições de desencadear uma movimentação militar para derrubar o regime, por dois motivos básicos: em primeiro lugar não havia uma Ordem de Operações que sustentasse a necessária programação e planeamento das ações militares; e em segundo lugar não estava ainda concluído o processo de elaboração de um programa político, condição considerada necessária para que se pudesse equacionar com sustentabilidade o desencadear de um golpe militar.
Sem ser legítimo retirarmos conclusões definitivas sobre quem esteve na origem do pronunciamento militar do 16 de Março de 1974, no entanto, a ter êxito aquele movimento militar, o poder seria certamente assumido pelo general Spínola, que iniciaria assim a concretização do seu projeto de poder pessoal. O MFA ficaria com o seu espaço de manobra muito reduzido e afastado de qualquer processo de decisão político-militar.
Após a aprovação do Documento de Cascais em 5 de Março, era evidente que o MFA iria trabalhar na construção de um programa político.
É elaborado uma primeira versão de Programa redigida em colaboração entre Melo Antunes, Almada Contreiras e Martins Guerreiro.
Essa versão é apresentada a uma Comissão de Redação do Programa do MFA presidida por Vítor Alves e constituída por:
Arquivo Particular
Fotografia Alfredo Cunha
Arquivo Particular
Arquivo Nacional Torre do Tombo PT-TT-FLA-SF-001-0858-001_m0001
Arquivo Particular
Comissão Cultural de Marinha
Arquivo Particular
Esta comissão reunir-se-á durante todo o mês de Março e parte de Abril.
Melo Antunes sairá da comissão a 22 de Março pois foi
destacado compulsivamente para os Açores.
O Programa do MFA revela algumas preocupações básicas bem patentes nas transcrições:
Desmantelamento da Ditadura.
Liberdade
a) A destituição imediata do Presidente da República e do actual Governo, a dissolução da Assembleia Nacional e do Conselho de Estado, …;
b) A destituição de todos os governadores civis no continente, governadores dos distritos autónomos nas ilhas adjacentes e Governadores-Gerais nas províncias ultramarinas, bem como a extinção imediata da Acção Nacional Popular.
c) A extinção imediata da DGS, Legião Portuguesa e organizações políticas da juventude;
d) A entrega às forças armadas de indivíduos culpados de crimes contra a ordem política instaurada enquanto durar o período de vigência da Junta de Salvação Nacional, para instrução de processo e julgamento;
e) Medidas que permitam vigilância e controle rigorosos de todas as operações económicas e financeiras com o estrangeiro;
f) A amnistia imediata de todos os presos políticos, salvo os culpados de delitos comuns, os quais serão entregues ao foro respectivo, e reintegração voluntária dos servidores do Estado destituídos por motivos políticos;
g) A abolição da censura e exame prévio;
Início do Processo Democrático
“ O Governo Provisório, tendo em atenção que as grandes reformas de fundo só poderão ser adoptadas no âmbito da futura Assembleia Nacional Constituinte, obrigar-se-á a promover imediatamente:
a) A aplicação de medidas que garantam o exercício formal da acção do Governo e o estudo e aplicação de medidas preparatórias de carácter material, económico, social e cultural que garantam o futuro exercício efectivo da liberdade política dos cidadãos;
b) A liberdade de reunião e de associação.Em aplicação deste princípio será permitida a formação de «associações políticas», possíveis embriões de futuros partidos políticos, e garantida a liberdade sindical, de acordo com lei especial que regulará o seu exercício;
c) A liberdade de expressão e pensamento sob qualquer forma;
d) A promulgação de uma nova Lei de Imprensa, Rádio, Televisão, Teatro e Cinema;e) Medidas e disposições tendentes a assegurar, a curto prazo, a independência e a dignificação do Poder Judicial;
1) A extinção dos «tribunais especiais» e dignificação do processo penal em todas as suas fases;
2) Os crimes cometidos contra o Estado no novo regime serão instruídos por juízes de direito e julgados em tribunais ordinários, sendo dadas todas as garantias aos arguidos.As averiguações serão cometidas à Polícia Judiciária.
Construção da Democracia
[…] Anúncio público da convocação, no prazo de doze meses, de uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita por sufrágio universal direto e secreto, segundo lei eleitoral a elaborar pelo futuro Governo Provisório;
Logo que eleitos pela Nação a Assembleia Legislativa e o novo Presidente da República, será dissolvida a Junta de Salvação Nacional e a ação das forças armadas será restringida à sua missão específica de defesa da soberania nacional.
Democracia Económica
O Governo Provisório lançará os fundamentos de:
a) Uma nova política económica, posta ao serviço do povo Português, em particular das camadas da população até agora mais desfavorecidas, tendo como preocupação imediata a luta contra a inflação e a alta excessiva do custo de vida, o que necessariamente implicará uma estratégia antimonopolista;
Paz e Descolonização
A política ultramarina do Governo Provisório, tendo em atenção que a sua definição competirá à Nação, orientar-se pelos eguintes princípios:
a) Reconhecimento de que a solução das guerras no Ultramar é política e não Militar;
b) Criação de condições para um debate franco e aberto, a nível nacional, do problema ultramarino;
c) Claro reconhecimento do direito do povos à autodeterminação e adoptação acelerada de medidas tendentes à autonomia admisnitrativa e política dos territórios ultramarinos, com efectiva e larga participação das populações autóctones;
d) Lançamento dos fundamentos de uma política ultramarina que conduz à paz.
Operação Viragem Histórica
A Ideia da Manobra
Zona Norte do Rio Douro
As unidades defendem os quartéis com menos efetivos convergindo para a cidade do Porto em reforço. As unidades aquarteladas no Porto conquistarão os principais objetivos, onde no Quartel General da Região Militar do Porto funcionará o Posto de Comando Norte.
Zonas Centro e Sul
As unidades aí estacionadas farão convergir forças para Lisboa, estando sob o controlo operacional do Posto de Comando em Lisboa.
Lisboa o Centro de Poder
Era considerado de vital importância a conquista dos centros de poder político-militar que estavam sedeados em Lisboa. Retirar ao regime a capacidade de reação e reorganização dos seus recursos, era uma prioridade. Desorganizar e desarticular os centros de decisão em Lisboa era uma prioridade de primeira grandeza, pelo que deviam ser para aí desviados o maior número de meios possível e aí efetuar o maior esforço.
Os Órgãos de Comunicação Social
Foi considerado essencial dispor de uma estação de radiodifusão de âmbito nacional como porta voz do Posto de Comando. Foi escolhido o Rádio Clube Português, cujos estúdios tinham gerador próprio e estavam bem protegidos pelo Regimento de Caçadores n.º 5 estacionado nas suas vizinhanças. As antenas do Rádio Clube Português em Porto Alto foram ocupadas por uma Companhia vinda de Santa Margarida.
A Emissora Nacional foi neutralizada até às 08:30 quando passou a transmitir os comunicados do MFA.
A RTP esteve ocupada e silenciada desde as 03:30 mas só houve capacidade de passar transmitir sob controlo do MFA às 18:40.