A «maioria silenciosa» é a primeira tentativa de travar a revolução e a democratização.
Texto: Francisco Bairrão Ruivo
28 de Setembro de 1974. 11 de Março de 1975. 25 de Novembro de 1975. Três momentos de confrontação pelo poder, de mudança política e de alteração da correlação de forças que correspondem aos três marcos utilizados para periodizar o processo revolucionário.
O 28 de Setembro foi a primeira grande tentativa de conter a democratização e a revolução. Constituiu-se como mais uma investida – até então a de maior alcance – do Presidente da República, General António de Spínola, para tomar o poder, conjugando uma manifestação de rua em seu apoio com movimentações militares e uma conspiração palaciana visando a demissão do Primeiro-Ministro, Vasco Gonçalves, a dissolução da Comissão Coordenadora (CC) do Movimento das Formas Armadas (MFA), a declaração de estado de sítio e o reforço dos poderes presidenciais.
Em crescente isolamento, Spínola e os setores que lhe eram afetos, perante o avanço da descolonização e do reconhecimento das independências, o poder crescente do MFA e dos partidos de esquerda, a vaga de ações e lutas dos movimentos sociais e aquilo que se constituía como um processo revolucionário, organizam uma manifestação de uma alegada «maioria silenciosa», de apoio ao Presidente da República que legitimasse o reforço dos poderes presidenciais e a declaração de estado de sítio.
Tratava-se de uma ação global, com ramificações em Angola e Moçambique, passível de degenerar em violência e até num golpe de Estado. O objetivo era, por um lado, a contenção do processo revolucionário, mediante uma viragem à direita e o recuo das liberdades, e, por outro, ganhar algum controlo sobre a descolonização.
«O 28 de Setembro e a Maioria Silenciosa», excerto de Anos 70: Imagens duma Década (Joaquim Furtado, Joaquim Vieira, António Perez Metelo e Solano de Almeida).
A situação política
Ao contrário do que ficara definido pelo MFA, é Spínola quem assume a Presidência da República e da Junta de Salvação Nacional (JSN) após o golpe militar de 25 de Abril e não Costa Gomes, a quem caberá o cargo de Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA).
Esta situação, com Spínola a querer hegemonizar o poder, abriria um intenso conflito entre aquele e a Coordenadora do MFA pelo controlo do processo político interno e de descolonização.
O projeto político de Spínola
A democratização controlada preconizada por Spínola, assente na limitação de direitos e liberdades, é descrita como uma «democracia musculada», um «marcelismo sem Marcelo» ou um «presidencialismo militar». No fundo, a negação daquilo que movimentos sociais e o MFA preconizavam.
Spínola advogava uma «via federal-presidencialista» sob controlo político-económico da grande burguesia assente em «táticas golpistas» e em «laivos de nacionalismo militar». Neste projeto, o neocolonialismo de tipo federalista tinha uma centralidade inequívoca.
Todavia, Spínola não será capaz de evitar ou retardar a descolonização e, constrangido, assinará a 27 de julho a Lei 7/74 que previa o reconhecimento do direito à independência dos territórios ultramarinos. Ainda assim, o Presidente da República não desiste de fomentar organizações africanas e soluções assentes na autodeterminação e referendos.
Entre abril e setembro: os “assaltos” de Spínola ao poder
Ao longo de cinco meses o chefe do Estado tentará de diferentes formas garantir para si o controlo do poder político-militar, reforçar os poderes presidenciais e aniquilar a Comissão Coordenadora do MFA.
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O braço-de-ferro nos dias imediatos ao golpe de 25 de Abril
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Os embates de 8 e 13 de junho na Manutenção Militar
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A «crise Palma Carlos»
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A crise de agosto
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Apelos à «maioria silenciosa»
Estes assaltos ao poder são complementados por discursos catastróficos da «teoria da terra queimada», em que Spínola prepara o terreno para o apelo à «maioria silenciosa».
A situação económico-social
O projeto político de Spínola esbarra num dos fenómenos mais profundos trazidos pelo 25 de Abril: a explosão revolucionária marcada por mobilizações coletivas, pelas práticas de democracia direta e pela militância de base.
Em maio explode uma onda de greves, sucedem-se ocupações e paralisações de empresas, assembleias e manifestações diárias em que se reivindicam direitos e liberdades fundamentais e o fim da Guerra Colonial.
Destacam-se lutas como as da função pública, CTT, TAP, Jornal do Comércio, Sogantal ou Lisnave.
Em Setúbal, Lisboa ou Porto, o movimento de moradores auto-organiza-se em comissões e arranca o movimento de ocupações de casas. Não apenas nos bairros urbanos, mas também nos campos do Alentejo, empresas, escolas e universidades, órgãos locais e centrais do Estado e até nas Forças Armadas, estabelecem-se formas de organização popular e de luta reivindicativa. Era a revolução.
Todo o período entre abril e setembro e, em particular, a derrota spinolista são seriamente determinados por esta dinâmica revolucionária.
AS DIREITAS
Em torno de Spínola organiza-se um campo político conservador, mas heterogéneo. Abarca várias tendências de direita e extrema-direita, monárquicos, católicos, aristocratas, elementos da elite económica. Define-se mais pela oposição ao processo revolucionário, de democratização e de descolonização, do que pela afinidade ideológica.
A questão africana é central, nomeadamente a manutenção de algum tipo de ligação entre Portugal e as (ainda) colónias. Embora defendendo vias integristas ou independências brancas, muitos resignam-se ao federalismo spinolista.
A explosão de partidos no pós-25 de Abril passará também pelo centro-direita e pela extrema-direita, alguns deles com ligações ao Presidente da República.
• Nos primeiros dias de maio surgem o Partido Trabalhista Democrático Português (PTDP), apoiante da manifestação da «maioria silenciosa» e com ligações a grupos colonialistas em África, e o Partido Cristão Social-Democrata (PCSD), que se fundirá com o Partido Democrático Popular Cristão (PDPC).
• A 4 de maio é apresentado o Movimento Federalista Português (MFP), posteriormente denominado Partido do Progresso (PP), e dias depois o Movimento Popular Português (MPP), todos apoiantes da manifestação.
• No dia 10, surgia o Partido da Democracia Cristã (PDC), outro importante apoio. Dias depois era a vez do Partido Popular Monárquico (PPM).
• No dia 28 de maio é fundado Partido Liberal (PL), o grande coordenador da manifestação.
• No dia 15 de junho, surge o Partido Social-Democrata Português (PSDP) e a 24 o Partido Nacionalista Português (PNP), que será extinto dias antes do 28 de Setembro.
• Sob o signo do antimarxismo, PL, PTDP e PP constituem, a 27 de agosto, a Frente Democrática Unida (FDU).
• PDC, Partido Cristão Social (PCS), Partido Social-Democrático Independente (PSDI) e elementos do PSDP formam a Aliança dos Portugueses para o Progresso Social, frente de direita de apoio ao Presidente da República, apesar das reservas que Spínola lhes suscitava.
As ligações entre o Presidente da República e estas organizações não são claras.
A 10 de junho, Spínola é eleito presidente honorário do PTDP e realizam-se em Lisboa e no Porto manifestações das direitas em defesa do federalismo.
Na sequência da «crise Palma Carlos», MFP, PTDP, PL e MPP consideram que «a grande maioria do País tem sido silenciada», e são recebidos por Spínola no dia 10 de julho.
A imprensa regional e jornais como o Bandarra, Economia e Finanças, Tribuna Popular ou Tempo Novo serão determinantes na preparação da manifestação e no ataque a MFA, governo, partidos de esquerda e processo de descolonização.
A «MAIORIA SILENCIOSA»
O Relatório sobre o 28 de Setembro situa o arranque de «uma ofensiva orquestrada pela extrema-direita» no referido encontro de 10 de julho de Spínola com delegações do MFP, PTDP, PL e MPP, e o início das movimentações tendentes à manifestação no final do mês. A organização efetiva arranca no início de setembro.
Spínola dirá que foi informado por Galvão de Melo da preparação de uma manifestação de apoio ao Presidente da República. Porém, Francisco Van Uden afirma que foi Spínola, inspirado em De Gaulle, quem procurou os organizadores da manifestação, informando-os da necessidade de uma manifestação pública de apoio popular para combater a «infiltração comunista no MFA». Deste encontro surgiria a comissão organizadora da manifestação que, presidida por Fernando Cavaleiro, integrava José Filipe Rebelo Pinto, António Sousa Macedo, Manuel Sá Coutinho, Francisco de Bragança van Uden, António da Costa Félix e Manuel João Ramos de Magalhães.
A MARCHA DOS ACONTECIMENTOS
A 9 de setembro, elementos do PP, PDC e PL reúnem para preparar a manifestação.
No dia 7 fora assinado o acordo de Lusaca que provoca o levantamento violento da comunidade branca em Lourenço Marques.
Na cerimónia de reconhecimento da independência da Guiné (10 de setembro) o Presidente da República, entre ataques ao processo de descolonização, apela à «maioria silenciosa». No dia 12, uma grande manifestação da Lisnave percorria as ruas de Lisboa. A 14 de setembro, Spínola e Mobutu encontram-se para discutir o futuro de Angola.
No dia seguinte, a Associação Livre de Agricultores (ALA) convoca uma manifestação junto ao Palácio de Belém para dia 29 de modo a coincidir com as movimentações da «maioria silenciosa».
Depois de, a 28 de agosto, elementos do MPP terem sido detidos por colar cartazes da manifestação, na madrugada de 19 de setembro são novamente afixados em Lisboa cartazes que acabam rasgados por militantes do Partido Comunista Português (PCP) e do Movimento Democrático Português (MDP) que entram em confronto com os apoiantes da manifestação.
O financiamento da manifestação terá sido organizado por Kaúlza de Arriaga e Fernando Cavaleiro e suportado pelo Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, com quem elementos do PL e do PP tinham relações próximas. As verbas são aplicadas em propaganda, cartazes, aluguer de avionetas para distribuição de panfletos, fretes de táxis aéreos e aluguer de cerca de mil camionetas no Norte do país destinadas ao transporte gratuito de pessoas para Lisboa.
Refletindo as imbricações da «maioria silenciosa» com a frente africana e as manobras tendentes ao controlo do processo de descolonização, o Presidente da República chama, no dia 20, a Lisboa o governador-geral de Angola, Rosa Coutinho, e assume diretamente a descolonização de Angola e todas as negociações (Diário de Lisboa, 23 de setembro de 1974).
A RESPOSTA ÀS MOVIMENTAÇÕES DA DIREITA
O primeiro número do Boletim Informativo do Movimento das Forças Armadas, de 9 de setembro, denunciava: «verificam-se (…) graves sintomas de que as forças conservadoras, e sobretudo os meios mais reacionários, como os dos fascistas desalojados do poder pelo 25 de Abril, não se conformam com a nova ordem democrática e começam a levantar a cabeça». E conclui: o MFA «não pode ficar indiferente perante as manobras e ações contrarrevolucionárias»
No dia 18 as instalações do PNP no Porto são ocupadas pela PSP, militantes presos e o partido extinto, acusado de pretender derrubar as instituições democráticas.
Entre os partidos de esquerda, Álvaro Cunhal dava o mote: «Se a reação aguça os dentes e se prepara para morder, é necessário partir-lhos antes que morda» (Diário de Lisboa, 21 de setembro de 1974). O PCP alerta para a manifestação de «reacionários e fascistas encapotados» que visa destruir o processo de democratização. Denuncia o apoio da «alta finança» e apela à vigilância popular e à unidade e ação de todos os partidos.
O MDP fala na «minoria tenebrosa» composta por ex-elementos da PIDE/DGS, ex-legionários, partidos fascistas e grandes capitalistas. Também o Partido Socialista (PS) denuncia as manobras de «grupos fascistas». Já o Centro Democrático Social (CDS) desmentia qualquer ligação ao recentemente extinto PNP.
A tensão social crescia e as lutas intensificavam-se em inúmeros locais de trabalho. Trabalhadores de várias empresas, sindicatos e comissões de trabalhadores organizam-se contra a manifestação e assumem uma posição de vigilância, nomeadamente nas telecomunicações, na Rádio Renascença, nos ferroviários ou na informação. Trabalhadores da imprensa boicotam anúncios da extrema-direita. Na Publifirma, empresa responsável pela impressão dos cartazes da manifestação, os funcionários demarcam-se do diretor Hipólito Raposo ligado ao Partido Liberal.
A data da manifestação é fixada a 24 de setembro, num clima de rumores relativamente a manifestações reacionárias e reuniões entre elementos da Legião Portuguesa, Ação Nacional Portuguesa, do PNP e da Igreja.
TOIROS E CAVALOS
Na tarde de 26 de setembro decorre em Lisboa um Concurso Hípico durante o qual Spínola é entusiasticamente ovacionado e lhe é entregue um cartaz da «maioria silenciosa».
Nesse mesmo dia o Diário de Lisboa denunciava a «manifestação burla» e a «“silenciosa”, a minoria tenebrosa».
À noite, o Campo Pequeno recebia uma corrida de touros da Liga dos Combatentes que pretendia constituir-se como o lançamento da manifestação e uma grande demonstração de apoio ao Presidente da República.
«horas de extraordinária tensão e emoção»
(Relatório 28 de Setembro, p.52)
Na manhã do dia 27, em reunião em Belém do Conselho de Ministros, Spínola tenta, pela primeira vez, nesta sucessão de acontecimentos, a declaração do estado de sítio.
O plano de resposta da Comissão Coordenadora do MFA é delineado nessa manhã em reunião com Costa Gomes, ministros militares do MFA, Comandante-adjunto do COPCON, Otelo Saraiva de Carvalho, e membros da 2.ª Divisão do EMGFA que apresentam uma lista de detenções que, de imediato, começam a realizar.
Os oficiais da Coordenadora contactam as principais unidades e a contagem de espingardas revelava-se favorável. Segue-se uma reunião da JSN, em que Spínola propõe, sem sucesso, a demissão de Vasco Gonçalves.
No fim da tarde de 27, numa turbulenta reunião do Conselho de Ministros, Spínola volta a insistir na demissão do Primeiro-Ministro. O ocaso desta reunião coincide com o início das prisões decididas pelo COPCON nessa tarde em São Bento e com o arranque da constituição de barricadas nos acessos a Lisboa por sindicatos, comissões de trabalhadores e moradores e partidos de esquerda.
Em nova reunião da JSN em Belém, com a presença de Vasco Gonçalves, Costa Gomes e os ministros da Comunicação Social e da Defesa, Sanches Osório e Firmino Miguel, os elementos próximos de Spínola exigem a demissão do Primeiro-Ministro.
Noutra sala do Palácio de Belém, o ministro da Comunicação Social é incumbido pelo Presidente da República de redigir um comunicado, sugerindo a necessidade da declaração de estado de sítio, rejeitado por Vasco Gonçalves e Costa Gomes.
Em novo comunicado às 3 horas da madrugada de 28, redigido pelo Primeiro-Ministro e aprovado por Spínola, o governo apela ao levantamento das barricadas populares, permitindo a normal circulação e a passagem dos participantes na manifestação, que tinha condições para decorrer pacificamente.
«O 25 DE ABRIL SOBRE RODAS»
Na operação montada pelo COPCON, com o conhecimento de Costa Gomes, na noite de 27 para 28 de setembro, são detidas várias pessoas por envolvimento nas movimentações da «maioria silenciosa». O contra-ataque do MFA centrar-se-á ainda na neutralização de alguns partidos de extrema-direita como o PL, PNP e MFP/PP.
O fim do dia 27 e o dealbar de dia 28 são de máxima tensão e de receios que a situação escalasse para algo próximo da guerra civil.
Com Otelo – a quem Spínola retira o comando do COPCON – e Vasco Gonçalves aparentemente detidos em Belém, a Coordenadora do MFA reage. Vasco Lourenço, aproveitando a rede conspirativa do 25 de Abril, contacta os capitães de várias unidades e diz-lhes para, se for necessário, porem o “25 de Abril sobre rodas”, prenderem os comandantes e assumirem o comando das unidades. Quase todas as unidades estavam com a Coordenadora e não com Spínola que, cada vez mais pressionado, permite que Vasco Gonçalves e Otelo abandonem Belém.
A CLARIFICAÇÃO
À medida que a madrugada dava lugar à manhã tornava-se claro que a situação pendia favoravelmente para o MFA.
Era a hora de «explorar o sucesso».
Em reunião na manhã de 28 em São Bento da Coordenadora com o Primeiro-Ministro e os ministros militares, é apresentada a Spínola uma plataforma de entendimento que exigia a demissão de Diogo Neto, Galvão de Melo e Jaime Silvério Marques da JSN e de Sanches Osório do governo, o confinamento da atividade de Spínola à esfera de Presidente da República, não interferindo na ação do Governo e do CEMGFA.
O Presidente da República recusa, pede a Freitas do Amaral que redija uma declaração de estado de sítio a apresentar na reunião do Conselho de Estado marcada para essa manhã e volta a insistir na demissão de Vasco Gonçalves.
Cerca das 13 horas, um comunicado da Presidência da República declara ser inconveniente a realização da manifestação. Minutos depois, em comunicado da 5.ª Divisão, o MFA proíbe a manifestação marcada para as 15 horas.
À hora prevista para a manifestação, são militantes das esquerdas que se concentram em Belém e não se vislumbra nenhuma «maioria silenciosa».
Ao fim da tarde de 28, nova reunião entre Vasco Gonçalves, Costa Gomes e Spínola que exige mais uma vez a demissão do Primeiro-ministro, recusa a plataforma de entendimento e ameaça demitir-se. Tentará ainda novo e infrutífero golpe de mão que passaria por solicitar a intervenção da NATO.
O DIA SEGUINTE
Na manhã de 29, JSN e Comissão Coordenadora do MFA reúnem e debatem a possibilidade de institucionalização do MFA e Spínola tenta mais uma vez declarar o estado de sítio, voltando a tentá-lo na reunião do Conselho de Estado que se segue.
No início da tarde, é retomada a reunião da JSN com a Comissão Coordenadora. Esta apresenta então a Spínola as propostas da plataforma de entendimento. Confirma-se a demissão dos três generais da JSN referidos e Spínola e Costa Gomes são encarregados de estudar a institucionalização do MFA.
Ao fim do dia 29, Spínola comunica ao Primeiro-Ministro, na presença de Costa Gomes, a intenção de demitir-se do cargo de Presidente da República.
Em reunião do Conselho de Estado na manhã de 30 de setembro, António de Spínola, em dramática intervenção transmitida pela RTP, comunica ao país a renúncia à Presidência da República.
AS CONSEQUÊNCIAS DO 28 DE SETEMBRO
As consequências imediatas são a demissão de Spínola e a nomeação de Costa Gomes para Presidente da República. É nomeado o III Governo Provisório que continua a ser chefiado por Vasco Gonçalves e no qual se acentua a presença do MFA.
Globalmente assiste-se à primeira grande viragem à esquerda no processo revolucionário e ao reforço do MFA que se assume como o principal centro de poder. A direita é derrotada, os partidos de esquerda saem reforçados.
“28 de Setembro de 1974”, Luís, Cília, Resposta, 1975.
Outras datas vincarão o nosso tempo,
fincarão os seus dedos de minutos
no parapeito da história que fazemos
vigiando os caminhos de setembro.
Delas virão as armas já forjadas
as armas que ganhámos combatendo
ao lado dessas mãos há muito armadas,
de pé, nas barricadas de setembro.
Alguns duvidam da tua face nua,
da força que ganhaste neste tempo,
porque não souberam vir a rua
onde o futuro se estava disputando.
Quando o sol acendeu a madrugada
e a rádio falou do que esperavas,
olhei-te e tu sorrias
sobre a metralhadora que empunhavas.
Disseste então que a arma não é tudo
quando se hesita, estando bem armado;
disseste que o futuro é a barreira
que fizemos juntos, em setembro.
A grande dúvida parecia situar-se no grau de viragem à esquerda e na profundidade da revolução em curso. O que ficara claro e que se aprofundaria nos meses seguintes era a centralidade das mobilizações populares, determinantes não apenas na abertura de um processo revolucionário de sentido socialista e na contenção do projeto político conservador de Spínola, mas também na desmontagem da manifestação, erguendo barricadas e dinamizando a vigilância popular.
Derrotada a tentativa de mobilizar a rua para impor uma mudança política e proibidos os partidos apoiantes da «maioria silenciosa», Spínola promoverá novo assalto ao poder com o golpe de 11 de Março de 1975.
Logradas as tentativas de setembro de 1974 e março de 1975, a extrema-direita organiza-se a partir do exílio. Spínola fundará o Movimento Democrático para a Libertação de Portugal (MDLP) que, juntamente com organizações como o Exército de Libertação de Portugal (ELP), o Movimento Maria da Fonte ou os Comandos Operacionais de Defesa Ocidental (CODECO), promoverão, a partir de maio de 1975, várias ações violentas e terroristas, como a destruição de sedes de partidos de esquerda, atentados e assassinatos.
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