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A substituição de Oliveira Salazar por Marcelo Caetano criou grandes expectativas entre as elites e a população em geral.

Num regime de ditadura que parecia imutável, a desaparição de Salazar gerava uma sensação de efectiva mudança, acentuada por um conjunto de medidas de alívio da repressão política e social sentidas como sendo de “liberalização”.

No que se refere à organização sindical e às lutas operárias, destacou-se a determinação de que as forças de segurança — PIDE-DGS, PSP e GNR — apenas intervinham nas situações de greve e interrupções de trabalho a pedido do patronato e exclusivamente para protecção de pessoas e bens e garante da liberdade de trabalho e da ordem social.

Com a reforma das leis sindicais da primeira fase do Governo de Marcelo Caetano, a eleição das direcções dos sindicatos deixava de requerer a homologação ministerial e as condições prévias de elegibilidade passavam a ser verificadas por comissões eleitas entre os sócios. Também deixou de ser possível a nomeação de comissões administrativas por tempo indeterminado, estabelecendo-se um prazo máximo de seis meses para a ocorrência de eleições. Os sindicatos já não podiam ser dissolvidos por via administrativa, passando o julgamento da suspensão e da destituição de dirigentes a estar confiado aos Tribunais do Trabalho.

Ainda no início do Marcelismo, a contratação colectiva passou a obrigar à negociação entre sindicatos e patrões e instituiu-se a conciliação e a arbitragem como meios para dirimir os conflitos entre as partes. Os Tribunais do Trabalho substituíram o Governo nos contenciosos eleitorais e regulamentares.

Outra alteração significativa na legislação sindical foi a aceitação de que os sindicatos podiam nomear delegados sindicais nas empresas. Estes passaram a ter um papel relevante nas lutas dos sindicatos, não só por terem a confiança dos trabalhadores, mas também porque, através deles, os sindicatos ficavam a conhecer a real situação nas empresas. Eram ainda um veículo de rápida transmissão de informações e mobilização dos trabalhadores.

Foi neste contexto que a combinação de esperanças, ilusões e oportunidades deu origem a uma crescente contestação social. Se no ano de 1968 tinha havido 15 greves, o seu número subiu para 90 em 1969, acompanhando um ambiente de protesto, reivindicação e acções laborais.

Consequência de um efectivo abrandamento da repressão e dos bons resultados obtidos pelos primeiros grevistas, a frequência das greves tornou-se tão excepcional que, a 3 de Fevereiro de 1969, o ministro do Interior mandou a PIDE-DGS averiguar quem comandava tais acções — o que a polícia política não conseguiu apurar. Muitas das greves deste período decorreram de movimentos espontâneos, induzidos pelo novo clima político-social, que transformara as paragens de trabalho num instrumento reivindicativo muito eficaz. Porém, esta situação favorecia também a acção dos partidos e movimentos clandestinos — como o Partido Comunista Português (PCP), os “católicos progressistas” e os esquerdistas — que assumiam progressivamente maior importância.

 

CARRIS

Precursora do movimento grevista que se iniciaria em breve, a designada “greve da mala”, que consistia em não cobrar bilhetes nos transportes da Carris, foi muito popular e suscitou a solidariedade dos estudantes do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, localizado nas proximidades de um depósito de eléctricos da companhia. Pouco meses depois, primeiro em Dezembro de 1968 e depois em Março de 1969, os trabalhadores da Carris organizam várias concentrações na Estação de Santo Amaro. Reivindicam subsídio de férias e de Natal, 7 horas de trabalho diário e um aumento de 100$00 diários.

O protesto tem o apoio da União Internacional dos Trabalhadores dos Transportes. Já em Junho e Julho de 1970, fazem greve às horas extraordinárias, reclamando os dias de folga pagos, horas extraordinárias marcadas livremente, libertação dos colegas presos e a semana inglesa ou americana para todo o pessoal.

 

Relatório da PSP à PIDE-DGS comunicando uma denúncia de um administrador da Carris sobre a preparação de uma concentração de trabalhadores na Estação de Santo Amaro, em Lisboa, 19 de Março de 1969. Fonte: ANTT, PIDE-DGS

 

 

Informação da PIDE-DGS sobre uma greve em preparação pelos trabalhadores da Carris, 28 de Setembro de 1970. Fonte: ANTT, PIDE-DGS
Informação da Legião Portuguesa sobre greve na Covina, 12 de Fevereiro de 1969. Fonte: ANTT, PIDE-DGS

COVINA

A 12 de Fevereiro de 1969, 1000 trabalhadores da Covina iniciam uma “greve de braços caídos”, reivindicando aumentos salariais. Mário Rui Ferreira Lima e Fernanda Garcia da Silva são identificados pela PIDE-DGS como os principais instigadores da greve. A 15 de Fevereiro, perante a continuação da greve, 373 operários são suspensos e o edifício é colocado à guarda da GNR.

A administração decide readmitir os trabalhadores desde que estes declarem, em formulário próprio, perder os benefícios de antiguidade.

 

Capilha de processo de “tentativa de greve” na Covina. No interior, informações da PIDE-DGS e listagens dos trabalhadores da empresa e respectivas moradas, 1969. Fonte: ANTT, PIDE-DGS
Interior da fábrica Covina - Companhia Vidreira Nacional, c. 1969.Fotografia do Estúdio Mário Novais. Fonte: Biblioteca de Arte Gulbenkian
“A luta dos ferroviários. Balanço duma fase do seu movimento reivindicativo”, O Militante, n. 159, Fevereiro de 1969. Fonte: Ephemera

COMPANHIA DE CAMINHOS DE FERRO PORTUGUESES

Prosseguindo a luta iniciada no último trimestre de 1968, a 2 de Janeiro de 1969 inicia-se um “luto ferroviário” contra os reduzidos aumentos salariais. O protesto dura 8 dias, até que que a PIDE-DGS recolhe as braçadeiras. A 2 de Agosto do mesmo ano, os ferroviários organizam uma manifestação junto da União dos Sindicatos Ferroviários, na Praça dos Restauradores, em Lisboa.

Já a 20 de Outubro, verifica-se uma paralisação dos ferroviários das 15 às 16 horas. No final de ano, os ferroviários declaram novamente luto de âmbito nacional em protesto contra a miséria em que vivem os ferroviários portugueses.

 

Concentração de ferroviários na praça dos Restauradores, 2 de Agosto de 1969. Fotógrafo não identificado. Fonte: ANTT, PIDE-DGS
Tarjeta denunciando a degradação da situação económica dos trabalhadores ferroviários, s.d. Fonte: ANTT, PIDE-DGS

GENERAL MOTORS

Em Janeiro de 1969 verifica-se uma greve na General Motors. O mesmo sucede na Ford Lusitana.

 

 

 

Informação da Legião Portuguesa APIDE-DGS sobre greve de braços caídos na General Motors, 21 de Março de 1972. Fonte: ANTT, Legião Portuguesa.
Stand da General Motors, s.d. Fotografia do Estúdio Mário Novais. Fonte: Biblioteca de Arte Gulbenkian
Informação da PIDE-DGS sobre “agitação” nos estaleiros da Lisnave da Margueira, 21 de Janeiro de 1969.Fonte: ANTT, PIDE-DGS

LISNAVE

Em Dezembro de 1968, os trabalhadores da Lisnave iniciam uma greve. Segundo o jornal Avante! terão aderido cerca de 2.000 trabalhadores. Menos de um ano depois, em 11 de Novembro de 1969, tem início uma “greve de braços caídos”. Segundo a mesma fonte, aderem à greve cerca de 5.000 trabalhadores. Em causa estão os aumentos salariais e as férias anuais. No dia seguinte, os estaleiros estão totalmente paralisados e ocupados.

Já no dia 13, os grevistas são expulsos pela GNR, PSP e PIDE-DGS. Os confrontos e incidentes continuam, culminado com a prisão de um operário. Na sequência destes episódios, 30 trabalhadores tidos por “agitadores” são despedidos.

 

 

 

Estaleiros navais da Margueira, Lisnave, s.d. Fonte: ANTT, SNI

ESTIVADORES

A 30 de Março de 1970, em protesto contra a forma como o sindicato conduz as negociações salariais, os estivadores do Porto de Leixões trabalham apenas 8 horas diárias. Recusam-se também a descarregar o trigo do navio Caterine, pois a firma consignatária não lhes quer pagar, como é corrente no Porto de Lisboa, mais 50 por cento por se tratar de descarregar carga a granel.

 

Jornal A Capital, 8 de Agosto de 1969

 

 

Porto de Leixões, s.d. Fonte: Arquivo Municipal do Porto.

PESCADORES

untando-se ao movimento grevista iniciado pelos pescadores da Figueira da Foz (Abril-Maio de 1968) e pelos pescadores de Matosinhos (Julho), os pescadores do Algarve declararam greve em Março de 1969, que se prolongou por mais de cinco semanas. A 1 de Abril os pescadores da sardinha de Matosinhos, Póvoa de Varzim e Aforada entram também em greve sendo, pouco tempo depois, acompanhados pelos pescadores de Peniche.

Já a 1 de Setembro 30 barcos em Peniche interrompem a sua actividade e a 4 de outubro são seguidos pelos pescadores de Olhão. Na generalidade, todos reclamam aumentos salariais e maior protecção social.

 

Pescador a remendar rede, anos 60/70. Fotografia de Marco Ricca. Fonte: Arquivo do Cento Interpretativo do Património da Afurada

 

 

Pescadores de Sesimbra, s.d. Fotografia de Artur Pastor de Macedo.Fonte: Arquivo Municipal de Lisboa.
“Pescadores do Bacalhau, de Aveiro, Gafanha e Ílhavo! Camaradas!”, apelo de um grupo de pescadores à linha que exige 20% de aumento na matrícula e aumento das percentagens, Abril de 1969. Fonte: ANTT, Legião Portuguesa.

#50anos25abril